A humanidade enfrenta uma das suas maiores crises. A origem encontra-se numa pequena molécula: o dióxido de carbono. Trata-se de um gás que não tem muita concentração na atmosfera, mas cujo efeito é enorme. Através dele estamos a provocar o aquecimento do nosso planeta, porque estamos permanentemente a queimar gasolina, diesel, carvão, gás e outros combustíveis fósseis, emitindo CO2, muito CO2, toneladas a mais. A ECO123 escreve hoje sobre a crise climática, uma crise que consideramos ser o maior dos desafios e que exige uma solução e ação. Como podemos consegui-lo?
Não vale a pena estar com rodeios: dos 100 participantes, após oito meses, 85 já tinham abandonado o teste. Muitos não tiveram a persistência para continuar o preenchimento dos formulários. E há participantes que adulteram os seus valores, e outros que não fazem ideia da poluição que provocam com o seu automóvel. Possivelmente, há quem só se daria conta do que polui se os gases de escape passassem pelo habitáculo do veículo…
Mas ficámos agradavelmente surpresos com os participantes que se mantiveram em jogo. São 15 pessoas que estão no bom caminho para chegar até à meta final. Após oito meses estão percorridos dois terços do caminho. É nesses 15 participantes que se centra este texto. Porque a questão principal que colocamos é: até que ponto é realista conseguir viver o ano inteiro de 2020 tendo disponível um saldo de três toneladas de CO2? E o que isso significa para o dia-a-dia? Dos 15 participantes, apresentamos sete nesta história, sete participantes que deram expressamente a autorização para que fossem apresentados aqui.
A viagem pelo tempo e pelo espaço
Atualmente, em Portugal, vivem cerca de 10,3 milhões de pessoas. O seu estilo de vida é responsável pela emissão de cerca de 54 milhões de toneladas de CO2. São menos nove por cento do que em 2017. Em média, cada português/a emite cerca de cinco toneladas de CO2 por ano. KYOTO pretende ajudar a compreender o que este valor significa na vida quotidiana. São cinco toneladas por ano, que agora, de um momento para o outro, devem ser reduzidas em 40%. Cinco toneladas de CO2 por pessoa/ano são duas toneladas a mais, certo? Até 2030, na Europa, pretende-se que a pegada ecológica por pessoa seja 40% menor. E será que isso inclui os políticos? E no ano de 2050 até pretendem chegar à neutralidade climática. Zero emissões? Como pretendem consegui-lo? É esta a nossa questão. E como calcular isso? Como é que cada um de nós sabe quanto CO2 é provocado pela queima de combustíveis fósseis ao permitir o seu consumo diário (produtos alimentares), a mobilidade (o carro) e a habitação (a eletricidade), só para citar alguns exemplos? É exclusivamente para este fim que a ECO123 faz o programa e apresenta hoje, após oito meses, o primeiro balanço intercalar.
Sete de 15
O José, de 62 anos de idade, é trabalhador independente em Informática e ganha cerca de 1.000 euros por mês. Conforme nos contou numa entrevista apresentada em outra edição da ECO123 (#25), diz trabalhar em part-time para ter tempo para a família. Esta declaração merece um ponto de exclamação. Conhece o programa KYOTO porque lê a ECO123 há cinco anos. A sua alimentação inclui carne três vezes por semana ou peixe. E como é que se desloca para o trabalho? Conduz um Honda Civic híbrido que emite 109 g de CO2 por km, mas nem sempre vai de carro. Faz 600 km por mês, já que usa cada vez mais vezes o metro e o autocarro para chegar ao trabalho. Compra a eletricidade à Coopérnico. Conhecemo-lo numa das salas da FCUL, em Lisboa, no dia da apresentação do KYOTO, a 9 de fevereiro de 2019. José é o primeiro participante a inscrever-se.
A Elisabete, de 50 anos de idade, trabalhou num banco e já está reformada. Vive com o marido na zona norte de Lisboa. Inscrevem-se no KYOTO para ter uma noção da sua pegada ecológica. Nunca tinha feito nada do género. Foi a quinta participante a inscrever-se. Nota: a Elisabete e o marido pretendiam voar de férias em setembro para a Islândia. Qual será o impacto desse voo no seu balanço para o clima?
A Lénia tem 36 anos de idade e uma filha ainda pequena. Ganha 800 euros e tem uma pensão por viuvez. Vive na região do Porto e conduz um Fiat que emite 130g de CO2 por km. É cliente da EDP e lê a ECO123 há quatro anos. Foi a décima participante a inscrever-se.
A Karen, 48 anos, é natural da Escócia. É diretora da Escola Internacional em Aljezur e a décima quarta a inscrever-se no KYOTO. É vegetariana e conduz um Renault Clio que emite 83 g de CO2 por km. Visita o seu país natal de avião no norte da Europa duas vezes por ano. O que poderá fazer para conseguir não gastar mais do que 3.000 kyotos por ano?
O Paul, 70 anos, é alemão e vive perto de Viseu. É o 35° participante. Lê a ECO123 há poucos meses. Reconhecemos que o Paul é uma pessoa que parece saber viver com pouco. Produz a sua própria eletricidade com uma instalação solar e conduz um Renault Kangoo ZE, que só carrega em casa. Quais serão os resultados?
A Diana, 55 anos, é uma cientista portuguesa a viver e a trabalhar em Oslo, onde é docente na universidade. É oriunda de Lisboa e visita a cidade pelo menos uma vez por ano. Come carne e peixe todos os dias, o que é comum na Noruega. Dentro da cidade e para ir para a universidade desloca-se de metro. Será que isso chega para conseguir uma pegada ambiental mais reduzida?
A Filomena, 63 anos, é artesã e vive numa pequena aldeia perto de Lagos, no Sul de Portugal. Receia que os 3000 kyotos não lhe bastem, já que viaja muito de carro entre Lagos e Lisboa. Durante o teste irá mudar de estratégia e passar a fazer essa viagem mais vezes de comboio. Também pensa em mudar para um fornecedor de eletricidade sustentável. Veremos no decorrer desta história se tem sucesso na redução das suas emissões de CO2.
Final feliz?
Esta história não é ficção, é um conto nunca escrito desta forma: um projeto que levou muito tempo a preparar, um documentário. Lembrámo-nos de Truman Capote? Ele foi uma inspiração para nós na ECO123. Todos os seus guiões se baseiam em documentos reais da altura, tanto para Bonequinha de luxo como para A sangue frio. E, por isso, esclarecemos que todos os sete participantes autorizaram que se escrevesse sobre eles, desde serem referenciados pelo seu nome próprio como para a publicação dos resultados desta pesquisa. O teste começou na primeira semana de março de 2019 e todos os participantes receberam um acesso à sua conta online do KYOTO, que no início tem um crédito de 3.000 kyotos. Claro que também nos questionámos se uma atitude amiga do clima não seria influenciada pela capacidade financeira, conforme salientou o investigador para o clima Dr. João Camargo durante a apresentação do teste em Lisboa. Será? É uma questão fundamental. Será a consciência a formar o ser ou o ser a formar a consciência? Aguardemos pela resposta mais adiante, quando nos debruçarmos sobre esta questão. Também é importante salientar que estes sete participantes afirmaram já estarem sensibilizados para as questões ligadas às alterações climáticas. Há uma pergunta no início do preenchimento do perfil para o KYOTO, que é urgente que seja respondida por todos: Estás disposto/a a mudar o teu mundo? Ora bem, o que têm que fazer os participantes do KYOTO para aplicar o protocolo na sua vida particular, agora, 22 anos depois? Os sete participantes dizem ser curiosos, ter consciência ambiental e ter vontade de aprender. Sabem, logo à partida, que viajar de carro, avião e comer carne provocam uma pegada ambiental elevada. Vamos ver então qual o desenvolvimento desta história durante os primeiros oito meses – e como poderá acabar após um ano.
O conhecimento é tudo, e sem o conhecimento o tudo é nada
O KYOTO é diferente, porque também tem elementos de jogo. Até porque, já se sabe que um teste durante um período de tempo alargado torna-se aborrecido, havendo a tendência para deixar de participar numa ou outra semana. E o KYOTO volta sempre a perguntar aos participantes: Como estás? Estás feliz? Sentes-te bem? És otimista? Encontras soluções para os teus problemas? A ECO123 faz mensalmente um quiz com nove perguntas sobre o tema do clima. Com cada resposta certa é possível recuperar dez kyotos. No dia-a-dia não existe um quiz deste género. Miguel Almeida, membro dos corpos dirigentes da primeira cooperativa fornecedora de energia, a Coopérnico, e Alfredo Cunhal-Sendim, da Herdade Freixo do Meio (Montemor-O-Novo) sabem disso. Eles são dois dos membros do conselho-consultivo para o KYOTO e participam no desenvolvimento das perguntas nas respetivas áreas: energias renováveis e agricultura biológica, para o quiz. Durante um ano é possível recuperar desta forma 1.080 kyotos, uma possibilidade para compensar um voo de médio curso e melhorar assim o balanço climático. Mas ainda há mais.
O teste KYOTO também possibilita o “offset climático”, a compensação. Quem escolhe esta opção encontra boas notícias para si e para o planeta. Quem produz mais energia renovável do que gasta e a introduz na rede tem recompensas extra. Por cada kW/h de energia limpa disponibilizada no teste é creditado meio Kyoto (k). E o formulário online também pergunta: quantas árvores plantaste esta semana? Por cada árvore plantada comprovadamente são creditados 10 kyotos no teste. Os participantes começam a compreender que o seu saldo pode diminuir, mas também pode aumentar. O resultado depende das ambições de cada um. Paulo, o Chico Esperto destes participantes, plantou 49 árvores em abril e 32 em outubro, recebendo desta forma 490 e 320 kyotos, respetivamente. Veremos quantas destas árvores vingaram no final do ano e chegaram até à primavera seguinte. Há que plantar árvores, mas também há que mantê-las, o que significa um trabalho persistente.
E nem todas as pessoas agravam o clima da mesma forma. Consequentemente, coloca-se a questão política de como concretizar uma transição socialmente justa para a neutralidade climática em Portugal e na Europa. A ECO123 pode encontrar uma resposta para os políticos se os formulários dos sete participantes não forem apenas friamente analisados, mas sim observados com atenção, por via a encontrar saídas para esta crise climática. Após oito meses, o KYOTO aponta soluções importantes, ao alcance de cada um, para poupar várias toneladas de CO2/ano sem a necessidade de proceder a alterações no nosso sistema social. Sabemos que temos que desativar as centrais a carvão e que há muito a fazer em Portugal e na Europa. Mas este teste foca-se menos na política e mais no indivíduo, aquele que tem a capacidade de mudar algo em si próprio. Queremos reduzir as nossas emissões para três toneladas de CO2 por ano. Como consegui-lo? Por onde podemos começar?
KYOTO: uma estratégia 1+1+1=3
Antes de mais, deixem-nos dizer que a matemática pode ajudar a compreender as nossas metas. Isso implica que, para além de se participar ativamente na vida, se coloquem metas ecológicas e se tente alcançá-las passo a passo. Se se conceder uma tonelada de CO2 para o consumo, e a mesma quantidade para a mobilidade e para a energia necessária ao lar, simplificando, chega-se às três toneladas. Mas, como concretizar essa teoria na prática do dia-a-dia? Karen, a professora escocesa de Aljezur, ao alimentar-se de forma vegetariana e fazer as compras localmente está no bom caminho. Em 52 semanas isso faz a diferença. Quem come carne e peixe provoca entre 1,7 e 4,6 toneladas de emissões, só pela sua alimentação; quem é vegetariano fica-se pelas 1,1 toneladas. E se comprarmos os nossos alimentos básicos localmente em vez de processados, congelados e empacotados, reduzimos a nossa pegada por mais 500 kg de CO2. Um exemplo: quem compra um kg de batata frita no setor de congelados do supermercados provoca cinco kg de emissões de CO2, cuja origem se encontra na transformação, transporte e cadeia de frio necessária a esse kg de batata frita. Quem, no entanto, compra as suas batatas no mercado, diretamente ao agricultor, segundo a AEA*, só provoca 200 gramas em emissões de CO2. É uma grande diferença. E um vegetariano tem uma pegada ambiental muito menor do que quem come carne e peixe.
*Agência Europeia do Ambiente, Copenhaga
ALTO, escreve-nos Júlia, de Silves, sul de Portugal, que não aceita este facto. Em protesto, abandona o teste KYOTO e cancela a assinatura que mantinha há seis anos. Vocês estão a generalizar e a difamar quem come carne! E se eu produzir a carne localmente de forma sustentável ou comer caça? A ECO123 não devia penalizar os participantes dessa forma. A ECO123 respondeu que, tanto a produção sustentável como a caça, juntos, não chegam a garantir sequer 3% do consumo de carne em Portugal. Esse valor já foi considerado na programação do KYOTO. Mas, perguntámo-nos se não haverá hoje mais questões relativamente à comercialização de animais mortos, à carne? Não deveria a produção pecuária intensiva ser considerada uma tortura? No KYOTO, quem é vegano ainda tem valores melhores do que quem é vegetariano. Dos 100 participantes, quatro são veganos. No entanto, tal como a Júlia, desistem após seis semanas.
O José, que vive com a sua família em Lisboa num apartamento de 50 m2, por princípio não viaja de avião e, dentro da cidade, costuma usar o autocarro ou o metro. Durante o mês de maio só necessitou de 39,5 k (kyotos) para a mobilidade; em junho, de 73,9k e em agosto, de 34,9k. Ao todo, nos primeiros oito meses, com a sua estratégia de não viajar de avião e usar os transportes públicos juntamente com o seu Honda Civic híbrido, o João consegue gastar só 442,1k. Se mantiver essa estratégia irá ficar bem abaixo de uma tonelada de emissões durante um ano, conseguindo atingir a sua meta. Em finais de outubro ainda tinha um crédito de 1.399,4k.
A Lénia, que vive na região do Porto, mantem o seu estilo de vida do costume. Apesar de pretender conseguir não exceder o crédito oferecido pelo KYOTO, primeiro não muda de vida. Indica reciclar 75% do seu lixo. São garrafas, papel e madeira. Mas a maior parte é plástico. Sobra ainda o lixo indiferenciado, com que não sabe o que fazer. Em oito meses são 160 k, embora faltem os valores para a terceira semana de julho e a segunda de setembro. Ela garante indicar esses valores no último mês do ano. Medir semanalmente a pegada ambiental é trabalhoso, e até a “newsletter”, que semanalmente lembra essa tarefa, pode ser massacrante. Por isso, uma das vezes enviámos uma “newsletter” sem texto. Pretendíamos verificar se ainda estavam com atenção. Só houve uma participante que acusou ter notado essa situação. Perguntou se futuramente a “newsletter” poderia ser sempre assim, sem texto. O nível do CO2 da pegada ambiental do consumo da Lénia, passados oito meses, já está nos 1.425 k. Nessa área, já ultrapassa em 50% o crédito provisionado. Alterar o consumo seria uma forma de melhorar esse valor. Poderia fazer menos compras no supermercado e, ao invés, comprar mais em mercados com produtos locais – sem embalagens. Em vez de comer três vezes carne e peixe por semana, a redução para uma vez reduziria as suas emissões. Porque, criando novos hábitos, isso permitiria reduzir a sua pegada até metade. Em finais de outubro ainda tem um crédito de 1.290,4k.
Voltemos a falar no Paul, do distrito de Viseu. Ele está sempre de calculadora na mão para verificar o seu saldo no KYOTO. Compra um carro elétrico, um Kangoo Z.E., e carrega as baterias deste gratuitamente com os seus painéis solares. Portanto, se ele, que vive com a sua mulher numa casa em que o excedente da eletricidade dos painéis solares (que é, em média, de 435 kW/h/mês), ainda devolve à rede e carrega o seu carro, o seu saldo, em vez de diminuir, pode até aumentar. Em oito meses, o Paul até consegue ganhar 868,7k com a sua produção de energia solar. Mas, infelizmente, gosta de viajar de avião, e visita duas vezes por ano a sua família no norte da Europa: durante o verão e pelo Natal. Por isso, as suas emissões no que toca à mobilidade voltam a agravar-se muito. Até agora, o primeiro voo significou um desconto de 1.040 k e, com o regresso, o Paul irá anular tudo o que compensou por ter um carro elétrico.
E ainda não está contabilizado o voo pelo Natal. Será que é desta que irá partir de Coimbra B com o comboio noturno (Sud-Expresso) através de Espanha e França para chegar à Alemanha? Só provocaria um quinto das emissões. No final do mês de outubro o Paul ainda tem um saldo de 1.648,2k.
A Karen, de Aljezur informou-se bem e tenciona gastar um máximo de 250k/mês. É uma estratégia interessante para participar no teste, já que quem tem 3.000 k por ano também os pode distribuir pelos doze meses. Então vamos ver como correram os primeiros oito meses. Como professora, mostrou estar bem informada e em abril e maio ganhou 80 de 90 kyotos possíveis no quiz. Segue uma alimentação vegetariana, mas por vezes come peixe. Na terceira e quarta semana de junho e na primeira de julho não chega a preencher completamente os questionários. Vai ter de fazer recuperar estes “trabalhos de casa” nos meses de março e abril do ano que vem, já que também nos meses de agosto, setembro e outubro falta uma ou outra semana, cinco ao todo. Mesmo assim continua bem. Só os resultados no quiz pioraram um pouco, acerta em média quatro das nove respostas. E duas deslocações de avião, que significam 1.048k, dificultam as hipóteses de conseguir chegar ao fim com saldo positivo. Em agosto, volta a viajar de avião e perde mais 780k. A partir desse momento não sabemos onde ficou porque não encontramos o voo de volta nos seus registos. Será que ainda está em Glasgow? Termina o mês de outubro com um saldo de 353,1k. Nos oito meses gastou quase 2.650 kyotos e vai precisar de mais crédito. A sua única hipótese para melhorar o resultado em emissões sem gastar muita energia seria a plantação de 200 árvores durante o próximo inverno em Monchique. Termina com um saldo de 247k.
E o que anda a fazer a Filomena? Estamos especialmente atentos à sua mobilidade. Conduz um Suzuki FJ Jimny, que emite 162 gramas de CO2/km. Dos seus 1.000 euros tem que investir 200 euros mensais em gasolina, ou seja, num combustível fóssil. Será que tinha razão com os seus receios? Durante o mês de março gasta 122,4k (950km) a andar de carro, uma das viagens foi partilhada. De comboio, emite 53,5k (1.215 km). E também faz alguns pequenos trajetos de metro, autocarro e à boleia, emitindo mais 10,6k. Dos 250k disponíveis por mês, a mobilidade retira-lhe 186,4k. Vejamos a parte do consumo e da casa. Ambos significam 188,3k. No quiz, ganha 50k, terminando o primeiro mês com um gasto de 328k e um saldo de 2.672k. Numa primeira análise, após oito meses, a mobilidade é responsável por emissões respeitantes a 1.306,1k. Mais do que o dobro do que ela desejaria. Depois de oito meses, o seu saldo é de 415,7k, e estes teriam que chegar para mais quatro meses. Mas talvez a Filomena plante durante este inverno 100 árvores no novo jardim botânico das Caldas de Monchique para obter um budget mais elevado.
A Diana é de Lisboa mas vive em Oslo por razoes familiares e profissionais. Ganha aproximadamente 3.000 euros por mês e, tal como muitas outras pessoas, algumas delas nossas leitoras portuguesas, que emigraram para o Luxemburgo, Suíça, França ou Alemanha. Há tantos portugueses a viver fora como dentro do país. Quem não se quer ficar pelos 900 euros a fazer trabalho especializado, tem que emigrar. Compreende o que nos falta em Portugal António Costa? No primeiro mês, em março de 2019, a Diana gasta 480,4k, e em abril voa de Oslo para Lisboa (1.404k) e regressa. São ao todo 1.538k, mais que metade do seu crédito anual já está gasto. No mês seguinte usa muito a bicicleta, os transportes públicos e anda a pé. Consegue reduzir radicalmente as emissões para 7,1k. Nesse mês só emite o equivalente a 116,6k. Nos meses seguintes, a Diana esforça-se por reduzir cada vez mais as suas emissões, e consegue gastar só 42k, passando as férias na Noruega. Mesmo assim, chega a outubro com apenas 143,9k. Qual irá ser a sua estratégia para terminar o ano neste teste? Talvez a Lénia ou o José lhe possam emprestar, vender ou dar uma parte do seu saldo.
E, por fim, temos a Elisabete. Queria ir ver os glaciares a derreter e, por isso, viajou com o marido até à Islândia. O que viu deixou-a ainda mais preocupada. Os glaciares de água doce estão a derreter e correm sem mais aproveitamento até ao mar. Passam a ser água salgada. Na Islândia, no Nepal, na Sibéria ou na Gronelândia, as alterações climáticas estão presentes em todo o lado. A Elisabete conduz um VW Golf e, com ou sem o software adulterado, emite pelo menos 114 gramas CO2/km para a atmosfera. No que toca à mobilidade, na maior parte dos meses a Elisabete mantém um valor estável de 100k. O consumo tem um valor superior. Em média emite 300k por mês. Mas consegue recuperar uma parte com as muitas respostas corretas no quiz. Infelizmente, fez aquele voo para a Islândia, aquelas férias maravilhosas. Prejudica os bons resultados, descontando 2.019,2k. Em finais de outubro a Elisabete já usou todo o crédito (3.000k) estando agora com um resultado negativo de -1.112,9k. Como continuar agora?
…como convencer uma pessoa a mudar de atitude?
A melhor forma é: tudo o que prejudica o meio ambiente tem que ser mais caro, e tudo o que ajuda a regenerá-lo, ficar mais barato. Atualmente está em discussão uma taxa sobre o CO2. É esse o caminho que a Europa tem que seguir a longo prazo. Peritos do Instituto para as Ciências Climáticas de Potsdam (PIK – Potsdam-Institut für Klimafolgenforschung) recomendam um valor de 50 euros por tonelada de CO2 no ano de 2020, que iria subir até aos 130 euros por tonelada/2030. Fridays for Future exige um valor inicial de 180 euros no ano 2020, o que corresponde a uma taxa de 0,18 € por quilo de CO2. Mas, se as políticas para o clima são um tema central da atualidade e as soluções urgem, a ECO123 questiona-se se não se deveria agir com mais determinação. Pensando de forma clara e objetiva, não seria melhor taxar todo o kg de CO2 emitido para além dos 3000 kg com um euro? E, para além disso, o Estado poderia realizar uma escala crescente: a primeira tonelada de CO2 (para além das três toneladas) custaria 1000 euros, a seguinte € 1.500, depois € 2.000, € 3.000, sempre por cada tonelada de emissões adicional.
Nos debates sobre este tema surge sempre a questão sobre quem é que seria mais penalizado com o custo adicional para atitudes danosas ao meio ambiente. Alguns especialistas receiam que os mais afetados sejam as pessoas com poucos rendimentos; que os custos possam ser elevados, apesar de serem essas as que têm um modo de vida que menos prejudica o Ambiente, em relação aos que ganham muito. É uma discussão com uma argumentação pouco lógica. Até hoje, nesse debate, não se têm em consideração as propostas do protocolo de Kyoto, e muito menos se pondera realizá-las. Quem leu o protocolo de Kyoto? Se partirmos do princípio que todos os cidadãos têm o mesmo valor base no início do ano, também não haveria uma carga fiscal injusta entre o rico e o pobre. A meta seria igual para todos.
Se todos os cidadãos em 2020 pudessem emitir gratuitamente três toneladas por ano, e ultrapassando esse valor por cada kg emitido tivesse uma taxa de um euro também poderiam ser financiadas medidas novas, como por exemplo um rendimento básico incondicional de 500€ por mês para todos. Neste modelo, a compra de um bilhete de avião passaria a ser mais ponderada. Se a política pretende realmente uma mobilidade amiga do clima, os bilhetes de comboio para quem cumpre as emissões deveriam ter muitos descontos. Ou seja, o transporte individual e a queima de gasolina, diesel e querosena deviria ser extremamente cara e os transportes públicos deveriam ser muito melhores e mais baratos.
Só dessa forma é que a proteção climática pode também significar justiça social. Todos teriam os mesmos direitos e os mesmos deveres no que respeita às emissões. E o Estado poderia agir, modernizando o material circulante na via-férrea, dando prioridade a investimentos em energias renováveis e proibindo a produção de plástico, criando também um sistema de embalagens com depósito. O Estado poderia investir numa agricultura e silvicultura em diversidade e penalizar as monoculturas com uma taxa sobre o consumo de água. É que, também aqui, a meta deve ser a redução do gasto dos recursos e a reciclagem e reutilização dos mesmos. Como agir? Desde há muito que os especialistas recomendam a fomentação da agricultura familiar e local, que produza uma variedade de produtos. Um dos melhores exemplos é a Herdade do Freixo-do-Meio, no Alentejo, que cultiva e transforma mais de 300 produtos diferentes para os seus associados e a loja.
Balanço intercalar
As medidas que podemos propor com base na nossa experiência nos primeiros oito meses do KYOTO são:
• Se o bilhete de comboio de Coimbra para Hamburgo fosse menos caro que o bilhete de avião, por este ser taxado pelas fortes emissões de CO2 que provoca, a escolha para a viagem do Paul seria a mais sustentável. O mesmo se passa com a Diana e o voo entre Oslo e Lisboa. “Precisamos de Leis claras que regulamentem certas coisas”, afirma o Dr. João Camargo em conversa com a ECO123 na apresentação do KYOTO na FCUL, “senão, não as cumprimos”. Os voos têm que ser a opção menos interessante, também para longas distâncias nas férias e para quem ganha bem. E menciona também os voos para pequenas distâncias: “Ninguém precisa de usar o avião para ir de Lisboa para Faro ou para o Porto.” Em vez de aumentar o preço desses voos e baixar o valor das viagens de comboio, propõe eliminar os voos nas pequenas distâncias.
• O José, participante no Kyoto desde o início, vive com a sua família num apartamento pequeno, e lares com várias pessoas teriam vantagem no caso de haver uma taxa sobre o CO2, porque esses têm menos emissões por pessoa do que uma casa, que é aquecida para um habitante apenas. E não deveriam todas as pessoas, que vivem de forma amiga do clima, ter acesso aos transportes públicos de forma gratuita?
• Todos aprovam também, que a renovação de apartamentos e casas para alcançar um melhor desempenho energético deve ter incentivos fiscais. Se esse incentivo fosse aplicado também aos senhorios, a Lénia, no norte, e o José, no centro do país, também poderiam beneficiar disso. Regras rigorosas são as indicadas para chegar a bom porto. Por um lado, por afetar tanto os ricos como os pobres, e, por outro, “por serem mais eficazes”, sublinha João Camargo. Também não se deixou de fumar em espaços públicos por causa do aumento do preço dos cigarros. Teve que ser proibido.
• Falta uma legislação clara para promover as energias renováveis em detrimento da eletricidade produzida com base nas energias fósseis. “Claro que isso poria naturalmente em causa a forma de trabalhar e viver atual”, diz-nos o sociólogo e autor de vários livros, por ele apresentados por toda a Europa e em Portugal.
• A proteção do clima também é uma questão de conhecimento e educação. Temos que fechar o circulo. A proteção do clima tem que fazer parte do currículo escolar a partir da primeira classe de imediato em todas as escolas em Portugal. A Itália já está a introduzir a proteção do clima como disciplina curricular. O teste KYOTO, sendo também um jogo, poderia ser um instrumento importante de trabalho nesse sentido para os alunos adquirirem conhecimento, conforme também nos confirma a Diana, de Oslo: “KYOTO ajudou-me a perceber o impacto das viagens, da comida e das compras. Fiquei muito mais consciente. Passei a andar muito menos de avião, a andar de comboio ou simplesmente a não ir… Estou ativamente a diminuir as viagens, e estou cada vez mais consciente das emissões relacionadas com outras coisas…”
• Também é importante adaptar as medidas a certos grupos, diz-nos o Dr. João Camargo. E realmente, no campo, o dia-a-dia sem carro torna-se difícil. “Digamos então que, pelo menos, as cidades têm que deixar de ter trânsito automóvel”. Seria necessário algum planeamento – mas teria que se diferenciar entre pessoas como o José, a Diana, a Lénia e a Elisabete, que vivem na cidade, e outras como a Karen, a Filomena e o Paul, que estão no interior, já que para enfrentar a desertificação no interior há que aplicar medidas fortes para uma melhor oferta na educação, na saúde e noutros serviços públicos. E disso também faz parte um sistema de transportes públicos mais flexível, com autocarros e comboios.
E esta história também terá que abordar o papel a desempenhar pela economia. É nesse sentido que o KYOTO está ser desenvolvido atualmente: um programa online para medir a pegada ambiental das empresas e dos eventos. A proteção do clima e da Natureza tem que fazer parte da Constituição Portuguesa, defende Alfredo Sendim-Cunhal, do conselho para o KYOTO. Por isso, também as empresas têm que se comprometer com os objetivos para a sustentabilidade, não fazendo somente um Greenwashing por ser a tendência atual. A proteção do clima é uma tarefa de todos. Por isso também deve estar ligado às questões sociais e de ética e educação.
Metodologia
Os sete participantes escolhidos para esta apresentação não são representativos de Portugal ou da Europa. A maior parte dos valores foram por nós estimados, tendo por base outros dados (como por exemplo a distância percorrida até o trabalho, as horas de voo, o trajeto de comboio de Lisboa para Oslo e Hamburgo, etc.). As emissões para o consumo, inclusive dos resíduos reciclados ou não, as emissões originadas pela mobilidade ou pela produção energética por combustíveis fósseis ou alternativas renováveis foram-nos indicadas por vários cientistas da Universidade de Lisboa e Estugarda, em colaboração com universidades de todo o mundo e do PIK. Foi com base nesses dados que o KYOTO foi programado e é atualizado anualmente.