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Reencontrar o que julgávamos perdido – uma tentativa

Nº 67 – Cogumelos na floresta
Reencontrar o que julgávamos perdido – uma tentativa

Enquanto dormia, sonhei que acordava mas tudo à minha volta permanecia na escuridão. Teria acedido ao mundo dos cegos ou entrado num espaço do universo completamente privado de luz, onde nem as estrelas brilhavam? No sonho, tinha perdido na floresta algo precioso, e procurava-o. Não sabia ao certo o que era. Sentia vida por toda a parte, apesar de não a conseguir ver. Comecei então a duvidar de mim. O que acontece quando alguém está num lugar público, sem ver nada, no escuro, mas existe vida à sua volta? Como iria conseguir orientar-me entre tantas árvores? Ali estava, noite escura, sem relógio ou smartphone, parado. Como superar o medo? – pensei – Como voltar a ter autoconfiança? Nesse momento acordei. Era dia.

A caminhada começa ao raiar do dia com uma subida à montanha. Os telemóveis são desligados. Entramos na floresta. Deixamos de ver o Sol. Apenas um raio ou outro penetra a densa copa das árvores. Seguimos fora de estrada e fora de caminho, pela floresta, entre musgos e troncos caídos. Deixamos o caminho e somos engolidos pela floresta. Caminhamos devagar, cuidadosamente, alerta, com a audição e o olfato aguçados, a sentir o solo da floresta, macio e húmido. Carlos pede ao pequeno grupo desta caminhada para ativar os sentidos, fechar os olhos e sentir, para se poder orientar. Sentamo-nos, ajoelhamo-nos, sentimos a calma. Apreciamos o silêncio. Quase não falamos e, quando o fazemos, sussurramos. O objetivo é detetar os aromas no ar, já que a presença dos cogumelos pode ser cheirada e sentida. Estamos na presença de sobreiros, pinheiros, medronheiros, algumas ericas e outros arbustos e flores bravas. Esta é uma floresta selvagem, nunca foi cortada, cresceu livremente. Um resquício natural, húmido, escapado aos incêndios dos últimos anos. Ela alberga vida selvagem, absorve o ruído da civilização, especialmente o dos motores, e dá espaço ao canto dos pássaros.

Mergulhamos num meio desconhecido. Fazemos parte dele, sem o dominar. Sentimos o tronco de uma árvore para intuirmos o caminho. Criamos laços com a floresta. Abraço o carvalho-de-Monchique. Mas onde estou? Depois de algum tempo, todos se querem entregar ao desconhecido, ao “ser primitivo”, ao encontro de um lugar em que a orientação depende apenas de nós mesmos e não da navegação por satélite. O que fazer quando não sabemos onde estamos? Giro em torno de mim. Noto um ligeiro desnível. É assim que redescubro a orientação primordial, o caminho à procura de cogumelos. Dois caminhantes formam uma equipa nesta viagem entre dois mundos. O que vejo, o que sinto, que plantas e árvores encontro? Pergunto-o à minha parceira. Já não sei do Carlos. Terá encontrado cantarelos? Vejo um cicuta-verde. É belo, mas também é muito venenoso. Mesmo as plantas que não conhecemos ensinam-nos muito sobre o que é um biótopo. E ali ao lado, encontro um cogumelo parasol. Mais adiante, um amanita caesarea. Por que razão estará a crescer ao lado de um pinheiro? Queremos compreender a flora e a fauna, as relações e as razões, aguçar os sentidos e ver o que significa diversidade.

Participar numa caminhada com o Carlos é uma oportunidade para absorver conhecimentos ancestrais e importantes. O tempo deixa de ter importância. Identificamos os cogumelos e ficamos a saber qual a sua função na floresta, de que se alimentam e como beneficiam o Homem. Sabemos que só há cogumelos quando chove bem e, depois com o Sol, o clima beneficiou o seu crescimento. Não iremos colher os cogumelos. A ECO123 irá organizar duas caminhadas nas datas 29 e 30 de dezembro de 2020, com início às 9 horas da manhã. O ponto de encontro é a rotunda “Pé da Cruz”, em Monchique. Limitado a dez participantes, com inscrição prévia.

 

+info:

www.eco123.info

email: assinatura@eco123.info
Tel.: 926 600 009

Uwe Heitkamp (60)

jornalista de televisão formado, autor de livros e botânico por hobby, pai de dois filhos adultos, conhece Portugal há 30 anos, fundador da ECO123.
Traduções: : Fernando Medronho & Kathleen Becker | fotografias: Dpa

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