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A mudança começa em mim

Vânia Ribeiro | Made by choices

Vânia Ribeiro (31) é licenciada em Psicologia e interessada em medicinas alternativas. Durante quatro anos tirou um curso de medicina chinesa e massagens. Nessa altura, descobriu a naturopatia. Por razões de saúde sentiu necessidade de mudar a sua alimentação. Colocou em questão o consumo de carne e abriu um blogue que, passado ano e meio, tem milhares de visitantes em Portugal. A vida vegan é apresentada todos os dias, com novas receitas, artigos sobre saúde, fotografias, filmes e documentários. Chama-se “Made by Choices”… A ECO123 entrevistou-a no Jardim Botânico de Lisboa.

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Quando nasceu a ideia de criar um blogue?

Há dois anos atrás, quando deixei a carne e, mais tarde, também o peixe. Decidi fazê-lo para ajudar as pessoas que querem fazer uma mudança alimentar. Contudo, não alterei a minha alimentação de um dia para outro. Fui muito orgânica. Comecei por fazer e publicar receitas simples de que gostava. O feedback foi positivo e fui sempre publicando e partilhando. O meu blogue tem um canal em vídeo no YouTube com cerca de 5.000 seguidores. Todas as receitas têm um vídeo para mostrar como é facil cozinhar vegan. As receitas mostram sempre os macro nutrientes, desde as proteínas aos hidratos de carbono, passando pelas vitaminas. Os componentes são sempre muitos equilibrados. O blogue nasceu também para trocar informações. Publiquei críticas a restaurantes de que gostei, apresentei mercados biológicos de rua, alguma loja biológica recém-aberta…

Como começa o seu dia?

Bebo sempre um copo de água entre as seis e as sete da manhã. Faço exercícios e meditação e começo a tratar das minhas coisas em casa. Trabalho sempre duas a três horas na parte da manhã e depois escrevo textos para o blogue que estou a desenvolver.

Pode viver do seu blogue?

Com o blogue não ganho dinheiro. Neste momento começo a conseguir viver através dos projetos promovidos pelo blogue: cursos, produtos e vendas. Conto também com o apoio do meu marido, que é um grande impulsionador deste projeto.

Quanto tempo por dia precisa de investir neste projeto?

Cerca de quatro horas diárias, entre as oito/nove da manhã até ao meio-dia/uma hora. Tenho agora o projeto do meu livro, que sairá na próxima Primavera, e fala sobre os cinco elementos e as cores, os vegetais e os frutos. Temos os verdes, amarelos e laranjas, temos o azul e o roxo, branco, castanho e o vermelho. Não posso adiantar mais detalhes.

Aceita patrocinadores no seu blogue?

Aceito, mas depende das marcas. Não faz sentido aceitar produtos como leite, chouriço ou queijo. Cosmética natural, por exemplo, sim; patrocínios destinados a animais, não.

Quem são os seguidores?

40% não são vegan. Segundo a Google Analytics, registaram-se em junho mais de 100.000 visitas; cerca de 80.000 pessoas residentes em Portugal, 10.000 no Brasil e 10.000 emigrantes em Inglaterra, França, Estados Unidos, Alemanha e Suíça. Escrevo maioritariamente em português.

Porquê “Made by Choices”?

Porque são as minhas escolhas. E traduz uma fase da minha vida em que entendi que precisava de mudar o meu estilo de vida, a comida… É uma escolha diária.

Para escolher… uma pessoa precisa de ter tempo e sabedoria…

…em primeiro lugar, é preciso ter tempo para escolher a nossa comida, para ter uma vida saudável…

…quem não tem o tempo para escolher está limitado na seleção e na escolha. Come o que lhe é oferecido e não procura nem escolhe ativamente uma alimentação diferente…

… Nesse sentido concordo. Para uma mudança do estilo de vida é necessário tempo para pensar livremente e para refletir. A mudança começa em mim. Notei que a comida estava a afetar o meu corpo e a minha mente. A carne e o peixe provocavam alterações graves no meu estado de humor, alteravam o ritmo do meu corpo, a circulação sanguínea, o sistema emocional e mental.

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Quando deixou de comer carne?

Há cinco anos atrás comecei radicalmente a mudar o meu estilo de vida, mas deixei de consumir carne apenas há dois anos atrás.

Vive só da consciência ou também da barriga, dos sentimentos?

Das duas. Estamos habituados desde infância a comer carne e peixe. É um padrão normal, natural. Mas porquê? Porque nunca questionamos. Vivemos na costa, comemos sempre peixe. Não foi fácil acabar. Quanto ao leite não foi difícil para mim, nunca consumi muito leite.

Como pensa poder transformar um carnívoro num vegetariano?

Não preciso de convencer ninguém. Todos fazemos as nossas escolhas. É uma opção. Conheço muitos vegans que acham que o seu estilo é o único que está correto. Compreendo os argumentos, mas não podemos comprometer a livre escolha. Se não respeitarmos isso, torna-se complicado. As nossas próprias mudanças resultam da experiência. Se queremos fazer uma mudança na nossa vida precisamos estar abertos a novas ideias. No blogue partilhamos receitas ou divulgamos documentários sobre a “indústria da carne”. Muitas vezes as pessoas mudam a sua alimentação quando ganham consciência. Muita gente não tem ideia de como os animais são produzidos, alimentados, tratados. A produção da carne não é sustentável e é responsável por grande parte da poluição existente na Terra.

Existem também pontos positivos? A maioria das pessoas dizem que não querem viver de batata e de cenoura.

É um mito. Mostramos alternativas. Um vegetariano não come só alface e couve. Não vive apenas disso. Não é verdade. Comemos bastante bem…

… e, mais uma vez, precisamos ter tempo para cozinhar, para não comer só o fast food ou só a batata com a cenoura.

Temos as leguminosas: o grão, feijão, lentilhas, entre muitos outros. Depois temos o tofu e a soja; couves, espinafres, brócolos… Temos muita variedade. As pessoas dizem que não sacia tanto quanto a carne. É verdade. Mas podemos compensar em termos de volume.

Também temos os produtos sazonais frescos: tomates, pepinos, pimentos e courgettes. A vantagem da culinária vegetariana é a variedade e a frescura dos produtos. Uma das consequências de ser vegetariano é também conseguir controlar melhor o peso. Mas é muito importante ter vitalidade, energia e saúde. Se as pessoas pretendem continuar a comer carne e peixe, ovos e derivados, devem escolher sempre os produtos biológicos.

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Gosta de cozinhar?

Gosto, mas não gosto de estar muito tempo na cozinha. Gosto de coisas muito práticas, fáceis, cuja confeção não ultrapasse uma hora.

O que é que comeu ontem?

Bolonhesa de lentilhas castanhas com molho de tomate e cebola. Comecei com um refogado, cozi as lentilhas durante cerca de sete, oito minutos. Depois juntei o esparguete de courgette, cru. Coloquei o molho de tomate quente por cima e adicionei sementes de sésamo e nozes.

… sobremesa?

Não estou a comer sobremesas, só a fruta do dia.

Saímos agora da sua cozinha e vamos voar para as férias. O que está a fazer para diminuir a sua pegada ecológica?

Há dois anos que não saio de Portugal. O meu último vôo foi a Barcelona e antes estive no México em lua-de-mel. Gosto de Portugal, das pessoas… O português acaba por ser muito simpático, muito acolhedor e patriota. O nosso clima é um dos melhores. Temos muita sorte.

Porquê Lisboa? Não seria útil ter a sua própria horta no interior?

Nasci em Lisboa e sempre vivi aqui porque nunca tive oportunidade de sair. Mas temos esse objetivo, esse sonho. Gostava de viver numa zona calma entre o campo e o mar, de que gosto muito. O Alentejo seria um bom local. A cidade é muito anónima. No Alentejo as pessoas comunicam, trocam alimentos da horta, têm uma mentalidade diferente que eu aprecio.

O que espera do futuro?

O meu sonho é fazer o que eu gosto de fazer. Só faz sentido fazer algo com paixão. Não consigo estar num trabalho das nove às cinco, trabalhar num sistema com um patrão. Eu gosto mais de viver de espírito livre, desenvolver produtos. Gostaria de criar um chocolate vegan sem glúten. Adoro chocolate e ainda não existe um “Made in Portugal”.

Temos poucas oportunidades porque as mentalidades são velhas. É dificil falar com pessoas mais velhas. Mudar a sua vida por que motivo? Faz sentido? É complicado! A minha mãe é uma exceção. Tem 55 anos e um espírito completamente aberto. Ela adapta a mudança e a inovação. Mas muitos outros desta geração, que sempre comeram e gostam de comer carne, dizem-me que nunca vão deixar. Nós precisamos de trabalhar para a geração que está por vir. Precisamos de pensar o futuro. Sempre, sempre, sempre. Tudo o que fazemos hoje se refletirá no futuro.

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Não precisa de dinheiro para realizar sonhos?

Dinheiro é importante, mas não me motiva. Trabalho pela vontade de ajudar. O dinheiro é importante, obviamente é uma coisa que poderá ajudar a fazer crescer um projeto. Dinheiro garante mobilidade e rapidez, facilita a realização de projetos. Mas para mim “Made by Choices” é um trabalho de coração, de missão.

O que faria com um milhão de euros?

Já pensei nisso, bastante, por acaso… Uma das coisas que gostaria muito era de criar um local para formar. Existem workshops e ensino nas escolas, mas gostava muito de idealizar um sítio onde as pessoas aprendessem a cozinhar pratos vegetarianos; de dar formação sobre a alimentação saudável e a sua prática.

Investir ou gastar?

Investir um milhão. Sim.

Para fazer dois milhões ou para manter um milhão?

Não gastar, investir sim. Temos que ver…

Retorno?

Sim, claro, ajudar as pessoas.

Quando foi a Vânia Ribeiro a última vez 100% feliz?

Quando estive em Melides nas férias com o meu marido, Pedro. Foi há duas semanas atrás, no Alentejo, quando fizemos meditação numa lagoa em plena natureza. São só momentos. Não existem dias felizes, mas sim momentos felizes na minha vida. Aquela sensação de plenitude, de estar bem com a vida…

Obrigado pela conversa.

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MADE BY CHOICES
www.madebychoicesblog.com

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