Home | Portugal | Entrevistas | Há um lugar para lá do certo e do errado
É aí que te vou encontrar
Rumi

Há um lugar para lá do certo e do errado
É aí que te vou encontrar
Rumi

Será a paz uma forma de ultrapassar os conflitos?
Sim, tive que refletir sobre isso durante algum tempo. Talvez, poderá dizer-se. Mas talvez também poderá significar suportar os conflitos, saber viver com os mesmos. É importante não estagnar num pensamento certo e errado, ou no “só um de nós é que pode ter razão”, mas sim conseguir o encontro de interesses comuns.

A comunicação não violenta é uma ferramenta para a paz?
Eu não lhe chamaria ferramenta. Ela usa ferramentas mas, no fundo, é muito mais uma postura e uma forma de vida.
Poderá a comunicação não violenta – se nos libertarmos de padrões antigos – ajudar-nos, não só nas relações interpessoais, mas também na área da política?
Sim. Quando acompanho debates, encontro comportamentos que, na maior parte dos casos, se desenrolam a um nível estratégico, em vez de se orientarem nas necessidades. Iremos encontrar soluções quando não houver só a vitória de um partido e este alcançar uma posição que os outros depois têm de seguir, subjugando-se. É importante o encontro ao nível humano. Não se trata de haver uma desistência, mas sim, de encontrar caminhos que satisfaçam o maior número possível de necessidades comuns a todos.

Como foi a sua juventude?
Eu descobri na minha vida que queria ser muito especial, de certa forma. Não nos chegam a perguntar que necessidades tem uma criança ou um jovem. Lembro-me de não me perguntarem por que razão não tinha ido às aulas na escola. Isto aconteceu-me. Nenhum dos meus professores me perguntou: Por que razão é que não vens às aulas? O que é que te falta aqui? O que é que encontras onde vais em vez de vires às aulas? Isso ter-me-ia ajudado mais a sentir que olhavam por mim e a encontrar uma solução, em vez de ouvir que é mau não aparecer, e que tenho de ir às aulas senão irei receber notas más.

O que significa a escola para si e quais são as recordações que ficaram dessa altura?
Claro que aprendi muito na escola. Mas também tive esta experiência de que o nosso ser não é realmente visto, não se vê aquilo que somos, o que queremos e como nos poderemos desenvolver melhor. Havia um certo programa escolar a decorar. Chamavam-nos regularmente à atenção para aprendermos a pensar por nós próprios, mas só vi isso concretizado poucas vezes durante as aulas.
Onde nos viam como pessoas era no grupo de teatro. Essa era a principal razão que eu tinha para ir à escola numa altura em que estava numa crise e não me sentia bem-vinda.

Qual seria o primeiro passo para uma comunicação não violenta?
Passaria por aprendermos logo cedo a conhecer as nossas necessidades e a saber o que precisamos para fazer uma certa coisa. A comunicação não violenta parte do princípio de que toda a ação do Homem acontece porque ele quer satisfazer as suas necessidades. Por detrás de toda a ação há uma motivação. Nem sempre temos sucesso com isso e uma das razões é também por, muitas vezes, nem sabermos o que queremos para nós. Se tivéssemos mais formação nesse ponto, isso poupar-nos-ia muita dor. A nós próprios e no contacto com outras pessoas.

Quando falamos de necessidades materiais, chegamos ao consumo e ao desperdício …
Sim, esse é um bom exemplo para uma ação em que alguém não tem consciência sobre as necessidades que ele ou ela quer satisfazer. Compro algo para mim, porque algo me diz que se eu comprar isto me irei sentir melhor e irei ser mais feliz. Mas acabamos por não saber qual a necessidade que pretendemos satisfazer. Muitas vezes só notamos muito mais tarde que essa necessidade não ficou satisfeita. Trata-se apenas de uma espécie de auto-satisfação.
Mas, quando me pergunto o que pretendo satisfazer com isso, talvez me lembre de estratégias completamente diferentes para encontrar a felicidade. O cuidar do planeta por exemplo, e muitos outros.

Como quer viver?
Quero viver com pessoas que partilham a mesma visão que eu e que trabalham para a alcançar.

comunicação não violenta
Janne Ellenberger

E por que não com pessoas que não partilhem a sua visão, mas sim uma visão oposta? Também seria interessante…
Eu procuro companheirismo, acolhimento, comunidade. É aí que eu encontro compreensão, partilha e eficácia, e é isso que me alimenta. Dessa forma, trato-me bem e sinto pertença. Porque, juntos, conseguimos movimentar mais. Assim, consigo confrontar outras pessoas que têm opiniões completamente diferentes da minha. Eu preciso de uma comunidade que me faça bem e na qual possa ter confiança. Também foi para viver em contacto com a Natureza que, após 13 anos, saí da cidade para viver com pessoas de várias idades, ou seja, também com crianças e com idosos.

Como terapeuta também tem que encontrar uma chave para o sucesso. Há algum episódio especial que queira partilhar connosco?
Há um que tenho bem presente por ter acontecido há pouco tempo, em que uma cliente me disse: eu, em princípio, tencionava suicidar-me pouco tempo antes do meu aniversário. Depois, perguntei-lhe o que a tinha levado a desistir da ideia? Ela respondeu que com as nossas sessões em conjunto, agora, tinha aprendido a compreender melhor o que está por detrás dos seus sentimentos, o que precisa na vida e que necessidades tem. Fiquei muito emocionada.
A comunicação não violenta é a chave para aprendermos a nos compreendermos melhor, tratarmos melhor de nós mesmos e termos um contacto muito melhor com os outros. Oiço algumas pessoas dizerem: oh, gostaria tanto de ter aprendido isto há 60 anos atrás. O percurso da minha vida teria sido outro, menos doloroso.

Voltemos ao início da nossa conversa e falemos sobre a paz. Como é que ela se relaciona com o seu trabalho?
A paz é a capacidade de falarmos uns com os outros de uma forma que respeita todas as pessoas e lhes deixa espaço. Pessoas grandes e pequenas, pessoas masculinas e femininas, as opiniões da maioria e as da minoria, todos.
Irá haver sempre equívocos e conflitos – a questão é como lidamos com eles. Uma sociedade em que reina a paz pode ser reconhecida pela forma como as pessoas lidam umas com as outras, de forma a que ninguém se sinta ignorado.

Obrigado.

Falámos com Janne Ellenberger (37 anos) do outro lado da União Europeia, em Varsóvia, na Polónia. A terapeuta, massagista e coach em amor, sexualidade e relações conjugais vive na Alemanha, dá seminários em vários países europeus e participa em vários projetos para a paz, em Israel e na Palestina.

About the author

Uwe Heitkamp, 53 anos, jornalista e realizador, vive 25 anos em Monchique, Portugal. Adore caminhadas na montanha e natação nas ribeiras e barragens. Escreve e conte histórias sobre os humanos em relação com a ecologia e a economia. Pense que ambas devem ser entendido em conjunto. O seu actual filme “Herdeiros da Revolução” conta durante 60 minutos a história de uma longa caminhada, que atravessa Portugal. Dez protagonistas desenham um relatório da sua vida na serra e no interior do país. O filme mostra profundas impressões entre a beleza da natureza e a vida humana. Qual será o caminho para o futuro de Portugal? (Assine já o ECO123 e receberá o filme na Mediateca)

Check Also

“Este é um trabalho de todos”
Continuação da semana passada

Sábado, dia  22 de junho de 2024. Continuação da entrevista da semana passada: Eco123: Existem …

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.