Presidente da CM Monchique:
ECO123; Como criamos um Portugal sem incêndios florestais?
Rui André: Em Monchique ocorreram vários fogos, mas a estratégia de um ataque inicial muito forte permitiu que praticamente todos fossem apagados logo no início. Face à vulnerabilidade do território, encaramos estes resultados como positivos mas também houve alguma sorte. Noutros sítios, e com a mesma estratégia, infelizmente este ano aconteceu arder tudo como aqui sucedeu em 2003. Ainda há muito trabalho pela frente.
Há três pilares essenciais na gestão de incêndios florestais – prevenção, vigilância e combate. No combate penso que o que temos é, para já, suficiente. Na vigilância, o município de Monchique foi pioneiro em aspectos como os protocolos com o exército e clubes da caça ou os postos de vigia fixos. Na prevenção, ainda falta fazer muita coisa, incluindo envolver mais as pessoas e os proprietários dos terrenos.
Há muitos anos atrás não havia este tipo de incêndios, quer pela própria organização da natureza quer pelos vários tipos de espécies existentes. Espécies como o medronheiro desenvolvem-se em zonas de descontinuidade florestal e acabam por ser menos inflamáveis. Os fundos comunitários da U.E. potenciaram a propagação do eucalipto por todo o território. Esta monocultura faz com que vivamos com um cenário de alto risco e perigo constante.
ECO123:Qual é a sua posição sobre a nova «Lei do eucalipto»?
O eucalipto deve ser visto como muito mais do que apenas uma fonte de madeira. Em Monchique, há 30 anos atrás, fornecia a indústria dos óleos de aroma. Hoje já não se explora este potencial. Faltam apoios aos pequenos proprietários e produtores. Os primeiros foram-se desligando da floresta e abandonaram os seus terrenos – e a indústria da celulose compra-os, aluga-os ou toma conta deles. E, em verdade, preocupa-me cada vez mais a gestão destas empresas…
Monchique perdeu, deste 1960, mais de metade da população. Como pode uma Câmara Municipal apoiar e estimular o regresso de pessoas?
A Câmara deve ser um agente económico, um impulsionador. O medronho, os enchidos e o mel são hoje importantes para a economia local. Por isso, Monchique – como todo o país – precisa saber que, em termos turísticos, o Algarve não é só sol e praia mas muito mais.
Não falemos do turismo, mas sim da agricultura, da produção e comercialização: plantar árvores autóctones, fazer azeite, moer alfarroba, criar produtos da cortiça e do castanheiro, cerejas…
Um eucalipto, após dez anos, rende cinco euros. Antes dos incêndios, vendíamos em Monchique cerca de 80.000 arrobas de cortiça. Temos actualmente 62 destilarias de medronho legalizadas. Plantar medronheiros cria riqueza. Plantar um castanheiro também. Após poucos anos, dá um quilo de castanhas, que rende três a quatro euros. Precisamos criar redes de interesses, em que, por exemplo, os restaurantes não recorram às grandes superfícies, mas sim que comprem batatas e couves localmente. Monchique no futuro não deve crescer mais com o eucalipto. Um exemplo: Monchique é muito rico em cogumelos, que precisamos de explorar com responsabilidade. Outro: organizámos um banco de terras, juntamente com a Direcção Regional da Agricultura, para que quem procura terreno contacte com proprietários que não os querem explorar. Falta um mediador que seja um garante de que tudo corre bem. Falamos de contratos para rentabilizar os terrenos e, se um casal jovem quer alugar, têm de durar 10 ou 15 anos. Temos um território rico, tem de ser vivido, participado, partilhado… Criar redes mudar o paradigma do país.