É um viajante do mundo. Porque escolheu o Algarve para viver?
Cheguei a Monchique depois de 15 anos a viajar de mochila às costas. Ao longo das minhas viagens comprava apenas o percurso de ida, mas isso mudou quando cheguei ao Algarve (risos). Estava com uma pessoa que vivia em Monchique e acabei por ficar. Nesse ano comecei a fazer esculturas de areia em países como a Bélgica, a Espanha… e também em Albufeira. Estávamos em 1998 e pensei em ficar porque gostei e gosto mesmo muito de Portugal. Cinco anos depois dei início ao projeto do FIESA.
Fale-nos dos seus projetos.
Tenho dois grandes projetos para um futuro breve, um deles será a abertura de um novo espaço em Lagoa, maior que o FIESA e que aguarda agora a aprovação do Plano Diretor Municipal (PDM). Chamar-se-á MAE (Museu de Arte e Entretenimento). É um nome que eu gosto, porque é relativo à mãe como protetora da Terra. Pensei em criar um espaço distinto do FIESA e dirigir-me mais à land-art, esculturas com madeira, com árvores, com água…
O outro projeto é de outra natureza e já venho a pensar nele há cerca de dez anos. Gostava de criar uma comunidade de pessoas com as quais possa começar algo de novo, algo que fuja de uma ideia comercial e se distancie do dinheiro como moeda de troca. No passado vivi em locais semelhantes e agora quero criar o meu próprio espaço. Viver com um grupo de pessoas que trabalhem em torno de um objetivo comum, uma espécie de utopia, é para mim um sonho antigo.
Porque não a integração numa outra comunidade?
A minha principal motivação é mudar algo no mundo, ter uma ideia concreta do que vamos fazer. Em outros projectos muitos vezes vive-se quase uma fuga aos problemas. E eu não penso assim.
O meu objetivo é criar uma comunidade onde se possa trabalhar no exterior… termos uma escola para as crianças, uma estação local de televisão que mostre as atividades da manhã, como ioga, e à tarde uma conferência, um programa.
Visitei a Barragem do Alqueva com Cristina, a minha mulher, e encontrei locais incríveis para dar início a este sonho.
O FIESA tem 15 anos e a areia utilizada ainda é a areia que deu origem ao projeto em 2003. É esta a sua ideia de reciclagem?
Sim, isto é muito importante. De ano para ano não produzimos qualquer desperdício. Simplesmente destruímos as esculturas no final da estação e tornamos a construí-las.
Este projeto é um exemplo de que é possível desenvolver um negócio turístico que funciona de forma sustentável. Esta política ambiental será aplicada também noutras zonas do FIESA, como por exemplo o Bar? Tem projetos para reduzir ou erradicar a produção de lixo (plásticos e afins)?
Existe essa pretensão, sim. De futuro gostaríamos de aplicar uma política de reciclagem geral, produção de lixo zero.
Quantos trabalhadores emprega o FIESA?
Atualmente 15, número que cresce todos os anos durante o período de construção das esculturas. Este ano contamos com 25 técnicos – mas já tivemos 60 a trabalhar – os 14 escultores trabalharam durante duas semanas sob o tema das Sete Artes. Na semana prévia à sua chegada o espaço é preparado, a areia prensada e colocada nas caixas e o sistema de iluminação pensado.
De quantos meses de trabalho estamos a falar?
Cinco meses de exposição, mais um, dois de preparação. A exposição abre em maio e encerra em outubro. É um mês mais seguro do que março, porque a chuva pode ser uma grande inimiga no período de construção. Se o trabalho estiver finalizado e seco, é aplicada uma cola orgânica e a escultura fica protegida, mas caso contrário, é o descalabro. O ano passado tivemos à volta de 120.000 visitantes.
Considera o FIESA arte ou entretenimento?
Pode ser encarado como arte, mas a minha motivação é oferecer um momento de entretenimento. Termos uma área específica de trabalho e esculturas subordinadas a um tema pode ser limitador para um artista. Num futuro próximo teremos um espaço para este tipo de trabalhos, mais livres.
Considera-se um artista ou um empresário?
De momento, um empresário. Mas no fundo sinto que não pertenço a esta etiqueta. Antes de iniciar este projeto nunca tinha trabalhado mais do que 20 dias por ano. Quando saí do meu país, aos 21 anos, ganhava a vida com a minha guitarra, e nunca precisei de mais. Se conseguisse concretizar uma escultura numa semana não ficaria por certo seis meses. E este projeto nasceu com a mesma filosofia. Foi por isso pensado para um ano, máximo dois anos.
Seguiu estudos na área das Artes?
Estudei Engenharia, mas abandonei a universidade no quarto ano porque passava a vida com a minha banda, a tocar em clubes e a dar espetáculos. E, porque faltei ao ensino, a única saída era o serviço militar. São assim as regras na Turquia, ficas mesmo sem o passaporte. Bom, antes que isso acontecesse, consegui um emprego na Escócia a trabalhar com crianças incapacitadas.
Portugal não é o seu país…
Não, sou turco, mas sinto-me quase um cidadão português. Visito o país de vez em quando, para ver amigos ou os meus pais mas se tentasse voltar à Turquia, que é um país que eu adoro e onde cresci, provavelmente voltaria a Portugal.
No início da nossa conversa mencionou que quando chegou a Monchique, era uma pessoa diferente. Era mais fácil ser feliz nessa altura?
No princípio era mais fácil, sim, logo à partida porque eu não tinha objetos que me pertencessem ou que eu precisasse de cuidar; não tinha verdadeiras obrigações, como um filho ou família. E estas coisas foram chegando, a vida foi mudando, mudei a minha vida, iniciei um negócio. Tenho agora um filho. E isso é muito forte, muda muita coisa. Essa liberdade que eu conheci não é possível de momento.
O que precisa de facto para ser feliz?
Felicidade, para mim, não é algo de concreto, é um estado de espírito, algo difícil de obter para cada um de nós. O que me faz feliz pode não ser o que faz feliz uma outra pessoa. Há muita coisa que nos impede de conseguir esse estado de espírito.
Apesar de tudo tenho consciência de que não preciso de muito para ser feliz, mas à medida que os anos passam, com o aumento das obrigações e das responsabilidades, vai-se tornando cada vez mais difícil conseguir essa paz interior que eu tinha quando cheguei a Monchique, depois de 15 anos a viajar de mochila pelo mundo.
Não obtém felicidade através do trabalho ou da família?
Podemos obter felicidade a partir de muitas coisas mas, para mim, felicidade é algo diferente, muito mais pessoal.
Primeiro, é fundamental ter uma consciência coletiva, porque mesmo que me sinta muito feliz, se ao meu lado as pessoas não o estão, isso vai influenciar-me. É também necessário organizar o mundo. Se eu caminho para a felicidade vou também precisar de ouvir o meu coração, o meu corpo; recolher coisas boas do exterior porque, se ouvirmos com atenção, a felicidade pode estar em toda a parte.
Quais são as suas crenças?
Acredito que há muito mais para além do que sentimos. Tudo no mundo se prende com harmonia.
Se tivesse a oportunidade de passar 10 dias num quarto em branco…
Isso seria muito agradável. Fiz retiros de meditação vipassana (1) umas quatro vezes na minha vida e foram momentos muito produtivos para mim. Meditar, durante 10 dias, não olhar nem falar com ninguém… Quando se quebra isto, no 11.º dia, cá dentro, é um sentimento incrível, verdadeiramente bom.
A felicidade é aquele momento, mas é muito subtil. Não se consegue guardar ou estender essa sensação por mais do que 2 ou 3 dias.
Tal como Buda dizia, todos podem vir comigo. Precisarás de dez dias para te sentares e conseguirás ver. Por isso, de futuro, se tivesse oportunidade, gostaria de continuar esta experiência.
O que mais teme?
Temo que não haja saída para a confusão deste mundo. Mas é melhor ser positivo. Somos poucos, precisamos unir-nos e fazer algo!
Obrigado.