Sábado, dia 18 de dezembro de 2021.
A Comissão Europeia declarou 2021 “O Ano Europeu do Transporte Ferroviário”. Com uma viagem que passaria por 100 cidades entre Portugal, Eslovénia e França, o “Europa Express” pretendia divulgar o início da nova era no transporte ferroviário europeu. Mas a iniciativa promocional foi um desastre. Este comboio especial só serviu para demonstrar o fracasso dos governos europeus no que toca à política de transportes ferroviários. Para fazer a viagem pelos 26 países e atravessar 33 fronteiras foi necessário mudar 55 vezes de locomotiva. A via férrea europeia está repleta de incompatibilidades.
Os políticos da UE insistem em sublinhar a importância da via férrea para alcançarmos as metas climáticas. No início da viagem do comboio especial “Europa Express” a Comissária dos Transportes, Adina Valean, afirmou: “A via férrea é o futuro, e é crucial para a mitigação das alterações climáticas e a criação de um sistema de transportes neutro em emissões de carbono.” Frans Timmermans, Vice-Presidente executivo do Pacto Ecológico Europeu, alertou: “temos que restringir os voos de curta distância e tornar as viagens de menos de 500 quilómetros neutras em relação às emissões de carbono.” Ou seja, precisamos de “mais ferrovia”.
Recentemente, a agência noticiosa “Investigate Europe” tem vindo a investigar as razões que fazem com que a rede ferroviária europeia ainda pareça “uma manta de retalhos” ineficaz, apesar de décadas de planos e promessas. O Tribunal de Contas Europeu confirma-o e acusa os responsáveis de falta de vontade em cooperar.
O que justifica esta situação? Por que razão é que na Europa não é possível, simplesmente, comprar um bilhete online para viajar entre Lisboa e Berlim? Por que motivo já quase não existem comboios noturnos que possam substituir os voos? Quem é que lucra com as décadasde negligência a que a ferrovia tem sido votada? E até que ponto é que as promessas de mudança dos responsáveis são para levar a sério?
As conclusões são inquietantes:
- A análise dos dados comprova que os Estados europeus continuam a investir mais na rodovia do que na ferrovia.
- Nos últimos 20 anos, foram desativados 6.000 quilómetros de via férrea.
- Desde 2001, a UE publica diretivas para a criação de um mercado ferroviário europeu com uma tecnologia mais uniforme. Contudo, os Estados da UE estão a sabotar a implementação de um sistema de sinalização uniforme. As empresas nacionais criam barreiras no mercado, em vez de promover as ligações transfronteiriças.
- A “Investigate Europe” conseguiu documentar-se acerca de vários exemplos dos chamados “acordos de não-agressão” entre operadores ferroviários nacionais. Com eles, as empresas comprometem-se a coexistir pacificamente, evitando a concorrência que aumentaria a oferta destinada aos seus clientes.
- Em toda a Europa as empresas continuam a operar com comboios que são compatíveis apenas dentro da sua própria rede. Estes comboios são completamente inapropriados para a circulação transfronteiriça.
- Os Estados Europeus tentam proteger os seus mercados através de novas normas. Em vários Estados da UE, os maquinistas têm que ter bons conhecimentos na língua de cada país para poderem dirigir comboios internacionais. Não existe uma unificação linguística como no transporte aéreo.
- No Conselho Europeu, a Alemanha e a França têm vindo sistematicamente a bloquear uma iniciativa legislativa que ambiciona providenciar mais direitos aos utentes. Como consequência, estes continuam sem ter uma página web com a informação acerca de todos os horários e bilhetes para uma viagem pela Europa.
- Durante as últimas décadas, em quase todos os países europeus, as empresas reduziram a sua oferta nas viagens noturnas sem oferecer quaisquer outras alternativas. Fizeram-no, apesar da necessidade urgente de aumentar a via férrea para evitar as viagens de avião.
- O Tribunal de Contas Europeu revela que, em vez de financiar projetos que melhorariam a situação da rede ferroviária europeia no imediato, os Estados europeus continuam a investir bilhões em megaprojetos ineficientes. Os auditores que foram consultados pela “Investigate Europe” lançaram duras críticas a esses “trabalhos descoordenados”.
- Principalmente no caso das viagens de longo curso, as empresas veem-se obrigadas, antes de mais, a apresentar lucros. E isto leva a resultados absurdos. Para a viagem de 600 quilómetros entre Lisboa e Madrid, os passageiros veem-se obrigados a mudar de comboio três vezes numa viagem de onze horas.
Os resultados da investigação ficarão disponíveis na edição online da ECO123 do próximo sábado.