A Dra. Suzanne Simard leciona ecologia florestal na University of British Columbia, no Canadá. Investiga a forma como as árvores comunicam entre si. É professora por paixão, tem vários TedTalks e uma participação especial no filme “Intelligent Trees”, no qual nos mostra uma história muito interessante ligada à ecologia. A Dra. Simard mediu a partilha e o fluxo de carbono entre diferentes árvores e espécies com carbono radioativo. Descobriu que as bétulas recebem carbono extra dos pinheiros-de-Oregon quando largam as suas folhas, e que as bétulas fornecem carbono aos pinheiros-de-Oregon que estão mais à sombra. Atualmente, a Dra. Simard trabalha a partir de uma pequena cidade no Oeste de British Columbia. Irá publicar um novo livro na primavera e faz parte de uma rede internacional de pesquisadores amantes da floresta, que inclui também o silvicultor alemão Peter Wohlleben, autor do bestseller “The Hidden Life of Trees” (2016) e o autor-viajante independente do Reino Unido Robert MacFarlane (Underland, 2019). A ECO123 falou com Suzanne Simard através da plataforma ZOOM.
Uma entrevista de Kathleen Becker e Uwe Heitkamp
ECO123: Sabemos que, quando plantamos uma árvore, esta compensa o nosso CO2 em 10 a 15 quilos no primeiro ano. Conhece a sua pegada ambiental de emissões de CO2 por ano?
Suzanne Simard: Qual a minha pegada? Depende do ano [risos]. Neste momento, a minha pegada é mesmo pequena, porque estou em casa devido ao Covid, não tenho viajado. Lamento, mas não tenho a resposta a essa pergunta, nunca pensei nisso.
É bióloga e silvicultora. Tem algumas espécies de árvore favoritas?
Aqui em British Columbia existem 50 espécies e é difícil escolher. As preferências têm-se alterado ao longo da minha vida. Mas a árvore que tenho pesquisado mais é o pinheiro-de-Oregon, na realidade um falso abeto, que tem uma larga distribuição na parte ocidental da América do Norte e está muito presente à volta da cidade em que vivemos. É uma das minhas favoritas. Mas também gosto muito do abeto-subalpino, que é um abeto verdadeiro. Sinto uma estreita ligação a esta espécie porque passo muito do meu tempo livre nas florestas de altitude a esquiar entre estas árvores.
Aqui em Portugal, os incêndios são uma ameaça constante. Se fosse proprietária de uma parcela de floresta ardida, com que espécies de árvore a reflorestaria?
Depende do local. Vivo na montanha, e uma espécie que cresce bem depois de um incêndio é o pinheiro. Temos muitos pinus-contorta na região. Mas qualquer das seis espécies de pinheiro funciona bem depois de um incêndio em British Columbia; nascem rapidamente, juntam-se em grupos e pegam depressa, o que restabelece a rede de forma mesmo célere.
Quando abre a porta de casa, a que distância está da floresta?
A minha pequena vila na serra de Selkirk só tem 16.000 habitantes, mas tem 15 espécies de árvore. Quando saio de casa tenho que andar cerca de dez minutos para entrar na floresta. E se subir a rua e atravessar o lago chego a outra floresta muito diferente. Atrás da casa tenho um belo ácer e vários cedros, é uma espécie de agroflorestal. E também tenho uma horta com vários tipos de legumes, milho e tomate…
Está para sair o seu livro com o título ‘Finding the Mother Tree’ (À descoberta da árvore-mãe). Como descobri-la?
Quando estava a mapear as ligações em rede debaixo da terra, a teia de fungos ou microrrizos que liga todas as árvores de uma floresta, percebi que as árvores maiores e mais velhas eram as que tinham mais conexões e ligavam todas as outras. Por isso, começámos a fazer uma série de experiências com essas árvores grandes e velhas e notámos que quando plantávamos árvores à sua volta, permitindo a sua ligação à rede dessas velhas árvores – ou se analisássemos as sementes que naturalmente germinavam à sua volta -, a ligação à sua rede de microrrizos melhorava significativamente as suas oportunidades de sobrevivência e o seu crescimento. Com várias experiências, conseguimos detetar que isto era importante para nutrir as jovens plantas. As árvores-mãe são essas grandes e velhas árvores que têm o papel de cuidar das jovens no ecossistema.
Essa imagem é forte, não é verdade? Faz lembrar a imagem do ‘Wood Wide Web’, é, por assim dizer, essa tecnologia aplicada à floresta e à Natureza. Deve ser interessante aplicar isto no seu trabalho pedagógico.
Sim, claro. Todos nós usamos a internet. E é interessante que, no período em que a World Wide Web (www) e a internet estavam a ser inventadas – em 1989, início dos anos 90 –, ainda me lembro de ter usado a internet pela primeira vez na altura…- e que a revista “Nature” tenha criado a expressão “Wood Wide Web” para descrever o que eu observava na minha floresta.
Estava a fazer experiências com árvores, para ver como estavam ligadas e como transmitiam carbono, água e nutrientes. Ao tomar consciência dessas redes e da forma como operavam entre si, não apenas nos nossos sistemas, construídos por engenheiros, mas também nos nossos sistemas florestais, começámos a tomar consciência – cientificamente falando – de que estes fatores estavam todos interconectados. E com padrões muito similares.
Quem analisa sistemas ou estuda redes, a Internet ou redes sociais, ou a Wood Wide Web, utiliza um processo analítico, ou técnica, chamado “teoria gráfica”. A teoria dos gráficos permite analisar a estrutura destes sistemas, as suas ligações e os seus nós. Aparecem certos padrões universais, e estes padrões são os mesmos, independentemente do tipo de sistema que se analise.
Ao longo do trabalho pedagógico no âmbito do jardim botânico que criamos junto a nossa casa, constatámos que 96% dos jovens entre os 12 e os 18 anos não sabem identificar as espécies de árvore. Têm conhecimentos sobre a net, o Facebook, o Instagram, mas só quatro porcento sabe identificar as árvores. O que acha que pode ser feito para divulgar o conhecimento sobre o meio natural em geral, sobre a flora e a fauna, e sobre o funcionamento da biodiversidade?
A melhor forma de compreender, apreciar e começar a gostar da floresta e de a observar é estar lá fora, dentro da mesma. Podemos ler sobre a floresta, ver documentários na TV ou na net, mas só se consegue criar uma ligação a ela e compreendê-la bem, estando lá. Estou sempre a voltar à floresta com os meus estudantes para lhes mostrar coisas, e eles absorvem tudo como esponjas e aprendem muito rapidamente. Aconselho a visitar a floresta, nem que seja num um grupo de amigos, como experiência. Nem precisam de aprender logo os nomes, basta primeiro observarem esses seres, as árvores, individualmente ou em grupo, para começarem a aprender. Há ferramentas e aplicações que estão a ser desenvolvidas para conhecerem a floresta, no caso de não terem uma oportunidade do género ou de, simplesmente, se revelarem incapazes de largar o seu iphone e a internet. Nós desenvolvemos uma tecnologia do género para a nossa floresta no Canadá ocidental, próximo de Vancouver, um programa de caça ao tesouro, como no Geocaching. É um modelo híbrido que permite estar na floresta a usar o smartphone e aplicações, coisas de que os jovens gostam muito. Isso pode ser bastante eficaz. No Canadá, tem havido um forte empenho para redirecionar a aprendizagem nas escolas, transmitindo aos estudantes a forma como os povos indígenas veem a floresta. Vão para a floresta acompanhados por adultos, que os acompanham e guiam em jogos e exercícios. E, mesmo vivendo no centro de uma cidade como Lisboa, há parques e avenidas com algumas árvores. Até mesmo observando uma planta num vaso é possível aprender algo sobre as plantas e as árvores.
Em Lisboa temos o Parque Florestal do Monsanto, que é maravilhoso. O Canadá é um grande país, o segundo maior do mundo. Como canadiana, na sua opinião, qual é a importância da floresta para o seu povo?
Embora tenha nascido em British Columbia, sou de descendência francesa. A minha família mudou-se para o Quebec para depois acabar for se fixar nas montanhas próximo do local onde vivo atualmente. Sei que no Quebec as pessoas são muito ligadas à floresta. Há uma grande tradição na produção de xarope de ácer no outono e, por isso, as pessoas vivem uma temporada na floresta. Mesmo se visitarem Montreal, a maior cidade do Quebeque, irão ver árvores por toda a parte, é uma cidade com muitas árvores. E também há uma forte tradição da silvicultura e manuseio florestal para extração da madeira. A indústria florestal cresceu muito em meados do século vinte, passando de pequenos operadores geridos por famílias, como era o caso da minha, para a extração industrial.
Falou-nos nos seus pais – as comunidades indígenas também se preocupam com a conservação das florestas?
Diria que 80 % dos canadianos anglófonos e francófonos vive na cidade e 20% nas áreas rurais. Mas, no caso das comunidades indígenas, é o oposto, a maior parte vive na floresta. Por isso, o seu modo de vida, as suas tradições, tudo está ligado à floresta e depende dela. Todos os seus recursos dependem da saúde da floresta.
Aqueles que amam a floresta por terem crescido junto dela, quando passeiam pela floresta de hoje, devem pensar que perdemos essa ligação e orientação. E agora… devemos voltar atrás, ao ponto onde perdemos o contacto, para voltar a encontrar caminho, ou devemos seguir em frente? Não me refiro a GPS e a bússolas, refiro-me a algo mais profundo. Qual a sua opinião? Devemos seguir em frente ou voltar para trás?
Como sabe, estamos perante grandes desafios ambientais, perda de diversidade, escassez de água, e as alterações climáticas irão agravar a situação. Temos que tomar decisões políticas importantes a nível global. A forma como olhamos para a floresta faz parte do problema. A ciência ocidental segregou as pessoas da floresta, da natureza, e acho que isso é um grande erro. E isto faz parte do problema: se não compreendes o meio ambiente, não cuidas dele. Acredito que como, de certa forma, todos partimos das árvores e dos microrrizas, daquele “caldo” primordial, temos uma compreensão geneticamente intrínseca do que significa estar ligado à terra, o que quererá dizer que estamos apenas um pouco perdidos. A nível global, acho que é necessário que se consiga fazer as pessoas voltarem para a floresta, para o ambiente natural, para o voltarem a amar e tomarem as decisões corretas para cuidar do mesmo, fomentando decisões políticas da parte dos Governos que, primeiro podem parecer difíceis, mas que se revelam essenciais para, por exemplo, descarbonizar o setor energético. É difícil fazê-lo individualmente quando se está preso nas infraestruturas dependentes do carbono.
Mas não é fácil emitir menos CO2 plantando mais árvores em floresta diversa, não só em monocultura. É o que faço para mitigar a minha pegada. Parar. Será uma solução?
Não há plantação de árvores que nos salve do nosso consumo de combustíveis fósseis. Isso não significa que seja pouco importante plantar árvores e recuperar as nossas florestas! Se conseguirmos que as nossas florestas voltem a ser abundantes e saudáveis como há um século atrás, elas podem absorver um terço do dióxido de carbono que emitimos. Mas é só um terço. E os restantes dois terços?
Um terço é devido à alimentação, menos carne, menos peixe. O outro terço é devido à mobilidade e eletricidade, à forma como a produzimos e usamos. E é por isso que precisamos de conhecer a nossa pegada, voltando ao início da nossa conversa sobre a origem das nossas emissões… Porque, se quisermos ter zero emissões em 2050, precisamos de saber onde estamos hoje. E se o soubermos, podemos reduzi-lo, passo a passo.
…E quanto à sua influência política – o Primeiro-Ministro escuta os seus conselhos? E em relação ao setor económico, os madeireiros tentaram cooperar consigo, tendo em vista o greenwashing: ‘Forest Certified by Dr Suzanne Simard’, algo do género?
Deve estar a julgar-me mais importante do que sou [risos]. Nunca falei com Justin Trudeau, ainda não. Acho que tem boas intensões, que tenta descarbonizar e reduzir a pegada global de CO2, mas também atrasa, e alinha muito com a indústria dos combustíveis fósseis. Falou em plantar mil milhões de árvores, o que é bom. Tem que ser feito cuidadosamente. Pode ter efeitos negativos se não se tiver em conta o solo, as espécies adequadas ou não houver manutenção. Quanto ao setor industrial, têm tentado ignorar-me o melhor possível, mas agora seguem-me porque o têm de fazer. Tenho um grande projeto, chamado ‘Mother Tree Project’ (O projeto das árvores-mãe) em colaboração com empresas grandes e pequenas, uma experiência em que tentamos proteger árvores-mãe de várias formas e verificar como a floresta recupera quando há intervenções. As empresas têm-se juntado a nós porque sabem que não têm agido de forma sustentável no passado.
Muito obrigado por esta conversa.