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A água daqui, que falta ali…

ECO123 falou com a Administração da Região Hidrográfica do Algarve da Agência Portuguesa do Ambiente, em Faro. Há cinco serviços centrais em Portugal, os do Algarve, e os do Alentejo, Tejo, região norte e região centro. Os serviços de Faro são responsáveis pelo Algarve.

O Ministério do Ambiente tem cinco objetivos estratégicos: Aumentar o nível de proteção, recuperação e valorização dos ecossistemas; aumentar o nível de proteção de pessoas e bens face a situações de risco; melhorar o conhecimento e a informação sobre o ambiente; reforçar a participação pública e assegurar o envolvimento das instituições; garantir a excelência no desempenho das competências atribuídas. Paula Noronha, Chefe da Divisão de Planeamento e Informação, e o seu colega Paulo Cruz trabalham no departamento que analisa a qualidade e quantidade de água no subsolo.

Qual é a situação na nossa região?
Paulo Cruz: É tudo uma questão de boa gestão da água, já que temos dois tipos de seca. Temos a seca meteorológica, causada pela falta de chuva e temperaturas muito altas durante um longo período de tempo. Esta tem impactos negativos na agricultura de pequena e média dimensão, que recorre à água dos poços e furos. O segundo tipo de seca é de natureza hidrológica. Engloba os rios, as barragens, e o lençol freático. Quando o ciclo de água é interrompido pela falta de chuva, os aquíferos não se voltam a encher, e os rios secam.

E o aumento dos visitantes da região devido ao turismo? Qual o impacto que tem sobre os recursos hídricos?
Paulo Cruz: A água é repartida por três áreas, o público, a agricultura e o turismo. No passado, grande parte da água era usada na agricultura, mas isso alterou-se com a transferência da atividade económica da agricultura para o turismo.

Paula Noronha: Quando falamos em turismo, estamos a falar em campos de golfe e hotéis.

Paulo Cruz: Durante a maior parte do ano, temos meio milhão de pessoas a viver no Algarve, mas em julho a população sobre para dois milhões. Neste momento temos recursos hídricos suficientes.

Será este então um problema das regiões mais a norte, por causa dos diferentes tipos de indústria, por exemplo a indústria do papel e por causa dos fogos florestais?
Paula Noronha: Não. Por causa das licenças monitorizamos os consumos de água da indústria, das empresas agrícolas, do turismo e do público.

Paulo Cruz: Temos regras para evitar problemas. Por exemplo, não permitimos furos perto do mar, por causa da infiltração de água salgada.

Explique-nos como é que são licenciados os furos?
Paulo Cruz: É importante salientar aqui que a Constituição Portuguesa protege as águas subterrâneas. As águas subterrâneas são um recurso privado. O dono do terreno tem direitos sobre as águas subterrâneas dentro das terras que lhe pertencem. Não é assim noutros países, como por exemplo, o Reino Unido ou Alemanha. Quando um produtor pretende plantar citrinos, por exemplo, só verificamos se a extração de água irá afetar o aquífero, antes de lhe autorizar uma licença. Há situações em que um furo pode reduzir a água disponível a outras pessoas, e nessas nós não autorizamos o furo. Se tiver uma casa com uma vista magnífica, e um dia alguém constrói de forma a tapar a vista, a Lei portuguesa não protege a vista. Não podemos infringir a Lei. A distância entre dois furos tem que ser de 100 metros. Se os nossos testes indicarem que há água suficiente para um furo mais próximo, podemos emitir uma licença para uma distância menor. Trata-se de analisar o nível das águas a longo prazo. O objetivo é uma avaliação no tempo. Por exemplo, durante alguns meses pode ter mais dinheiro do que noutros, mas no geral o objetivo é ter o suficiente para gerir bem os recursos. Portanto, se num ano houver mais pluviosidade, esta volta a encher os aquíferos para haver água nos anos em que chove menos no inverno.

Há restrições quanto à quantidade de água a usar em explorações agrícolas em monocultura?
Não condicionamos o uso da água com base nas datas e na finalidade. Só se estabelecem prioridades quando há escassez de água: primeiro as pessoas, depois os animais e por fim a agricultura. Em 2005 foi necessário impor este tipo de restrição. No que toca à agricultura, as árvores têm prioridade, já que a falta de água pode comprometer a produção por muitos anos.
Tentamos fazer uma estimativa da quantidade de água que é necessária anualmente, por exemplo, para uma plantação de citrinos, e é com base nessa estimativa que podemos controlar a quantidade usada. Os grandes furos comerciais têm um contador e pagam uma taxa. Nos furos mais pequenos não temos contador, não sabemos e não conseguimos medir a quantidade de água extraída. É mais fácil gerir um furo grande do que 100 pequenos.
Usamos tecnologias modernas para medir a quantidade e qualidade de água usada por grandes empresas. O mesmo não se passa com as quintas tradicionais, que continuam a cultivar da mesma forma que os seus avós.
Claro que os aspetos mais importantes da vida são culturais. As batatas e o que plantava a minha avó é importante. Agora temos uma economia diferente. Aquaparks, campos de golfe e jardins nas zonas turísticas fazem parte dessa economia. De momento é importante registar que temos recursos suficientes. Os campos de golfe novos têm agora a obrigação de reciclar a água.

E qual é a situação no Alentejo, onde temos muita agricultura?
A situação dos recursos hídricos no Alentejo é muito diferente da do Algarve. Em particular a região do Sado só tem algumas poucas barragens, e estas estão quase vazias. A atividade económica do Alentejo baseia-se na agricultura e é muito exigente quanto aos recursos hídricos. Temos alguma resiliência, por causa da grande barragem do Alqueva, que anteriormente não existia. Nos dez últimos anos houve alguma perda de área, e os agricultores que perderam terras com a barragem receberam alguma compensação. A maior parte dos agricultores da região agora tem mais água disponível no verão do que tinha antes da construção da barragem. Os agricultores agora podem receber 100 litros de água por segundo, graças à barragem. Não há comparação possível com a situação de há 50 anos atrás. Portugal agora está sujeito às decisões da política europeia. Não temos grandes indústrias. O turismo é a atividade económica mais importante, especialmente em Lisboa, no Algarve e no Porto.

Nos últimos anos, muitos empreendimentos agrícolas passaram a cultivar em estufas plásticas. Em alguns locais há grandes túneis de plástico para cultivar framboesas e mirtilos. Qual é o impacto sobre os recursos hídricos?
As estufas necessitam de menos água do que a agricultura tradicional. Sabemos que há algumas pessoas a sofrer com as consequências, mas não temos solução possível. Algumas dessas pessoas foram para tribunal para tentar resolver conflitos pela água. Os tribunais, e até o Supremo Tribunal de Justiça, estão a decidir que só por alguém ter estado lá primeiro, tendo muita água disponível, isso não significa que tenha o direito a continuar a ter água na sua nora ou no seu poço.

E as alterações climáticas?
Se a temperatura subir durante períodos longos, devido às alterações climáticas, a situação em Portugal pode vir a agravar-se. Cabe-nos a nós encontrar soluções.

E quais são as iniciativas em escolas, junto da comunidade e dos turistas, para criar mais consciencialização sobre a água como um recurso limitado? Há algumas medidas em curso que informem as pessoas sobre a necessidade de poupar água?
Paula Noronha:
Sim, temos alguns projetos em curso e divulgamos informação pela rádio. Encontrará informação sobre as medidas no nosso website. Cabe às câmaras municipais informar os turistas. Nas escolas, neste momento, temos uma ação que está a analisar a qualidade da água disponível para a vida selvagem.

Como podem as pessoas participar nos processos e nas tomadas de decisão, fazendo valer a sua opinião?
Paulo Cruz: As pessoas podem escrever para a Apambiente. Mas há muito pouco que possa ser feito, já que o planeamento depende das orientações económicas globais, e este tipo de alterações não estão só a acontecer em Portugal.
Nos últimos 40 anos temos beneficiado da pesca e do crescimento no turismo. A nossa missão é analisar e determinar o que tem que ser feito com base em critérios científicos.

Obrigado.

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