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Heróis não aclamados

Se a população de Lisboa fosse dizimada em nove anos, como reagiríamos?

Todos temos conhecimento da guerra na Síria, que tem vindo a destruir o país desde 2010, vitimando cerca de 500 000 cidadãos e forçando outros milhões a abandonar as suas casas, tornando-se refugiados.

Nesta era dominada pelos media sociais de massas, podemos facilmente ficar insensíveis ao sofrimento de cidadãos que desconhecemos e que vivem em países distantes, mas na Escola Internacional de Aljezur, os professores e os pais interessam-se especialmente pelas notícias da Síria. Desde 2015, estão em contacto com Abdo Al Morie, o director do jardim de infância Alwan em Hass, Idlib. O primeiro contacto com Abdo surgiu através da algarviana “Campanha Pela Vida Algarve”, quando a a escola em Aljezur foi ponto de recolha de donativos a enviar para um campo de refugiados em Lesbos.

Abdo tem 30 anos de idade e estudou na Universidade de Aleppo. Licenciou-se em 2012, e sonhava viajar e ensinar Inglês depois dos estudos. Nessa altura já havia refugiados dentro e à volta da sua cidade, cujas crianças estavam a ser privadas de formação porque as infraestruturas locais não podiam suportar um número tão grande de alunos. Durante o primeiro ano após os estudos, Abdo lecionou a crianças em casa e nas escolas locais em regime de voluntariado, mas rapidamente tornou-se claro que era necessário mais. Portanto, juntou um pequeno grupo de professores e abriu o Jardim Infantil Alwan, em 2014. De início receberam fundos da ONG americana “Bridge of Peace Syria” e os professores trabalhavam por um valor muito baixo ou em regime de voluntariado.

O Jardim Infantil Alwan Kindergarten chegou rapidamente a acolher 150 crianças, e com o apoio dos donativos através da Escola Internacional de Aljezur, funcionou até 25 de outubro de 2016, dia em que a vila foi bombardeada por mísseis que atingiram 20 escolas na área. Centenas de homens, mulheres e crianças inocentes foram mortas, entre elas um rapaz de cinco anos do Jardim Infantil Alwan e a sua mãe que lá trabalhava.

A partir desse ponto, os pais consideraram perigoso demais os seus filhos continuarem a ir para a escola e Alwan teve que fechar temporariamente. Contudo, Abdo sabia haver uma grande necessidade para a formação das crianças no que toca aos perigos de brincar com munições que em virtude da guerra se encontram perdidas na rua, o que já resultou em feridos graves e até em mortes. Abdo e a sua equipa de voluntários iniciaram um programa de prevenção para esses riscos e viajaram por muitas localidades da região para dar essa formação a crianças e adultos.

Abdo agora é casado e pai de um belo rapaz de dois anos de idade. Em agosto deste ano, Hass, a sua vila, voltou a ser vítima de implacáveis ataques por mísseis e Abdo teve de tomar a decisão incrivelmente difícil de levar a sua jovem família para um local mais seguro.  Neste momento, estão a uma milha da fronteira turca e vivem num edifício com 25 outras famílias.

Depois dos horrores inimagináveis que testemunhou e dos muitos amigos e familiares que perdeu durante os últimos nove anos, está humildemente grato pela publicação deste artigo na ECO123.

Há gente boa em todo o lado, e Abdo é um dos milhões de heróis não aclamados deste mundo que ajudam altruisticamente os necessitados. Lembremo-nos deles quando nos queixamos das nossas próprias vidas ou quando ignoramos os que podem precisar da nossa ajuda.

Para mais informações sobre o projeto de Abdo ou para fazer doações para aos refugiados sírios por favor contacte theobald.tiger8550@gmail.com ou info@aljezur-international.org.

Feliz Ano Novo!

Theobald Tiger

traduções: Chris Young & Kersten Funck-Knupfer | fotografias: Aljezur Int School

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