Desperto. Acendo a luz e estou no quarto que reservei por 45 euros e onde aceitam o meu cão por um suplemento de 5 euros. Pergunto se esse valor inclui pequeno-almoço para o cão, mas fico sem resposta. Pelo menos é permitido trazer animais de estimação. Com o comando, ligo o televisor pendurado no canto da parede junto ao teto para ver o boletim meteorológico. Tudo na mesma. Tempo quente e seco. É um tempo maravilhoso para os turistas, mas mau para a silvicultura, a agricultura e para o clima. As plantações de abacate e laranja, plantadas em monocultura à volta de Silves, este ano, não terão hipótese de sobreviver sem rega. Não chove. Estão a contar com a água das barragens da região. Mesmo assim, os funcionários das instituições agrícolas e ambientais do Algarve não se lembram de promover um gasto de água mais sustentável.
Quanto tempo teremos ainda? Qual será o tamanho do rombo no casco do nosso navio? Quando irá ao fundo? Vamos aproveitar este tempo, em que 195 estados de todo o mundo se encontram pela 26.ª vez para uma cimeira internacional do clima, a chamada COP26, desta vez em Glasgow, para prepararem a mais importante decisão da humanidade. Pelo menos é o que dizem os jornalistas da capital…
Regresso à Natureza.
Não, não voei para Glasgow para fazer a cobertura do evento. Em vez disso, crio elos com a Natureza, passando sobre a ponte, na Estrada Nacional 124, no Enxerim, e entro, logo de seguida, no trilho à esquerda. São quase nove da manhã. É tão fácil mergulhar na natureza, sair do alcatrão, do betão, da arquitetura moderna e do barulho do trânsito. Por toda a parte, ao lado do antigo caminho dos peregrinos, vemos campos por cultivar e casas abandonadas. É algo que fica oculto a quem passa de carro. A partir de um certo ponto, já nem sequer ruínas há. O meu caminho é outro: a decisão de me deslocar a pé significa ver, ouvir, cheirar e sentir mais – todos os sentidos despertam. Descobrimos “os bastidores” de um país. Sigo a sinalização vermelha e branca e chego a um caminho escarpado que ruma diretamente para Este, acompanhado um longo período pelo leito de um ribeiro seco onde deixaram caídos, de qualquer maneira, restos do abate de eucaliptos.
Este ano tomei uma decisão completamente diferente. Vou concentrar-me na minha caminhada pelo campo e relatar nesta história uma parte do que escrevo no meu diário de caminhada. Decididamente, está calor a mais para o mês de outubro. Não precisamos de ir ao congresso do clima para falar sobre isso. Decididamente, não chove o suficiente durante o outono, e durante o inverno. Não é necessário debater mais esse facto. Ao mesmo tempo, os silvicultores e a Navigator Company plantam ainda mais monoculturas, que esgotam as reservas de água no solo e prejudicam a biodiversidade. À parte de muitos outros, esse é um dos aspetos a que temos que estar atentos: Que destino dar à água que se encontra disponível no Algarve e como salvar a diversidade da fauna e flora locais? Não estará na hora de colocar os pontos nos is e taparmos o tal “buraco no casco do navio”? Ou, dito de outra forma, não estará na hora de plantar somente espécies autóctones que estão adaptadas às condições hídricas da região e reduzem o perigo de incêndio? Não estará na hora de pararmos por um momento para pensar, questionando se o dinheiro pode ser comido e se uma gestão sustentável dos recursos hídricos não será o mais importante de tudo?
Voar para Glasgow, emitindo mais CO2 para perder tempo com conversas, em vez de estabelecer metas claras internacionais, nacionais e regionais? Não? Todos sabemos o que está em jogo: trata-se de colocar fim à ditadura da indústria sobre a Natureza. Poderá ser uma desintoxicação difícil de realizar, mas, entretanto, todos os políticos regionais e empreendedores deverão ter compreendido que o lucro só poderá surgir quando trabalhando em sintonia com as leis da Natureza. Durante quanto tempo mais pretendem colocar as leis do mercado acima das leis da Natureza? E, se assim for, durante quanto tempo mais pretenderá a Humanidade subjugar a Terra, em vez de se integrar nela? E, caso os 195 Estados não conseguirem chegar, uma vez mais, a uma decisão concreta nesta cimeira do clima, porque pretendem continuar como se a atual situação estivesse ótima, ou se fizerem promessas vãs, então o número de habitantes do planeta Terra sofrerá uma diminuição em consequência das catástrofes naturais. A água das fontes, dos ribeiros e dos rios irá desaparecer e experienciaremos verões cada vez mais longos e invernos cada vez mais curtos. A época das chuvas tem vindo a reduzir-se nos últimos anos. Os lençóis freáticos descem no interior. Refugiados climáticos fogem das regiões de seca extrema para a Europa. Simultaneamente, daqui a pouco tempo seremos dez bilhões de pessoas a consumir água como se nada fosse, e oito milhões continuarão a queimar carvão, gás, petróleo e seus derivados, diariamente, para cozinhar, produzir eletricidade, andar de carro e voar; em prol do seu conforto. A temperatura sobe, e a meta de 1,5 graus Celsius mencionada no Tratado de Paris será atingida daqui a poucos anos. E depois? Iremos ao fundo, dançando e cantando como os passageiros do Titanic, ignorando o tamanho do rasgo no casco?
Menos é mais?
As consequências das alterações climáticas já nos afetam nos dias de hoje. Penso que nós, os jornalistas, temos que colocar o dedo na ferida quando vemos os rios a transbordar as margens, diques a romper ou a vida no nosso planeta ameaçada por secas extremas, a água a escassear e tudo a sair do seu equilíbrio. Como jornalistas, devemos revelar, sem preconceito, os contextos e as razões. O planeta está a reagir, e já está a ficar inabitável em vários locais. Os danos estão ainda a ser ocultados, graças aos subsídios e seguros. Mas, quantas vezes poderá secar um ribeiro, ficar dizimada a biodiversidade; poderão trovoadas com granizo e trombas de água fazer transbordar ribeiros ou rios até que falte o dinheiro para a sua reconstrução? Seria mais simples levar a sério três palavras: Menos é mais. Não quero que me entendam mal. Somos cada vez mais pessoas neste pequeno planeta, mas a maior parte continua a viver a vida como se fosse o último dia de apostas no casino, como se não houvesse futuro para as próximas gerações.
É a política que tem o dever de encontrar saídas para a crise, a ganância e os exageros? Os corresponsáveis pelas alterações climáticas, que dão à chave da sua viatura diariamente, deveriam saber o que estão a fazer à humanidade. Deveriam saber que os seus motores queimam gasolina, libertando, pelo escape, emissões de CO2 e outros gases nocivos para a atmosfera que me prejudicam enquanto caminho. Estamos a levar-nos demasiado a sério enquanto humanidade, não levando sequer a sério as alterações climáticas que nós próprios iniciámos?
Como jornalista, já não viajo de avião como antigamente, para ir a um qualquer congresso sobre o clima. Nem mesmo para Glasgow. Nem participo nas sessões com inúmeros discursos egoístas. Fala-se muito nos congressos, e todos pensam apenas em si, ignorando o todo. Todos sabem que é decisivo. Por isso, já não viajo de avião. E recomendo a todos que se queiram pronunciar que calculem primeiro a sua pegada ambiental para depois começarem a renunciar a algumas coisas ou, pelo menos, darem um passo em direção à neutralidade climática, levando a peito o lema: menos é mais. Chegar de comboio também pode ser bom. Ou fazer uma caminhada de alguns dias em vez de escolher um destino de férias para o qual seja necessário voar…
Assumimos compromissos?
A minha pegada ambiental já não suporta voos ou conversas que não resultam em nada. Prefiro ficar em casa a tomar conta da jovem floresta da nossa associação e contribuir para algo que torne as nossas florestas mais resilientes. Juntamente com amigos, estou a instalar um sistema de aspersores para combater os incêndios florestais no futuro. Recebi esta boa notícia durante o meu segundo dia de caminhada: Está assegurado o financiamento do sistema de aspersores através da campanha de crowdfunding da ECO123. Pretendemos plantar uma floresta diversa para reduzir a nossa própria pegada ambiental e para mostrar que a diversidade pode ser útil a todos.
Existem várias coisas que pratico há anos: já não viajo de avião e não como carne ou outros derivados de animais mortos. Essa renúncia não é fácil. E decidi fazer esta longa caminhada para verificar o estado do meu mundo interior. Num longo processo, consegui reduzir as minhas necessidades e, com elas, a minha pegada ambiental e as emissões de CO2 que agora rondam uma tonelada por ano. Contrapondo: um português, em média, emite cinco toneladas de CO2 por ano e um alemão emite onze. O meu objetivo é conseguir chegar à neutralidade climática o mais depressa possível: idealmente em 2025. Como é que o irei conseguir? Já há dez anos que produzo a eletricidade que necessito para o meu trabalho com 40 módulos solares que fornecem 14.000 kWh por ano. Sabe bem poder fazer algo para melhorar a situação, produzindo assim a eletricidade que gasto. É algo que está nas minhas mãos, é independente dos governos e da crítica que se possa fazer aos políticos. Assim, a cada ano que passa, reduzo mais as emissões. A minha pegada ambiental provocada pela mobilidade e pelo lar fica cada vez menor. Não vale a pena criticar constantemente os políticos pela sua passividade. Temos que impor a nós mesmos metas ambientais, e disso faz parte prescindir de algumas coisas e alterar os padrões de consumo. Claro que o contexto político tem que ser favorável. Mas só isso não basta.
Olhemos bem para nós mesmos. Fazemos parte de um sistema, desse sistema sobreaquecido que queima carvão, gás e petróleo, até ao ponto em que nos será apresentada a fatura se não avançarmos na direção certa, agora. Fomos nós que desequilibrámos a nossa vida em relação à Natureza. Mas podemos voltar a equilibrá-la se vivermos de forma cuidada e consequente. Porém, isto exige trabalho e um conceito diferente do que é viver a vida. Os políticos deveriam passar essa mensagem em vez de continuar a pintar de cor-de-rosa a transição para a neutralidade climática. É algo que exige renúncias e novos valores. Em vez desta vida segundo os princípios da concorrência, bastava “somente” haver cooperação e respeito por todos os seres vivos, que não deveríamos mais sujeitar ao tomento em explorações intensivas para depois serem abatidos e comidos. Esse é um passo decisivo na direção certa: comer menos carne, e…
… consumir menos energia, o que também significa desperdiçar menos energia, exigir menos energia, ter mais calma. Apaguemos a luz quando nos vamos deitar para podermos repousar. Quando já fizemos o suficiente para o nosso sustento, quer seja em 40 ou em 20 horas semanais, podemos bem ir dormir e descansar. Sejamos humildes. Ajudemo-nos uns aos outros, partilhando a nossa riqueza com todos os habitantes deste planeta. Será que ainda não compreendemos que viemos nus ao mundo e assim partiremos também? Não levamos nada que seja bem material, mas temos a possibilidade de deixar coisas boas na Terra, uma atmosfera equilibrada e de paz, por exemplo. Todos nós podemos consegui-lo. Penso sempre nisso quando caminho. Por isso, o decrescimento é bom, e é bom voltar a andar sobre os próprios pés em vez de voar de férias ou conduzir para ir para o trabalho, para as compras ou para a discoteca. Consigo notar sempre quando fico com menos forças. Isso também é importante, conhecer-se a si próprio e aos seus limites…
Todos nós podemos, se nos focarmos nessa meta, reduzir as nossas emissões de CO2, passo a passo, até chegarmos às zero emissões. Chegará uma altura em que isso será inevitável. O clima irá reclamar o respeito que merece.
Andar a pé é a forma de locomoção mais natural do Homem. Sinto isso dentro de mim quando parto no segundo dia de Silves a caminho de S. Bartolomeu de Messines, a minha próxima etapa em direção a Este, depois de um excelente pequeno-almoço, com muita fruta. Enchi as minhas garrafas de água. A minha primeira paragem é na misteriosa Barragem do Funcho.
No início do ano de 2022 deixarão de existir guardas-florestais ou “rangers”. É uma profissão que se extinguiu em Portugal no final do século passado. Continua a haver a “GNR Ambiente”, uma “mini-corporação”, que está sediada em Portimão. Está tão sediada que nem sequer patrulha. Toda a região Sul é composta por apenas sete elementos. É que apenas dois por cento da área florestal em Portugal pertence ao Estado. Portanto, o Estado não vê justificação para ter custos com a floresta que não lhe pertence. É assim que evita assumir responsabilidades, entregando a proteção da Natureza aos proprietários florestais particulares. Podemos observar o resultado desta atitude no caminho entre Silves e Messines. Não vou pela EN124 que, uma vez longe de Silves, deixa de ter passeio e os automóveis passam em excesso de velocidade. Vou pelo trilho que segue paralelamente à EN124, a Via Algarviana, uma grande rota oficial do setor 9 onde, há muitos anos não é efetuado qualquer investimento significativo e que se afasta aos poucos da EN124. A determinada altura deixo de ouvir o trânsito.
Que vantagens trazem as grandes rotas ao Algarve e aos seus concelhos? A resposta não é simples. Como, a curto prazo, cria apenas custos, é preciso ganhar dinheiro de outra forma, motivo pelo qual a floresta é habitualmente transformada em dinheiro. Ainda há pouco tempo, durante o verão, foram aqui cortadas árvores e a rama foi deixada pelo caminho, como se fosse lixo, porque nem a Navigator, nem os proprietários florestais fazem uso das folhas ou ramos. Penso em como todo este material retirado das árvores, destroçado, compostado, poderia ser transformado em biomassa, servindo para gerar eletricidade sustentável.
Seria bom que a regulamentação estatal existisse para estes casos, já que estes restos na floresta são altamente inflamáveis e podem originar grandes incêndios. E isso representaria igualmente usar os recursos de forma inteligente. Nem todos os lenhadores compreendem esta lógica. (Ainda) não sabem o que significa ser sustentável.
O sistema do eucalipto.
Primeiro, contacta-se uma equipa de madeireiros com motosserras, combinando um valor para a jorna. Aluga-se um camião de 30 a 40 toneladas para o transporte com grua para a carga, que levará a madeira cortada pelos madeireiros até à fábrica em Setúbal ou Huelva para ser processada. No final do processo, o consumidor obtém um papel branco, tratado com químicos, um importante produto de exportação. Grande parte dos trabalhos hoje em dia são realizados em escritórios. São esses os escritórios que ainda precisam do papel português. E todos participam nesse negócio linear com falta de visão.
O proprietário florestal disponibiliza as terras e recebe um prémio mínimo de 500 euros em dinheiro. A Navigator publicita este negócio com folhetos A5 em Monchique. O trabalho duro na floresta muitas vezes é feito por brasileiros. O Estado finge que não vê. Presumivelmente, não interessa se os trabalhadores florestais estão coletados ou não. A indústria do papel é um bom e fiel contribuinte, um dos poucos que aproveita o seu poder para fazer lobby. As diretrizes de Bruxelas são contornadas com criatividade ou ignoradas. O ICNF*, que, supostamente, é responsável pela proteção da Natureza, há muitos anos que tem o sol tapado pela peneira. Para o ICNF, o eucalipto é apenas uma entre muitas outras espécies de árvores introduzida pela primeira vez em Portugal em meados do século XIX e encontra-se praticamente classificada como uma espécie autóctone. Está na hora de responsabilizar o ICNF pelas suas políticas. Talvez assim, finalmente, se descubra o valor dos danos originados pela passividade na proteção da Natureza e quanta vitamina C a condicionou. O “C” em ICNF deve querer dizer “comercialização” em vez de “conservação”.
É quase meio-dia e há já três horas que Max e eu estamos nesta caminhada tortuosa em direção à Barragem do Funcho. Estamos numa região em que se encontram apenas fontes e ribeiros sem água e eucaliptos cortados. E o tempo continua ótimo para os turistas. Não se vê vivalma, nem pessoas, nem animais. Antigamente, aqui, pelo menos havia cobras a apanhar sol e peixes nos ribeiros. A extinção das espécies deve ter-se iniciado num destes biótopos desaparecidos por causa da seca em Silves. Nem as pessoas a suportam: não há sombras. Não há árvores a segurar as terras com as suas raízes. Max e eu estamos a ser seriamente postos à prova. Caminhamos em pleno sol alto. Será aconselhável parar ao sol para fazer uma pausa, desidratando mais ainda? Não há água. Todas as colinas são só terra, sem vegetação. Por cima de nós passam linhas de alta tensão de 300.000 volts. Ouve-se o seu silvo e zumbido. Há alguns arbustos de medronheiro ao longo do caminho que já se adaptaram à seca. Agora, as nossas reservas de água também estão a chegar ao fim. As forças da natureza, o sol e o vento, persistem em secar os solos desprotegidos das colinas a Este e a Norte de Silves, levantando poeira para a fazer desaparecer por vales e montanhas até ao nirvana. Um troço fatal para os caminhantes com pouco treino e pouca água. A floresta à volta de Silves ardeu no verão de 2003 durante um mês inteiro. Desde esse grande incêndio, nunca foram replantados sobreiros ou pinheiros mansos. Não deixaram a natureza recuperar. Reflorestação? Essa só foi feita com eucalipto em monocultura, segundo interesses de particulares. A natureza está a saque. A paisagem faz lembrar fotografias de Sebastião Salgado das minas de ouro em África ou no Brasil. Aqui iremos ver o princípio da desertificação devido às alterações climáticas se a reflorestação com espécies sustentáveis não arrancar com urgência. Poder-se-ia começar por reflorestar a paisagem à volta da Via Algarviana. A médio e a longo prazo, todo o investimento para travar a desertificação do Sul da Europa irá representar uma mais-valia para o país. Desistir das terras, seja qual for a razão, fará com que estas se percam para sempre. Revitalizar um deserto é um empreendimento caro, e pode vir a tornar-se incomportável. Olho à minha volta. Nada. Nem povoações, nem casas, nem sinal de vida. Continuo a caminhar, sem pressa. Inspiro, expiro, até que também o cérebro ameaça secar a cada respiração.
A ideia.
Caminhar. Ir mastigando lentamente uma amêndoa, comendo um figo seco e uma maçã. Recordar o sabor. Pensar em algo belo. Tirar o chapéu para arejar um pouco. Ajeitar a mochila. Guardo o resto de água para uma emergência. Estou preocupado com o meu cão. Faz uma hora que não bebe nada. O resto da água na minha mochila é para ele. Novamente, avança para me esperar à sombra de um arbusto. Somos unha com carne. Ele sabe que agora tem que ser mentalmente forte e poupar forças porque eu não o consigo carregar, pesa 44 kg. Acabaríamos por ficar aqui caídos os dois a morrer e a secar. Não há botão de emergência neste trajeto. Ninguém passa por aqui. Ninguém vem ao nosso encontro. Se um de nós perder as forças, nem sequer é possível telefonar. Não há rede de telemóvel na maior parte dos vales da região a Este de Silves. Envio uma mensagem à minha mulher a dizer onde estou, referindo que nos encontramos a quatro quilómetros da barragem. Só consigo enviar a mensagem à quinta tentativa. Mais uma hora a caminhar. Uma solidão incrível. Silêncio. Mas este momento idílico é interrompido por um ruído. Um casal aproxima-se de moto-quatro. Acenam e desaparecem tão depressa como apareceram. O que é reconfortante é que a situação já não pode piorar mais. E, para melhorar, todos teriam que ultrapassar o próprio ego. Ando mais duas, três horas. Tudo na mesma. O estado de saúde do meu cão começa a preocupar-me seriamente.
Rosa Cristina Gonçalves da Palma é a nova (e antiga) Presidente da Câmara de Silves. Obteve 6.457 votos nas eleições autárquicas de 26 de setembro, o que corresponde a 43,10% dos votos. Se reservasse no seu orçamento para 2022 e 2023 alguns milhares de euros – um montante de quatro dígitos – para os utilizar na florestação, o velho caminho dos peregrinos beneficiaria imensamente. Dever-se-ia simplesmente convidar a Presidente da Câmara a juntar-se a nós numa caminhada como esta e explicar-lhe a ideia na prática. Se plantasse árvores autóctones durante os meses de inverno, a cada cinco metros apenas à esquerda e à direita do trilho, estaria a fazer um investimento sustentável na sua própria região.
A reflorestação da Via Algarviana e posterior rega e manutenção das árvores no verão poderia ser realizada por escolas, pelos bombeiros de Silves, ou por voluntários. Os caminhantes ficariam agradados com mais verde à volta do trilho e compensariam os custos de investimento pagando uma taxa turística em Silves. Seria um investimento de longo prazo na natureza e no turismo de natureza. E também um primeiro passo para travar a desertificação do Algarve.
Sem investimento não há lucro…
E se, no final, sobrassem umas poucas centenas de euros do orçamento, poderia instalar-se dois bancos de jardim e uma mesa para que os caminhantes pudessem sentar-se por um momento a descansar, comer uma sandes e beber uma ‘pinga’ de água. Não há necessidade de colocar uma máquina de venda de latas de Coca-Cola no meio da paisagem…, mas sombra é essencial. E a melhor, proporcionada pelas árvores, claro…
Na colina com a melhor vista de todas, olho para trás, para Monchique, de onde tinha partido no dia anterior. Estou a 250 metros de altitude e o caminho bifurca-se neste local. Sigo com o meu cão para a direita. São dois quilómetros com um desnível de 180 metros até chegarmos ao leito seco de um rio, para onde descarrega a Barragem do Funcho. De repente, o meu cão desapareceu. Encontro-o a tomar banho num ribeiro. Olha-me todo satisfeito, como quem diz: olha o que descobri. O trilho serpenteia por entre sobreiros, azinheiras e alguns medronheiros. São velhas árvores autóctones de crescimento lento e pouco exigentes. Nesta colina, há uma fonte com água que segue num ribeiro que cruza o caminho, continuando a escorrer em cascatas para o vale do lado direito. Que sorte! Ainda bem que se esqueceram de transformar este último reduto de Silves em monocultura também. Volto a encher as garrafas e provo a água. Tenho que confiar nos meus sentidos. Encontrar água pura no Algarve, em outubro, depois de um verão longo e quente, é um momento alto em qualquer dia de caminhada. Há 20 anos atrás, quando fiz uma caminhada longa nesta região pela primeira vez, ainda havia muitas fontes a jorrar água no outono. Hoje, já nem estava à espera de encontrar nada. É uma grande felicidade para mim. Água!
Nesta sociedade de consumo, ninguém consegue imaginar o que significa não ter água e estar com uma sede infernal. Enquanto ela estiver sempre disponível, também não conseguimos imaginar abrir a torneira da cozinha e não ver sair água. Para quem vive na cidade, é inimaginável e absurdo haver falta de água. Estão distanciados demais da natureza…
Ainda faltam dois quilómetros até à barragem. Uma boa meia hora até que se vejam as águas cristalinas da Barragem do Funcho, que evita que tudo seque no Algarve, especialmente nos meses de verão. Subimos pelo caminho que sobe pelo dique de 50 metros de altura. O muro do reservatório tem 100 metros de comprimento. Chegamos a um parque de merendas sombreados por belos pinheiros mansos. São 14 horas. Chega, por hoje. Vou enviar o meu cão de volta a casa, pois estão uns tórridos 32 graus à sombra, apesar de estarmos em outubro. Nestes 17 quilómetros encontrámos apenas uma fonte. O melhor para Max é descansar.
Stefanie vem ter connosco e organizou um piquenique para nós no parque de merendas, perto do Centro Nacional de Reprodução do Lince-Ibérico. E depois? Ainda faltam quase 15 km até à Casa do Povo, em S.B. Messines, onde passo a próxima noite. Depois, o caminho segue por Alte e Salir até à Serra do Caldeirão. Decido continuar esse trajeto para Este, agora sozinho.