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Dr. António Pires de Limacom Eng. António Manuel Patrício Comprido gestor de CÂMARA DE COMÉRCIO LUSO-BRITÂNICA (BP-Portugal)

O Senhor Ministro

Não é todos os dias que encontramos o Senhor Ministro se não estivermos na capital, e, mesmo assim, também não é todos os dias que o próprio Senhor Ministro lá está. Ele viaja com frequência pelo país, por vezes até pelo estrangeiro. Por volta do meio-dia ele era aguardado para um almoço com os empresários das Câmaras de Comércio e Indústria portuguesa e estrangeira. Pagou-se cinquenta euros de entrada, mais o IVA, e aguardou-se com satisfação a chegada do Senhor Ministro. Às vezes esperamos a vida inteira por algo, muitas vezes sem sabermos porquê, quase sempre sem nenhum motivo aparente. Esperar faz tanto parte de Portugal quanto o sol. Passou a uma hora, e depois o quarto de hora ‘da praxe’, e, a certa altura, uma limusina preta pára à entrada do grande hotel.
Um porteiro abre a porta e o Senhor Ministro desce, aperta algumas mãos, dá uma palmadinha nos ombros de alguns cavalheiros, abraça alguns colegas de partido e faz um sorriso forçado. Já aparentava estar um pouco cansado, vinha de uma inauguração e queria partir para a próxima, após o almoço. Transpirava um pouco, e o fato e a gravata não estavam bem ajustados. Homem com uma agenda muito preenchida, assim que passou pela porta o jornalista parou-o com um microfone. “Senhor Ministro, permite-me uma pergunta rápida?” O Senhor Ministro, apressado, anuiu. “Qual a importância concreta do conceito de sustentabilidade na sua política?”

Dr. António Pires de Lima
Dr. António Pires de Lima

A questão não foi oportuna para o Senhor Ministro. “O que quer dizer com sustentabilidade?”, perguntou, devolvendo a questão. “Sustentabilidade na política ambiental, financeira ou social? Na verdade, toda a nossa política do último ano é sustentável.” “Por favor, dê um exemplo para os nossos leitores”, pediu o jornalista. “Agora não, agora queremos ir e, antes de mais nada, comer alguma coisa”, disse o Senhor Ministro. E então, depois das entradas, começou a sua palestra sobre aquele último ano em que foi nomeado ministro. Ao mesmo tempo, o jornalista engasgava-se com um pequeno pedaço de bacalhau com couve amarga. O chef do hotel deve ter tido uma premonição sobre a importância da sua criação: em cada porção, adicionou uma pitada da real situação do país. Só assim se pode explicar o estranho sabor do prato principal, submerso nos números mesquinhos e disfarçados do crescimento da economia portuguesa, que o Senhor Ministro reportava. Fechou o seu discurso com as palavras “Vamos fazer de Portugal um país amigo do investimento”.
Na família do jornalista, a ‘Sexta-feira informal’ começava sempre na Segunda-feira. Em contrapartida, o código de vestuário daqueles que, erradamente, se julgavam a elite do país, tinha mais em comum com uma cena fúnebre de um filme do velho realizador Manoel de Oliveira. E assim o jornalista explicou porque não pôde comparecer de fato e gravata no almoço. “Os portugueses são um povo com capacidade de sofrimento”, comentou um empresário sentado ao seu lado, e que conhecia bem a economia oligárquica de Portugal. Há 50 anos que ele assistia a este circo. Também o jornalista tinha um pequeno aniversário a celebrar. Há um quarto de século que tinha a honra de conhecer directamente políticos portugueses. Às vezes falava com eles, mas preferia observá-los a uma distância próxima, como numa visita a Sete Rios. Tentava descobrir a causa e o que os levou a tornarem-se alfas na gaiola política; o que os motivava a chegar ao centro do poder? E o que faziam então? Pelo caminho, também se questionou sobre o que qualificava o administrador de uma cervejeira para se tornar Ministro da Economia?

Às vezes esperamos a vida inteira por algo, muitas vezes sem sabermos porquê, quase sempre sem nenhum motivo aparente

A atitude profissional, económica e política do Senhor Ministro denuncia o seu histórico académico. Fez um doutoramento na Universidade de Navarra, da Opus Dei Católica Espanhola. Posteriormente, foi durante anos gestor de uma conhecida empresa cervejeira. A política do seu governo é marcada por cortes nos serviços públicos, aumento de impostos, venda de empresas estatais, por tornar mais barato o trabalho e diminuir a protecção contra os despedimentos, e pelas horrendas portagens nas autoestradas, sem equivalente na Europa. Os trabalhadores ainda empregados tiveram que aceitar a perda de quatro dias de férias e trabalhar mais 30 minutos por dia sem um aumento no salário. Os empresários foram estrangulados ao limite da viabilidade pela burocracia, com cada vez mais directivas. Num país em que 16 por cento das pessoas em idade activa estavam desempregadas, esta política conduziu inicialmente a uma estrada de sentido único, que muitos entendiam, cada vez mais, como um beco sem saída. Dezenas de milhar de jovens portugueses com habilitações deixaram o país, porque quase um em cada três estava desempregado. O número de pessoas a passar fome aumentou, e o próximo Verão com incêndios florestais causados pelas condições climáticas estava para chegar. Preferiu não colocar nenhuma questão sobre corrupção.
Mas o jornalista levantou a mão novamente. Estruturou os seus pensamentos em algumas perguntas. “O que haja o Senhor Ministro da ideia de se acoplar o poder da economia à satisfação dos seus cidadãos? Como propõe fortalecer a economia de Portugal, tornando-a menos dependente dos combustíveis fósseis? Como perspectiva o futuro, se, por uma vez, não nos focarmos em cortes na despesa e aumento de impostos?” Mas a agenda do Senhor Ministro estava demasiado preenchida para responder a estas questões. Além disso, o seu assessor informou o jornalista que as palavras do Senhor Ministro não deveriam ser publicadas. Numa altura em que dinheiro e tempo significavam tudo e nada, e em que não havia o suficiente de nenhum deles, cada governo assumia apenas os fardos dos seus antecessores com uma perspectiva retrógrada. Mas num mundo onde não havia lugar para as visões criativas e orientadas para o futuro, com conceitos e tecnologias para um país sustentável e melhor equipado, também os media apenas se interessavam em retornar o país aos mercados financeiros.

Uwe Heitkamp (54) vive há 25 anos em Portugal como jornalista, realizador e autor. Vive da agri- cultura biológica, da produção e venda de energia solar e é apaixonado por caminhadas. Para a curta história “O Senhor Ministro”, viajou de Monchique para Lisboa e regressou, emitindo 4,49 kg de CO 2 de Alfa Pendular e 3,93 kg de CO 2 de Intercidades, bem como 13,2 kg de CO 2 nas viagens no seu pró- prio automóvel de/para a estação e de táxi. (Total: 21,62 kg CO 2 ).

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