Imaginemos o seguinte: um quilo de chouriça tradicional de carne de porco preto – que custa hoje à volta de 17 euros, poderá ser adquirido futuramente por um preço de 1,99€ num qualquer supermercado – mas com carne do porco geneticamente modificado e processada nos Estados Unidos. O nosso futuro frango com “piri piri” será do Kentucky e custará 99 cêntimos. Imaginemos também que o nosso pão, manteiga, leite, queijo, azeite, batatas, massa e arroz, entre outros produtos (tudo o que precisamos para ter uma vida boa), serão comprados numa loja chinesa ou americana por um preço muito mais baixo… Imaginemos comer alimentos totalmente produzidos e processados fora de Portugal. Esta ficção talvez se torne realidade se a UE avançar com um acordo denominado TTIP (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, ou, no original inglês, Transatlantic Trade and Investment Partnership).
A fábrica ‘Sitio da Serra de Monchique’, na Picota, dedica-se inteiramente à produção de enchidos e presuntos de porco preto. A produção dos enchidos é feita de forma artesanal, desde a criação de porcos à fase da engorda e, por fim, o matadouro, onde mais tarde as carnes são devidamente cuidadas para serem transformadas em produtos para consumo.
Idália Duarte e António Sequeira Duarte são os proprietários da fábrica de enchidos ‘Sítio da Serra de Monchique’. A produção do porco sempre foi um meio de negócio desta família, onde, segundo Idália, os seus pais “começaram o negócio para vender em pequenas quantidades na mercearia e eu fiquei logo com o bichinho”.
O saber familiar, passado de geração em geração, permitiu a Idália Duarte criar, há mais de 10 anos, uma empresa de enchidos. Nesta começou por “criar porcos para consumo próprio”, e depois “comecei a abatê-los para fazer a feira, mais tarde arranjei uma quantidade maior e comecei a produzí-los para transformação numa fábrica”.
Esta empresa conta atualmente conta com 16 trabalhadores que desempenham funções fundamentais para o seu sucesso, e que representam uma folha salarial anual de 120.000 euros.
À medida que este pequeno negócio de família foi crescendo, Idália Duarte transmitiu o gosto e os saberes do ofício aos seus três filhos. Todos trabalham atualmente no ramo, seguindo as pisadas dos seus pais. A filha mais nova, Laura Duarte, de 33 anos, está encarregue da produção de enchidos, pois “ela nunca deixou o negócio. Foi estudar para a universidade e sempre que estava de férias estava aqui a trabalhar connosco. Formou-se em engenharia alimentar. É o meu braço direito”, afirma, orgulhosa, Idália Duarte.
‘Uma vida curta, mas feliz’
Os dias começam bem cedo para quem trabalha nesta fábrica. As tarefas, desde a criação dos porcos à fase da produção de produtos para consumo, exigem atenção e dedicação por parte dos trabalhadores da empresa.
A equipa segue atentamente cada etapa do desenvolvimento do porco, garantindo uma vida saudável ao animal até à fase do matadouro.
Os porcos são divididos por várias secções, consoante a fase de crescimento. Os animais realizam um percurso natural em todo o terreno, “para andarem soltos, o que faz com que a carne seja mais saborosa. Andam na pastorícia, caminham muito. Isso faz com que tenham mais músculo e, deste modo, com que a carne seja muito mais saborosa”, afirma Idália Duarte.
Os bácoros são mantidos com a sua mãe na fase de amamentação. Os dentes são serrados, de modo a evitar que os bicos dos dentes perfurem o peito da progenitora.
Os leitões são capados ainda muito jovens, para tornar a carne mais saborosa. “A carne da fémea é sempre mais saborosa que a do macho, embora aqui haja uma diferença: os porcos são todos castrados. Nas grandes superfícies, os porcos são sempre mais ruins porque não são castrados”, explica António Sequeira Duarte.
Após a fase da ‘recria’ (1), passam para a fase da engorda onde, segundo António Duarte Sequeira, são alimentados com “boas comidas à base de milho e cereais”. Os porcos são mantidos num espaço amplo e aberto, onde podem andar livremente. O charco de lama, onde podem ficar completamente imersos, faz as delícias destes animais.
Os olhos experientes, de quem já trabalha neste ramo há muito tempo, sabem ver quais os porcos que estão aptos para a linha de abate. António Duarte Sequeira vê sensivelmente o tamanho do animal, que tem de estar preferencialmente entre os 80 e os 90 quilos. “Um porco nunca deve ser transformado em enchidos muito novo, portanto isso acontece sempre dos dez meses ou um ano para cima”, afirma Idália Duarte.
Os animais escolhidos são direcionados para um curral. Depois seguem através de uma manga até ao carro, para evitar que os porcos fiquem ansiosos, conforme explica António Sequeira Duarte durante o processo. Com efeito, os porcos entram numa carrinha devidamente equipada para o seu transporte, com serradura no solo para garantir o conforto dos animais durante a viagem até ao matadouro. O número de animais durante o transporte é limitado para evitar que caiam um sobre os outros. Esta viagem é realizada duas vezes por semana, com 10 porcos de cada vez. Em média são mortos 1040 animais por ano, com uma produção anual de cerca de 70 toneladas (valor referente a 2014).
Ao chegar ao matadouro, no concelho de Odemira, já é noite cerrada e os animais estão todos a descansar, aconchegados uns aos outros. Após a viagem são resguardados em pequenas celas, para mais tarde serem encaminhados para a linha de abate. “É uma vida curta, mas é uma vida feliz”, segundo António Sequeira Duarte.
Quando se encontra na linha de abate, cada porco é mantido num espaço com elevada concentração de CO2, que provoca um estado de sonolência e o anestesia. Após certificação de que o animal se encontra anestesiado, utiliza-se a ‘faca vampiro’ no pescoço, de modo a que o porco seja devidamente sangrado, mas sem sentir dor. O animal morre por falta de sangue, e sem sentir qualquer tipo de sofrimento. Após a morte, os animais são colocados numa linha aérea onde vão passando pelas várias fases do tratamento – a lavagem, o chamusco e, por fim, o retirar de todas as peles mortas.
Na conclusão das várias fases, o porco é submetido a várias análises microbiológicas e físico-químicas para testar a qualidade da carne do animal. Só depois de atingir uma determinada temperatura é que a carne pode ser novamente transportada para a fábrica, de modo a assegurar a qualidade desta.
O trabalho na fábrica
Na fábrica, após receberem o porco começam logo a trabalhar nele, aproveitando todo o tipo de carne do animal. Esta é transformada em presuntos e enchidos, seguindo a rigor os preceitos do fabrico tradicional.
A sala de trabalho é dividida de imediato em secções, onde se trabalham separadamente as várias partes da carne do porco. Cada funcionário ocupa uma mesa de trabalho, assumindo uma só tarefa: a ‘desmancha’ das barrigas, a trituração da carne e a produção de enchidos.
“As carnes são todas separadas quando o porco chega. As carnes mais moles e ensanguentadas e mais gordas vão para a morcela. Tudo o que são carnes nobres e magras, as melhores carnes, vão para as chouriças. As pernas são utilizadas para o presunto”, explica Laura Duarte.
O segredo do sabor autêntico dos enchidos é serem confecionados apenas com carnes de primeira. Mas há mais: alho, sal, massa de pimentão, pimentão em pó, vinho e vinagre também fazem parte da receita.
“As massas já foram amassadas e misturadas, e agora, com a ‘enchedora’, começamos a encher as tripas com a carne”. afirma Laura Duarte. Acrescenta ainda que “atamos as tripas todas à mão”.
Depois do carrinho cheio, os enchidos são direcionados para a sala do fumeiro, onde o teto é tapado por uma imensidão de chouriças devidamente identificadas por lotes. Estas “ficam a escorrer no varal durante aproximadamente 15 dias”.
Enquanto se penduravam as chouriças, o lume já estava a ‘meio-gás’ para fritar torresmos e, simultaneamente, fumar alguns dos enchidos colocados mesmo por cima do lume. A lenha utilizada tem que ser bastante específica pois “toda a madeira que contenha resina não se pode utilizar, porque dá mau sabor às chouriças”.
Na fábrica ‘Sítio da Serra de Monchique’, utiliza-se assim a carne de porco para fazer vários produtos de consumo: banha, chouriças, morcelas, alheiras, presunto, carnes diversas do porco, morcela de arroz ou molho, farinheira de trigo, farinheira de milho, toucinho, torresmo ou ainda lombo da banha.
A produção artesanal dos enchidos garante a sua qualidade, sendo o típico sabor da carne de porco merecedor de elogios. Isto exige trabalho e dedicação por parte de todos os envolvidos, que vêm os seus dias a começarem cedo e acabarem tarde, numa empresa que orgulhosamente afirma: “Aqui é tudo feito à mão e com receitas muitas antigas”.
Idália Duarte e António Duarte Sequeira
Telemóveis: 967 690 415 | 961 467 417
Email: idaliaduartelda@hotmail.com
Fábrica de Enchidos
Sítio da Serra – 8550-381 Monchique
Telefone: 282 912 011
Talho-Loja de Porco preto
Rua Serpa Pinto nº18 – 8550-467 Monchique
Telefone: 282 913 461
Pastelaria Doce e Salgados
Largo Pé da Cruz, Monchique