Docente e investigadora do Centro de Investigação de Direito Económico, Financeiro e Fiscal (CIDEFF) da Faculdade de Direito de Lisboa, Nazaré Cabral desenvolve o seu trabalho, desde há duas décadas, em áreas como Segurança Social, Finanças Púbicas e União Económica e Monetária. É autora de uma obra considerável nestas áreas desde 2001 e faz parte da Comissão Científica do 17° Congresso BIEN. Considera o RBI como uma “medida apelativa”, mas é reticente quanto à sua implementação, considera ser necessário ponderar as “implicações que terá em relação ao trabalho” e o “impacto que poderá ter em termos da distribuição da riqueza”.
ECO123: Que análise faz do Rendimento Básico incondicional (RBI)?
N.C.: Está a surgir como uma nova forma de prestação social, associada a outro tipo de figuras, como o Rendimento Mínimo. Independentemente dos estudos, é uma figura de implantação recente e relativamente experimental. É preciso tentar perceber quais são as suas características, fundamentos e eventuais fragilidades.
O que acha da possibilidade de financiar 500 euros por pessoa?
Se o país tem condições para suportar este sistema? Seria fundamental definir como financiar, saber se é necessário redefinir o sistema fiscal português e de que forma. Se esta prestação substituísse outras prestações sociais, teríamos que repensar todo o sistema de Segurança Social que em Portugal é de matriz seguradora e laborista. É assente numa lógica em que os trabalhadores financiam a sua própria protecção, como se estivessem adquirindo um seguro que depois lhes garante segurança em eventualidades como doença, desemprego ou reforma. Em Portugal ainda temos muitos cidadãos a receber pensões de baixo valor mas um trabalhador que faça os seus descontos ao longo de uma carreira contributiva tem direito a uma proteção social mais elevada do que os 500 euros que seriam garantidos pelo RBI. Além de que, a nossa Constituição menciona, no Artigo 63, que a Segurança Social deve ser estruturada para assegurar a proteção na doença, velhice ou morte.
Um dos defensores do RBI faz uma estimativa de valor, entre os 500 e os 1000 euros por pessoa, com o contributo de 50% do seu vencimento para o IRS.
Não sei até que ponto as sociedades atuais aceitariam essa solução, tão simplista. A vida das pessoas não está pensada para quebras tão acentuadas. Uma das soluções para evitar o desincentivo ao trabalho, passa pelo aumento do rendimento até um determinado valor quando acumulado com o trabalho.
Poderá haver aqueles que deixem de trabalhar e vivam só com o RBI mas também os que têm o apoio e continuam a trabalhar.
Não será expectável que as pessoas continuem a trabalhar oito horas por dia, podem trabalhar quatro ou cinco, mas a ideia é tentar criar estímulos para que haja produtividade. E na hipótese de poder acumular, no IRS, coloca em causa a progressividade fiscal, que é um direito consagrado na Constituição. A taxa de IRS é tanto maior quanto maior for o escalão de rendimento. 50% de IRS não é algo que alguém que ganhe 1500 euros pague, quem ganhe 500 mil, sim.
Atualmente vigora um sistema do século XX, com pilares que apresentam grandes problemas, como um elevado número de reformas e pensionistas.
Sim, mas o financiamento de um RBI será sempre feito à custa de quem trabalha. A dificuldade maior será manter o cidadão integrado num mercado de trabalho.
O RBI tem futuro?
Creio que ainda não. Acho que o sistema pode ser melhorado. Mas considero importante que as pessoas tenham a ideia que poderão ter prestações que substituem os seus rendimentos.
Muito Obrigado.