A Europa precisa de um projeto

Entrevista com Dr. Per Espen Stoknes, autor de “What We Think About – When We Try Not To Think About – Global Warming”

É uma quinta-feira solarenga  em Oslo, com 32º de temperatura.  A ECO123 encontra-se com  o Dr. Per Espen Stoknes frente ao  Parlamento norueguês. Ele não  é somente psicólogo, também  é economista e co-fundador  da Norwegian Business School,  especializada em crescimento  verde. Para o visitar, Uwe Heitkamp  viajou de Portugal até à Noruega  de comboio (de forma a garantir  uma pegada ecológica reduzida).  Pretendem falar sobre o ar  e o clima, e, sobretudo, sobre  o livro de Dr. Per Espen Stoknes,  que se tornou um bestseller.

 

Conte-me algo sobre si.

Sou uma pessoa que gosta das montanhas,  acabei de voltar de uma caminhada de uma  semana nas grandes montanhas do Oeste  da Noruega. Fomos abencoados com ar  puro e com a agua pura dos glaciares. E  verdade que eles estao a derreter demasiado  rapidamente, mas mesmo assim tudo era  puro e estivemos na companhia de outros  amigos caminhantes. Portanto agora estou  descansado, de volta ao que tem sido o meu  posto de trabalho nos ultimos sete meses, o  Parlamento. Porem, sempre tive sentimentos  ambiguos perante a politica, e ainda tenho, e  neste momento estou contente por me retirar  uns tempos no ano que vem para completar  o meu novo livro sobre a economia verde,  tema que tambem leciono na Norwegian  Business School. Dirijo, nessa universidade,  um mestrado em economia verde, e trabalho  alternadamente na pesquisa academica,  escrita, como empreendedor e como ativista  politico, ou de outra forma. Sao essas que  tem sido – por assim dizer – as estacoes por  onde passei na minha vida. Sou uma pessoa  irrequieta. Pelo menos e o que penso, gosto  de fazer experiencias, experimentar coisas  diferentes, mas ha um fio condutor que  volta sempre a transparecer no que quer que  faca, e esse esta ligado – acho – a psicologia  da nossa relacao com a terra: tema do livro  sobre o pensamento, a inovacao, a forma de  vida, a tecnologia e as oportunidades, e que  tambem inclui algumas antologias de caracter  economico e cultural.

Tem cinquenta anos de idade?

Vou fazer cinquenta e um este ano.

E estudou as duas áreas, a psicologia e  a economia …

Sim, comecei por ficar profundamente fascinado  por Carl Jung* e a psicologia do arquetipo,  e acabei por me formar psicologo, com  certificado. Depois, trabalhei em estrategia  das organizacoes, dando consultadoria em  situacoes especificas e futurologia, com a  finalidade de introduzir as questoes ambientais  e climaticas no discurso politico e economico.  E tive que reconhecer que nao entendia por  que razao os economistas escolhem ver e  falar sobre o mundo da forma como faziam,  porque para mim, essa forma parecia-me doida  e patologica. Por isso decidi que tinha que  aprender a compreender o mundo do ponto  de vista da economia, e fi-lo escrevendo um  livro e fazendo uma pos-graduacao sobre  metaforas economicas, ou as imagens segundo  as quais se conduz o pensamento economicista.  Portanto, sou tanto economista como  psicologo e tenho experiencia em ambas as  areas, bem como a tendencia para estudar  os temas onde essas duas areas se tocam,  juntando-as, sempre com o objetivo de servir  o planeta Terra.

Não há muitos psicanalistas  e economistas assim no mundo.  Portanto, está bastante sozinho a fazer  esse trabalho, certo?

(Risos) Estou bastante sozinho, mas nao sou  o unico, felizmente. Ha convergencia entre as  duas disciplinas, portanto temos psicologos  que estao a fazer muitos estudos sobre o  comportamento na economia. E a chamada  psicologia economica. Por outro lado, ha economistas  que vao ao encontro da psicologia, e  fundaram uma area a que se chama economia  comportamental. E um nome sonante nessa  area, por assim dizer, a resposta da psicologia as  teorias economicas de John Maynard Keynes,  e Daniel Kahneman, que tambem recebeu o  Premio Nobel da Economia pelos seus estudos  em economia comportamental.

Portanto, se eu for ter consigo como  paciente, com dissonância cognitiva  – doente por causa do aquecimento  global – como me ajudaria?

Bem, nos os psicologos, por regra nao impomos  uma solucao aos pacientes, agindo, em  vez disso, como parceiros na procura de  uma solucao, gerada pelo proprio paciente.  Por isso, eu nao o iria tentar mudar, mas  sim sentar-me consigo para explorar essa  dissonancia, a forma como se manifesta na  sua vida. Que imagens e que provoca? Que  emocoes? E que comportamentos despoleta?  Que atitudes altera e como muda a sua vida?  Como e que ela se exprime? E, depois de a termos explorado em empatia, sem julgamento,  sem dizer que a dissonancia e algo de  errado e de que se tem que livrar, so depois  disso, a psicologia profunda iria trabalha-la  como um sintoma, e talvez nesse sintoma  encontrar a motivacao para experimentar  algo diferente.

Como ingiro carne agravo o  aquecimento global. Hoje de manhã  havia salsicha no buffet do hotel.  Escolhi o queijo de cabra para o meu  pequeno-almoço (risos). Será que foi  uma boa decisão?

Nao lhe sei dizer se foi uma boa decisao ou  nao, mas parece ter sido a que, de alguma  forma, tem a menor pegada ecologica para  essa refeicao. Mas eu tenho tentado ajudar as  pessoas a explorar os prazeres da vida. Se nao  escolher a salsicha tiver um “custo psicologico”  para si que provoque tensoes emocionais, que  contaminem relacoes humanas e talvez o facam  sentir zangado ou invejoso, cheio de rancor  perante as pessoas que comem salsichas, entao  o custo social para rejeitar a salsicha talvez  seja maior do que o lado economicamente  positivo da pegada ambiental por ter escolhido  o queijo de cabra.

Portanto, estou a perder a salsicha, mas  ganho o queijo de cabra.

Depende. Teria de perguntar-lhe como se  sentiu quando rejeitou a salsicha esta manha.

… responderia que me escapa algo de que gosto, porque cresci a comer salsicha.

Sim.

Faz parte da tradição para nós, os  alemães.

Bem sei.

Estava a olhar para ela. Imaginei o  seu sabor e fiquei com água na boca,  e depois pensei: “oh, pobre animal”.  Por isso não fiz o que a imaginação  pedia. Tentei racionalmente seguir  um caminho diferente. Mas esse  pensamento teima em voltar. E volto  sempre a questionar o mesmo. Por isso  também tentei tornar–me vegetariano,  por pensar que é importante  mudarmos a nossa atitude em vez de  apontarmos o dedo aos outros, dizendo  que “é necessária uma mudança”.  Mas não, por vezes penso que tenho  que ser diferente, outras vezes já não  penso assim. Acho que se trata de um  processo.

Sim.

Foi esse o meu plano esta manhã,  mudar de vida.

E quando sentiu a agua na boca pela vontade  de comer a salsicha, essa vontade tinha o sabor  doce do desejo de comer, ou amargo, por  racionalmente haver uma censura?

O sabor realmente voltou quando  pensei nisso há 30 minutos, e sim, tinha  algo de amargo. Posso confirmar que  era um pouco como um café amargo.

O mais estranho, sabe, e como nos relacionamos  com os nossos sacrificios. Quando e que esse  sacrificio e um constrangimento? E quando e  que o sacrificio parece leva-lo numa corrente  maior e sustentavel? E ambas as coisas existem  em simultaneo dentro de nos, sabe?

Escreve no seu livro que temos que  ganhar algo quando pensamos nas  alterações climáticas, em vez de estar  sempre a pensar nas perdas. Mas neste  momento só se lê, ouve e vê, todos os  dias, o que não se deve fazer. 

Exatamente.

O que devemos fazer menos e  de forma diferente, ou seja, que  objetivos devemos cumprir e que  comportamentos evitar?

Hummm…

… Porque ainda temos a liberdade de  escolher se queremos, ou não, parar  de poluir o ar do nosso planeta. Temos  a oportunidade de fazer algo ou evitar  fazê-lo. Podemos começar a qualquer  momento. Podemos pôr o lixo no  contentor, de onde este segue para o  aterro. Podemos começar por evitar o  lixo. Também podemos conduzir carros  e voar de avião, poluindo o ar com  CO2. Conduzir é divertido e confortável.  Mas, ao mesmo tempo, agravamos o  aquecimento global. Portanto, acha  que necessitamos de novas regras, de  leis diferentes, ou que nos chega o que  temos atualmente?

Nao, necessitamos imperativamente de novas  regras e de novas estruturas que facilitem as  pessoas, individualmente, a escolha de comportamentos  amigos do ambiente.

Por exemplo?

Bem, por exemplo os carros. Se for mais  barato e mais facil usar transportes publicos  eletricos do que o carro, acaba por ser mais  conveniente usa-los. Acabara por haver menos  transito e as viagens durariam menos tempo,  seriam mais rapidas. Por exemplo, eu tenho  uma bicicleta eletrica. Poderia ter mencionado  logo o meu carro, que, diga-se de passagem,  tambem e eletrico (risos), mas mesmo assim  prefiro a minha bicicleta eletrica, porque e mais  conveniente, mais simples. Faz-me sentir livre.  Desloco-me livremente, ao ar, o que faz dessa  escolha, amiga do ambiente, um prazer. Isto e  algo que tem que ser trabalhado em conjunto.  Foi por isso que eu entrei na politica – com  o objetivo de simplificar gestos como o de  evitar o plastico e nao deitar fora embalagens  descartaveis. Por isso deveriamos preferir cestos  de compras, embalagens biodegradaveis, sacos  de papel ou o que quer que seja, e nao usar  plasticos feitos de combustiveis fosseis. Tem  que se tornar a escolha mais barata e simples.

Como podemos então reconfigurar a  nossa sociedade para que se torne  mais amiga do clima?

Isso e uma tarefa politica. Conforme falamos  anteriormente, e importante trabalhar para  mudar as nossas atitudes, para que estejamos  abertos a nossa propria mudanca. Nao se trata  so da sociedade. E, por vezes, infelizmente,  acabamos por competir uns com os outros.  Eu diria que nos tornamos opositores num  determinado discurso. Se diz que tem que  ajustar a sua vida, talvez outro ativista diga que  a acao individual nao ajuda. Sao necessarias  acoes coletivas. E por isso algumas pessoas  consideram que nao interessa quanto se voa  ou quanto se consome, porque isso e algo  que tem que ser resolvido a nivel estrutural.  Portanto, essas pessoas nem tentam alterar  nada individualmente. Eu, pessoalmente, sendo  psicologo e pensando nos sistemas sociais,  dedico-me a pesquisa, e tenho curiosidade em  descobrir como esses dois (ou mesmo mais)  niveis se podem reforcar um ao outro. Como  podemos fazer com que acoes individuais se  agreguem e, com isso, dar forca as empresas,  cidades e politicos de todo o pais, em vez de os  prejudicar? Porque e essa a situacao com que  tem que lidar os meus amigos na politica hoje  em dia (aponta com o dedo para o Parlamento).  Eles sabem o que devem fazer. Sabem que  devem subir o preco do carbono. Que deveriam  investir mais nos transportes publicos, proibir  o plastico descartavel. Mas tem medo de nao  ser reeleitos. Por isso, o meu livro, o meu projeto, procura abordar esta questao: Como podemos cuidar do ar e cuidar da terra, tendo as  leis que queremos ter? Sabendo isso, podemos  criar uma onda de apoio aos politicos, para  que eles encontrem apoio e nao sejam retirados  dos cargos quando fazem o que sabem  que devem fazer. Para nao haver aquilo a que  chamo no meu livro de armadilha da governação  (The Governance Trap). Esses politicos estao  a espera que as pessoas lhes deem o apoio  para medidas mais ambiciosas de protecao ao  clima, enquanto as pessoas estao a espera que  os politicos lhes ajudem a tornar as suas vidas  mais amigas do clima ou a tomar as decisoes  certas. Esperam lideranca. Portanto, esperam  lideranca por parte dos politicos, e os politicos  esperam o apoio das pessoas, e e aqui que tudo  fica encalhado. E uma questao como a do ovo  e da galinha, um ciclo vicioso, e nos estamos  a tentar quebra-lo.

É membro do Parlamento.

Fui o unico membro do partido Os Verdes,  em substituicao da minha colega, que esteve  de licenca de parto.

O único?

Nesta legislatura, sim. Estivemos a 20.000  votos de ter sete deputados, porque, como  sabe, ha uma barreira dos 4% para os votos.  Acima dos 4% recebe-se muita percentagem  extra, entrando no mecanismo de distribuicao.  Assim, teriamos sido o partido que estaria na  posicao de escolher se a Esquerda ou a Direita  assumiria a governacao, o que se chama de  “king-makers” (fazedores do rei). Estivemos  perto, mas nao chegou. Se 20.000 pessoas  tivessem sido da opiniao de que ser amigo,  cuidar do meio ambiente, e o mais importante  para elas, poderiamos, neste momento, estar  no Governo.

Como pode alguém lidar com a sua  dissonância cognitiva?

Em primeiro lugar, tento nao culpar ninguem  por ser assim. Tento reconhecer os beneficios  que a modernidade nos deu. Nao forco as  pessoas a regressar a pobreza.

O que quer dizer com “pobreza”?  É uma questão importante porque  pode ter a sua própria produção  de energia elétrica no telhado e  comprar um carro elétrico em vez de  um a gasolina. O carro usaria então  a energia dos painéis solares. Para o  economista seria uma satisfação por  praticamente não haver mais custos  em combustíveis. Para o psicólogo  significaria a felicidade de poder  conduzir gratuitamente. Fica a questão  da salsicha por resolver!

Obrigado por mencionar isso, Uwe! E mesmo  essa a mensagem. Perante isso, como combater  o aquecimento global na Noruega, em Portugal,  ou em toda a parte? Reconhecemos que o  petroleo tem sido bom para a Noruega, e que  temos beneficiado muito por isso. Mas agora chega. Podemos explorar os campos que ja  temos e deixar de parte os restantes. Depois,  podemos despedir-nos da bencao que tem  sido o petroleo para a Noruega. Mas o que as  pessoas entendem, nesse caso, e: “Oh, ele quer  fazer de nós novamente um país pobre. Está a  destruir postos de trabalho. Ele vai dar cabo da  nossa economia …”

   É isso que dizem sobre a sua atividade  no Parlamento?

Sim, e esse o sentimento que tentam provocar  com essas “imagens”. E como tento substituir  essas imagens de pobreza e perda de emprego,  sem carros, e de uma economia a ser destruida,  por outras como essa que me acabou de descrever?  Com transporte gratuito providenciado  pelo nosso Sol, sentindo-me bem por isso,  sabendo que estamos a cuidar do ar enquanto  viajamos de carro, gratuitamente. E sao essas  as imagens que tem que ser vistas, e sobre as  quais se tem que escrever, falar, fazendo com  que as pessoas consigam imaginar esse cenario.  Quando tivermos pessoas suficientes a fazer  isso sera mais facil, porque neste momento  parecem incapazes de imaginar uma vida  sem petroleo.

Da mesma forma que não conseguem  imaginar uma vida sem álcool?

Sim. Ou conseguem pensar nisso, mas depois…

… talvez só com um pouco de álcool?

Exatamente! (risos) Um pouco de petroleo e  talvez um pouco de salsicha.

Sim, exatamente!

 E quando tens essa salsicha…

… vais querer sempre mais…

 Nao, nao, nao. Vais saborear, mastigar, e talvez  notar a preciosidade que e o seu sabor, a sua  gordura e o molho salgado misturando-se com  a agua na boca, levando todo corpo a saborear  tambem. Que salsicha maravilhosa!

Mudemos de tema. No seu livro diz “não haver uma solução simples para  resolver o aquecimento global.”

Sim. Comecamos por onde?

Merkel, Juncker, Macron e António  Costa vão de bicicleta para a próxima  conferência sobre o clima?

Nao existe uma solucao unica e simples.  Precisamos de mudar o sistema.

 E onde começamos essa mudança?  Qual seria o primeiro passo?

Deixe-me indicar cinco passos. Primeiro de  tudo: temos que dobrar o crescimento em  energias renovaveis para que toda a energia  nova necessaria a sociedade provenha de fontes  renovaveis. Depois, em segundo lugar, transitar todos os transportes de energias fosseis para  eletricidade, para fontes renovaveis. Em terceiro,  aumentar a eficiencia na industria. Tem que se  redesenhar processos de producao, que geram  desperdicio, para que quando haja necessidade  de calor, exista isolamento para o preservar.  Idem no caso dos edificios, para que todos os  equipamentos de aquecimento e refrigeracao  sejam a eletricidade e ja nao necessitem de  ser alimentados por combustiveis fosseis.  Em vez de usar diretamente a eletricidade  para o aquecimento e a refrigeracao e melhor  instalar sistemas inteligentes com bombas  de calor. Dessa forma obtem-se cinco a dez  vezes mais energia por kilowatt/hora do que  aquecendo tudo diretamente; para alem de  melhor isolamento.  Quarto, desenvolver e implementar uma gestao  inteligente dos recursos nas cadeias alimentares:  grande parte do desperdicio alimentar esta  ligado aos combustiveis fosseis por causa dos  fertilizantes; comecarmos a melhorar o fluxo de  agua e nutricional em toda a cadeia alimentar.  Necessitamos, anualmente, no minimo, de  um por cento de melhoria na eficiencia ate  2050, comecando agora. Nao mais que isso.  E perfeitamente fazivel. E a quinta mudanca  implica transitar completamente para uma  economia circular, reciclando tudo o que  passa pelos nossos sistemas de producao. Nao  haver mais lixo.  Essas cinco mudancas levar-nos-iam a criar  uma economia florescente, dentro dos limites  do nosso planeta, com ar e agua puros, e um ecossistema possivel de gerir. E e sobre isso  o livro que estou a escrever agora. Como  podemos impulsionar esses cinco passos, estas  cinco solucoes estrategicas, que consideramos  suficientes? Sabemos o que temos que fazer.  Sabemos que e urgente. Sabemos que cada vez  mais estas solucoes sao financeiramente viaveis,  mas continua a haver resistencia a mudanca.  Todas estas areas tem interesses e modelos  antigos, e os seus apoiantes tem incentivos que  jogam contra nos. Mas sabemos que e viavel  e que ha um potencial para essa viabilidade  nos cinco casos.

A resposta já estará no ar?

Obrigado. Todo o conceito de clima assenta na  medicao de padroes meteorologicos durante  um longo periodo de tempo. Esta descrito em  numeros, Celcius, temperatura, humidade, concentracoes  de CO2. Portanto, quando falamos  sobre o clima, temos dificuldade em que o corpo  participe, porque tudo e muito cerebral, muito  matematico. E invisivel, nao existe no tempo.  Nao se consegue tocar. Os cientistas dizem que  nao se sente o clima e tudo isto faz com que  seja dificil a existencia de uma relacao, para o  corpo e para as pessoas em geral. Por isso, uma  parte do meu trabalho (em particular aquele que  nao e empirico, psicologico ou de ativista na  Natureza) prende-se com a investigacao do clima  a um nivel mais existencial. Como podemos  sentir o clima, como podemos relacionar-nos  com ele a um nivel profundo e convincente?  Porque, se temos que lidar com o clima, isso ira ser um assunto para toda a vida. Nao podemos  reparar o clima na semana que vem e depois  dedicar-nos a outra coisa qualquer. E algo que ira  estar sempre connosco. Ate pode haver muitas  pessoas que se tornem ativistas para o clima,  mas ficarao completamente desgastadas, e tudo  o que sobrar vao ser cinzas, como depois de um  incendio. Vao ter de recuperar, regenerar-se e  encontrar caminhos novos. E por isso que, em  conjunto com outros eco filosofos, quero por  o assunto novamente em cima da mesa: sentir  o ar, ser nutrido pelo ar, relacionar-me com o  ar, falar do ar de uma forma especial, de uma  forma diferente, uma forma que e mais respeitadora  daquilo que o ar significa e que o ar faz.  Porque, se por um lado temos o clima e as suas  abstracoes, por outro temos o reducionismo  cientifico. Podemos dizer que o ar e composto  por 21% de oxigenio, 78% de nitrogenio, menos  de um por cento de argonio … e somente 0.04%  sao CO2, metano e helio. Portanto, e so uma  mistura passiva de moleculas atomicas a que as  pessoas nem sequer dao muito valor.

Todos nós conhecemos a temperatura  do corpo e como se altera quando  temos febre. Sabe como é ter o corpo a  quarenta graus? É ter febre e saber que  se está doente.

Sim.

Será esse o nosso futuro na Terra?

Penso que essa e uma forma muito boa para  comecar a abordar esta questao, por relacionar o ar e o clima com o corpo humano. No caso  das alteracoes climaticas, talvez uma alteracao  de um grau centigrado por seculo nao pareca  muito, mas quando se fala numa alteracao de  um grau no caso de uma febre, de repente  surge mais compreensao. O elemento Ar e  muito especial para nos, humanos. Nascemos  para dentro do ar, e achamos normal. E simplesmente  o pano de fundo invisivel do nosso  dia-a-dia e raramente falamos nisso, apesar  de se dizer, por vezes: ‘oh, que bom que o ar  esta hoje, que bem que cheira’. Ou, de manha,  comentamos a frescura do ar ou quando falamos  do vento …

… ou da humidade?

 A humidade do ar … Mas, mesmo assim, nao  deixa de ser uma coisa exterior a nos. Aqui estou  eu, e ali o que me rodeia. Ali estao o ar e a  atmosfera, as moleculas, algures ali, e, claro, com  os movimentos modernos ligados a meditacao,  um numero crescente de pessoas presta atencao  a sua respiracao, a dualidade artificial entre o  ar la fora e o eu aqui, que e quebrada quando  pensamos sobre a respiracao. E quanto mais  o fazemos – quanto mais pensamos na respiracao  – mais nos apercebemos de que aquela  senhora acola nos esta a afetar com o fumo do  seu cigarro. E mais nos apercebemos de que  e um misterio a forma como o ar nos liga ao  mundo, e por ele comunicamos, a forma como  o ar nos abre o mundo a qualquer instante.  E e bastante tangivel, aqui e agora, tornando  todas as sensacoes possiveis. Transporta os bafos de fumo e cheiros, as ondas – ondas de  musica e a minha voz neste momento. E assim  que a minha voz, os meus movimentos de ar  interior, sao, de alguma forma, transmitidos aos  movimentos que acontecem ca fora, tocados  pelas pequenas correntes no ar, seguindo o seu  caminho ate ao ar em geral, e ate essa coisa  preta pequena aqui (o microfone), alterando  a sua estrutura interior. E o que torna tudo  isso possivel e, na realidade, o ar, ligando-me  a si, ligando-nos ao que os outros cidadaos  de Oslo estao a fazer, ao que as pessoas no  mundo estao a fazer, ligando-nos a todos de  uma forma muito direta, tangivel e sensual.  E esse trabalho impulsiona a minha visao do  mundo, como se diria na fenomenologia. O  melhor mapa para a minha vida seria algo  abstrato, mas a minha percecao do mundo  e o mundo em que eu me encontro. Nao se  trata, portanto, do mundo la fora e de mim ca  dentro, trata-se da forma como eu me realizo  no mundo. Estar no mundo significa estar no  Ar, porque e ali que estamos desde sempre,  usando-o para transformar o mundo para  nos proprios, juntando tudo e construindo o  mundo. E so temos dez quilometros dele sobre  nos. E isso. A camada de ar e incrivelmente  fina. Conforme exemplifiquei no meu TED  talk: se compararmos o tamanho da Terra  com o universo, claro que o ar sobre a Terra  representa uma camada muito mais fina do que  a casca de uma maca em comparacao com a  maca. E so um filme finissimo, mas e tao ativo  e esta tao cheio de informacao, tao cheio de ligacoes. Torna todas as redes possiveis – todas  as conversas, todos os programas de radio, os  sons e os cheiros. E transporta todas estas  coisas ao mesmo tempo. Funciona todos os  dias sem que demos por isso e sem que lhe  estejamos gratos.

Não somos independentes do clima.

 Bem, gosto de representar o clima com o ar  tornado ser vivo. Esta camada de ar e como  um cerebro aumentado, uma consciencia  aumentada. O que e o meu cerebro? Bom, algo  relacionado com o meu cerebro. Sabemos disso,  mas como posso ter a certeza das fronteiras  do meu cerebro? Ou nao sera o cerebro uma  forma de participar no conhecimento do ar,  na consciencia do ar? E, quando caminho  numa floresta ou entro numa cidade com os  seus edificios, por vezes consigo inverter as  coisas, sentindo-me a caminhar dentro de um  cerebro de maiores dimensoes, onde todos os  sinais, sim, os sinais internos, estao dentro de  mim. E ainda ha talvez muito mais sinais a  serem transmitidos e transformados pelo ar a  todo o instante.

Portanto, quando entro numa  floresta, gosto de sentir que estou a caminhar  dentro desse cerebro florestal. Imaginar como  as arvores falam umas com as outras, e mudam  a conversa do ar, a forma como se move e  como soa. Em conjunto com todos os outros  habitantes do ar, e com a sua consciencia, e uma  entidade viva onde sou tolerado a participar  no momento que passo e respiro.  E mais. Nao sei se isto interessa a ECO123,  acho que nao e nada de novo, mas e (diremos)  uma forma ancestral mas refrescante de alguem  se consciencializar sobre o ar como um cocriador  ativo da sua vida, da minha vida, da vida  de todos. E uma necessidade condicionante de  tudo, para ter uma vida boa, para ser positivo,  construtivo, criativo. Tambem para combater  os problemas do clima, porque nao faz sentido  passar por todas estas lutas parlamentares e  de negocios e incendios e o que quer que seja,  se nao se tem este relacionamento nutritivo  com o ar. Mesmo que seja so por mim, faco-o.  Eu sei que sou narcisista, mas quero sentir  o ar funcionar atraves de mim, curando-se,  mantendo a vida completa e boa, como o tem  feito durante os ultimos, digamos, quatro mil  milhoes de anos. Nao sabemos exatamente  quando e que as primeiras coisas monocelulares  surgiram e comecaram a modificar o ar, mas  e desde essa altura que o ar tem cuidado de si  proprio. E e inacreditavel que seja exatamente  esse estado do ar – com essa proporcao de  diferentes percentagens – que nos da, ou da  a Terra, a possibilidade de ter vida.  Sera mesmo coincidencia? Eu sei, e dificil de  acreditar que nenhum outro planeta tenha  exatamente as mesmas condicoes. Como  pode ser possivel? Se houvesse vida em  Marte, ver-se-ia. Haveria tracos das moleculas  que interagem com a vida. De alguma  forma, o ar de Marte estaria nutrido e teria  tambem influenciado a vida, assim como ca  na Terra. Porque a Terra e o unico planeta  que tem uma composicao do ar instavel, o que significa que temos ca atividade.  Passa-se algo. Conseguimos ver, sentir no  ar que ha vida.

E assim a sensacao de um  ar com vida. E esta a forma como a Terra  cuida das arvores, como o ar me envolve,  como segura o meu corpo agora mesmo com  a pressao exata necessaria … Sem esse ar que  me segura, explodiria. Portanto, so consigo  existir porque o ar segura o meu cabelo, a  minha pele e os meus olhos nos seus lugares,  dando-me a cada segundo o que necessito  para continuar. Sou um ser do ar, e isto nao  sou so eu a defender a minha necessidade  em salvar o clima, salvar o planeta; faco  mesmo parte deste ser vivo que respira e toma  conta de si. E estar em sintonia com esse ser  maior da-me uma enorme motivacao e uma  profunda sensacao de satisfacao, felicidade  e alegria. Como numa festa para celebrar a  vida do ar. Eu sei que existe sofrimento, sei  que ha dor no mundo, claro, mas ha esta  coisa – o ar – que perdura sempre, sempre  exibindo a sua magia, compreende? E, por  falar nisso, o misterio da vida do ar e algo  que nao e de outro mundo, mas que e muito  concreto, fisico. Penso que esta e a chave para  os que se empenham no movimento pelo  clima, para ajuda-los a evitar que continuem  a poluir o ar.

Obrigado.

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