Para contar a história do Solar Impulse – o primeiro projecto de avião solar – tem de se começar há sete anos atrás na Suiça. Foi aí que a ideia nasceu. Este Verão, os mentores do projecto e pilotos André Borschberg e Bernard Piccard voaram a aeronave através dos EUA, percorrendo mais de 5600 km apesar de confrontados com complicados desafios climatéricos. O Solar Impulse, o primeiro avião na história a voar dia e noite apenas com energia solar, provou a fiabilidade e eficiência das tecnologias limpas e das energias renováveis.
O Solar Impulse tirou partido da longa tradição Suiça de inovação tecnológica, pesquisa e empreendedorismo de excelência. Ao longo dos séculos, este pequeno país cercado por terra desenvolveu uma forte relação entre os sectores académico e de negócios, facilitando a colaboração entre laboratórios, universidades e algumas das startups e pequenas e médias empresas mais inovadoras em termos tecnológicos do mundo: uma combinação ideal para dar início a um projecto revolucionário. A ECO123 falou com André Borschberg pouco depois deste aterrar no aeroporto JFK, em Nova Iorque:
Um pequeno passo para o homem?
Gostaríamos de saber um pouco mais sobre o vosso vôo através dos Estados Unidos. Você é um piloto da Força Aérea suiça e agora pilotou um avião numa velocidade de apenas 50 km por hora. Qual é a diferença?
Muitas semelhanças mas também diferenças significativas; quanto mais se voa com o Solar Impulse mais energia se acumula nas baterias do avião. Pode descolar com baterias vazias, subir até uma altitude de 30,000 pés e em simultâneo carregar as baterias. Quando anoitece pode-se optar entre aterrar e descarregar a energia na rede ou continuar a voar durante a noite. Isso é muito diferente das aeronaves normais e especialmente dos caças. Os vôos são curtos; o consumo de combustível é muito elevado. Se não se é cuidadoso, fica-se sem combustível. Esse é um dos aspectos. O outro aspecto é que a velocidade não é importante. Isto não é sobre viajar rapidamente. É sobre chegar ao destino.
Quando atravessámos os EUA tínhamos sempre demasiado tempo disponível devido ao tráfego aéreo. Éramos forçados a descolar cedo e forçados aterrar tarde. Tínhamos muito tempo disponível. Como tal, tínhamos a possibilidade de apreciar o momento presente. Voar o Solar Impulse é muito especial. É diferente em relação à nossa vida e actividades normais. Aí, estamos sempre com pressa. Estamos focados em chegar, no nosso destino, em terminar o que fazemos. Voar o Solar Impulse transporta-nos para um estado mental maravilhoso.
Então a humanidade tem de mudar os seus hábitos básicos. Ao invés de se tornar cada vez mais rápida, deve abrandar? Então o que significa resistência para si?
O que podemos fazer com resistência? Podemos atravessar o oceano, ou idealmente podemos voar em redor do globo sem necessitar de abastecimento de combustível. Isso dá-nos independência. Claro que é apenas o início. É o primeiro passo. Vivemos num momento exactamente igual ao de Charles Lindbergh ou dos irmãos Wright. Eles podiam estar sozinhos na cabina, mas foram primeiros passos que conduziram a desenvolvimentos futuros e directamente até à chegada à Lua. Acho que o deveríamos fazer da mesma maneira.
Podemos afirmar que vocês voam a primeira máquina de movimento perpétuo, voam como Leonardo da Vinci sempre sonhou?
Pode afirmar isso, sim. É certamente um passo em frente muito importante. O Solar Impulse é a única aeronave do mundo que possui essa capacidade. Demorará ainda bastante tempo para se desenvolver aeronaves solares que possam transportar passageiros ou carga. Temos um avião que é muito, muito eficiente em termos de energia. Temos tecnologia que usa muito pouca energia para fazer este avião voar. Esta tecnologia ecológica pode começar a ser utilizada em navegação, em mobilidade, na construção de casas, em outras aplicações. Esse é um passo que pode ser dado imediatamente. Está provado que é necessária muito pouca energia para voar. Pode-se carregar as baterias com electricidade solar para voar por tempo ilimitado.
O seu parceiro Bertrand Piccard disse que “cada dificuldade é uma potencial oportunidade”. Qual considera ser a maior oportunidade para a humanidade: mobilidade limpa, comida ou a própria humanidade?
Penso que temos bastantes desafios pela frente. A energia é muito importante para ter acesso a comida e a água – que são essenciais. A energia é, para mim, uma necessidade essencial. Enfrentamos duas possibilidades, ou produzimos mais e mais energia e trabalhamos o que designamos linha de abastecimento. Ou fazemos o oposto, exactamente o que fizemos com a aeronave: tentamos reduzir a procura. E a maneira de reduzir a procura é utilizar a tecnologia que já possuímos, que providencia poupança de energia: com melhor isolamento, com um sistema de iluminação que elimine calor, materiais mais leves para transporte. Existem tantas medidas que já se encontram disponíveis; que podemos implementar; que podem também tornar mais barato o acesso à energia.
Como pode o Solar Impulse se tornar uma solução real para a aviação comercial?
Este é definitivamente um primeiro passo. Tive uma conversa com o Steve Wright, sobrinho-neto dos irmãos Wright, no Ohio, que pode ser importante para as pessoas que não acreditam que iremos voar com energia solar no futuro. Ele contou-me que tinha ouvido os seus tios-avôs afirmar que não imaginavam, na altura em que voaram nas suas primeiras aeronaves, que um dia seria possível voar com muitos passageiros sobre o oceano. Eles não imaginavam que tal seria possível um dia; apesar do facto de terem inventado o avião. Estamos definitivamente na mesma situação cem anos depois. É muito difícil ver como esta tecnologia se irá desenvolver, mas se não dermos um primeiro passo hoje nunca estará disponível amanhã.
Como se vê a si próprio? Como um pioneiro da aviação?
Bem, eu considero-me um empreendedor – foi o que fiz toda a minha vida, trabalhando em novas ideias e em novos projectos. Penso que se conseguirmos inspirar muitas pessoas ao mesmo tempo isso será bom. Tivemos oportunidade de ver muitas jovens crianças, estudantes de escolas que visitaram o Solar Impulse em São Francisco, Phoenix, Dallas, Saint Louis e Washington. E claro que quando vemos jovens com os olhos a brilhar ao olharem para este avião, quando são inspiradas do modo como fomos inspirados – isso é extraordinariamente importante e um sentimento maravilhoso.
Porque fazem o que estão a fazer? Existe também um propósito comercial?
Não há certamente qualquer razão comercial – isto transmite sentido à vida de uma pessoa! Tive a oportunidade de o fazer graças à minha experiência; à aprendizagem que tenho da minha infância, dos meus tempos de estudante, do meu tempo comercial. Poderia ser outra pessoa se o projecto conseguir inspirar. Hoje celebramos o 70º aniversário da publicação de O Principezinho de Antoine, de Saint-Exupéry, e ele escreveu o livro em Nova Iorque. Foi publicado em 1943. Acabei de conhecer o embaixador da Fundação Saint-Exupéry. Saint-Exupéry inspirou tanta gente. Foi piloto e escritor. Se também conseguirmos passar a mensagem e desenvolver o projecto como sendo um projecto humanístico – e não apenas para desenvolver tecnologias – isso também seria uma dimensão muito positiva. O Bertrand Piccard e eu ficaríamos muito felizes.
Planeia dar a volta ao mundo no vosso avião solar. Quando o esperam fazer e que países estarão envolvidos?
Será definitivamente em 2015. No próximo ano iremos testar a segunda aeronave com a nova construção. Estaremos a ligar países através do mundo. Vamos focar-nos na próxima geração, pessoas jovens, países diferentes, Índia, China, Estados Unidos, Médio Oriente com diferentes paragens.
Portugal é o primeiro país após a travessia do Oceano Atlântico. Poderia visitar-nos em Faro, Beja, Lisboa ou Porto com o Solar Impulse…
Sim, claro. Se o tempo permitir uma paragem, certamente.
Podemos convidá-lo a visitor Portugal durante a vossa circumnavegação do mundo em 2015?
Sim, porque não? Essa é uma boa meta. Terei todo o prazer em falar sobre isso quando regressar à Suíça.
Muito obrigado pela conversa.