Caminhos para recuperar um Algarve sem dependência do turismo.
Foi na pequena aldeia do Ameixial1, situada no concelho de Loulé, que teve lugar, neste último Outono, a cerimónia de apresentação dos projectos finais do Curso de Design em Permacultura.
Esta apresentação contou com a participação dos seus 15 alunos e a afluência de muitos populares que, com alguma estranheza e muita curiosidade, foram entrando, observando e questionando as propostas e soluções que os alunos “desenharam”. Estas surgiam em cartazes espalhados por todo o recinto, facilitando a explicação e compreensão de temas tão variados como a gestão da água, eficiência energética, florestação, produção agrícola, inclusão social ou gestão de resíduos.
O curso em si teve a duração de 12 dias, decorrendo entre 6 e 17 de Setembro de 2014, e contou com o apoio da associação Terra Crua, da Junta de Freguesia do Ameixial, da Câmara Municipal de Loulé e da Câmara Municipal de Almodôvar. Do seu currículo fizeram parte disciplinas tão variadas como Éticas e Princípios da Permacultura, Climas e Microclimas, Sucessão Natural, Solos, Aquacultura, Florestas Comestíveis, Bioconstrução, Eficiência Energética, Energias Renováveis, Comunidades Sustentáveis ou Design Social.
O curso procurou dar capacitação aos alunos enquanto designers éticos e regenerativos, e envolveu a aldeia do Ameixial, no sentido em que os objectos de design foram espaços públicos da freguesia que estavam abandonados ou mal aproveitados. Foi a primeira de muitas iniciativas englobadas no projecto, e pretendeu (com sucesso) dar uma amostra dos sistemas, modelos, técnicas e estratégias que a Permacultura pode oferecer a uma localidade, na melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes e na recuperação dos espaços públicos. Tendo sido idealizado no âmbito da iniciativa de repovoamento e revitalização do Ameixial (Loulé) e de Santa Cruz (Almodôvar), trata-se de um projecto que está a ser desenvolvido com foco no repovoamento através de jovens, e a criação de postos de trabalho nestas regiões desertificadas. Os objectivos em vista são portanto a revitalização económica, social e cultural destas zonas esquecidas e abandonadas.
A entidade organizadora e promotora da iniciativa é o próprio núcleo fundador do projecto, ou seja, a Comissão Instaladora da Associação Semina Futuri. Contou ainda com a participação, apoio e dinamização dos facilitadores Lesley Martin, André Carvalho e Sandra Santos.
Para saber mais sobre este projecto a Eco123 falou com Nuno “Mamede” Santos e Mélanie Santos, um dos casais pioneiros deste projecto de habitação e repovoamento do interior do país.
ECO123: Nomes, idades e profissões?
Nuno Santos e Mélanie Santos: Somos os habitantes pioneiros do projecto, actualmente a habitar na freguesia de Santa Cruz (Almodovar) Temos 35 e 22 anos, e somos regeneradores a tempo inteiro.
O que fazia antes deste projecto? Que trabalho fazia e onde vivia?
Tínhamos a mesma ocupação, mas noutra zona do país mais propriamente em Góis. Eu (Nuno Santos) dou formação em Bioconstrução há uns anos, e ultimamente trabalho essencialmente em consultoria, design e educação ambiental. A Mélanie veio há dois anos da Bélgica, onde estava envolvida num projecto de educação alternativa, e onde deu os primeiros passos em Permacultura. Neste momento divide-se entre a educação das nossas filhas, ao estudo do shiatsu e ao desenvolvimento das tarefas iniciais mas essenciais à implementação do projecto.
Explique-nos o projecto em traços gerais.
Resumidamente, o projecto é recuperar um pouco do brilho que estas povoações tinham, num contexto de sustentabilidade. Ou seja, usufruir deste planeta, sem comprometer o futuro, e criando abundância. Queremos atrair e fixar habitantes nesta zona, reduzir o êxodo rural, diminuir o desemprego, criar as “nossas” crianças de forma saudável, segura e consciente. Enfim, tudo a que temos direito.
Porquê o Ameixial?
Na verdade o projecto envolve duas freguesias, divididas por um magnífico rio, o Vascão, embora as características culturais, sociais, geográficas e económicas sejam iguais. São estas zonas erodidas de árvores, solos e gentes que têm a maior necessidade de projectos de regeneração. É aqui que a necessidade aguça o engenho, é aqui que se abrem janelas de oportunidade e há uma maior receptividade a ideias novas.
Teve uma grande adesão?
O curso esteve praticamente com lotação esgotada. E na noite da apresentação, passaram pelo local pelo menos umas 60 pessoas.
Que ideias surgiram do grupo formado?
Muitas. Como referi atrás, desenvolveram-se os traços iniciais de toda uma freguesia em Transição. No final do curso os habitantes da freguesia foram convidados a visitar-nos e a ter contacto com algumas das soluções que os alunos desenharam, como a gestão da água, eficiência energética, florestação, produção agrícola, inclusão social, gestão de residuos, entre muitos outros temas que despertaram a curiosidade de quem por lá passou no dia da apresentação.
Como vão ser aplicadas no terreno?
Todas as ideias vão ser objecto de design mais profundo, no entanto, o povoamento já se iniciou. A maior parte das ideias e designs compreendem a participação activa da população, por envolver as suas terras e recursos.
E a população, como recebeu estas ideias?
Tivemos um bom feedback no geral. Era de prever algum cepticismo inicial, mas foi quase residual. Fomos muito bem recebidos pelos locais e depois do curso foram-nos disponibilizados terrenos e casas para a aplicação dos projectos.
É um projecto familiar? Como foi possível a convergência de todos os membros da família para uma transição tão grande?
Não só, é um projecto comunitário, embora em moldes diferentes do que estamos habituados quando pensamos em comunidade. Trata-se de resgatar o modelo de comunidade em aldeia, mas em muitas aldeias da mesma região.
Têm alguns apoios?
Por enquanto temos apoio das autarquias de Loulé e de Almodôvar e dos habitantes e proprietários locais.
A ideia é apenas ajudar a população a melhorar as suas condições de vida ou visa também algum tipo de lucro?
Na nossa perspectiva, não é possível a revitalização ecológica sem a revitalização social e económica. Estes são os três eixos da sustentabilidade. Se plantarmos uma floresta sem envolver pessoas e sem criar retorno financeiro, a floresta arde, ou alguém a corta. Se esta não der algum tipo de retorno económico, não haverá ninguém que queira cuidar dela.
Que futuro para este projecto? E para Portugal?
Este projecto é essencial para o correcto desenvolvimento desta região. Portugal é neste momento um dos exemplos mundiais em termos de quantidade de projectos neste contexto, e por duas razões: a necessidade, e a ligação que quase todos os Portugueses têm com o meio rural. Se este projecto tiver o devido apoio, temos um brilhante futuro pela frente.
Como seria possível chegar a um equilíbrio entre ecologia e economia?
Parece-me que temos de trazer um pouco de economia aos projectos ecológicos, e um pouco de ecologia aos projectos económicos. Muitos projectos ambientais falharam por dependerem única e exclusivamente de inputs financeiros exteriores, e não conseguirem criar retorno financeiro. Mas, por outro lado, qualquer produção (até a celulose) pode ser convertida e adaptada para melhores resultados a nível ecológico.
Estando ainda na sua fase inicial de implementação, e aguardando pela luz verde de financiamentos e apoios das instituições oficiais, este projecto de revitalização do interior do país vai avançando e preparando o terreno para os seus primeiros 12 meses. Esta iniciativa pode ser acompanhada, por enquanto, através da sua página no facebook e, mais tarde, no site oficial do projecto. Também é possível testemunhar no terreno a aplicação de técnicas e conhecimentos simples, práticos e eficientes aos níveis ecológico e financeiro.
É com grande expectativa e optimismo que a ECO123 acompanhará o desenrolar deste projecto. Para já, constata-se o facto de existir uma nova geração que está a ser bem influenciada e que já dá sinais de uma maior proximidade à natureza. Este pode bem ser o exemplo que faltava para que algumas pessoas optem por um futuro com qualidade de vida no interior do país.
Semina Futuri – Associação para a Revitalização Social, Cultural e Ecológica do Algarve
E-mail: seminafuturi@gmail.com
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Ameixial é uma freguesia do concelho de Loulé , com 123,85 km² de área e 439 habitantes (2011). Densidade: 3,5 hab/km².