A ECO123 esteve presente no Encontro Internacional das Comissões de Economia de Comunhão, que decorreu entre 18 e 20 de Outubro, na Abrigada. Durante os pequenos intervalos, foi possível realizar breves entrevistas a dois destacados participantes, procurando conhecer melhor o significado e as motivações da iniciativa. Deste modo, a ECO123 falou um pouco com Luigino Bruni, responsável internacional da Economia de Comunhão e professor na Universidade de Florença, e com António Faria, sócio-gerente do Grupo Faria & Irmão, Lda. (uma das empresas que em Portugal participa no projecto de Economia de Comunhão).
ECO123: O que significa para si a expressão “economia de comunhão”?
Luigino Bruni: Para mim significa um projecto que nasceu em 1991, de Chiara Lubich, que propõe um estilo de vida diferente para as empresas, para a distribuição de lucros e que hoje, vinte e dois anos depois, reúne várias realidades espalhadas pelo mundo. Em si mesma, é uma expressão que diz que a economia pode tornar-se um lugar de comunhão, de partilha e de solidariedade, e esse projecto, nascido naquela altura, congrega hoje diversas empresas em todo o mundo.
O que distingue a economia de comunhão de outras formas de economia solidária?
LB: O que distingue, essencialmente, é o facto que se destina a todo o tipo de empresas e não apenas àquelas que se ocupam da pobreza e da inclusão social. Há uma dimensão mundial e não apenas local; tem a ver com formas de inclusão ligadas ao trabalho produtivo e não apenas a assistência. E concretiza-se através da formação de pólos empresariais em vários locais no mundo e de projectos empresariais em qualquer lugar inspirados pela economia de comunhão. Mas, no fundo, a economia solidária tem mil formas diversas e a economia de comunhão é um dos modos de conceber a economia solidária no mundo de hoje.
Sei que valoriza o papel do mercado na economia, mas de um modo distinto do actual modelo capitalista. Pode-nos explicitar o seu pensamento?
LB: O mercado é uma invenção muito interessante, muito positiva da humanidade, porque é uma forma de relação entre pessoas, numa interacção pacífica, tornando possível o encontro de gente que não se conhece. Cria riqueza, desenvolvimento, oportunidade para todos, um mundo sem mercado seria um mundo mais pobre, não, seguramente, melhor do que o presente. O mercado adquiriu um papel muito grande, no último século, com o chamado capitalismo, e nos últimos decénios tornou-se um mercado sobretudo financeiro, em que as sociedades anónimas dominam praticamente tudo. Por isso, quando falamos de mercado é preciso ver do que estamos a falar: de um mercado financeiro, capitalista ou um mercado de comunhão, em que temos um encontro de pessoas, livre e pacífico, um encontro inclusivo, numa relação de vantagem mútua e de reciprocidade. Trabalho há anos neste tema, sobretudo numa linha cultural e teórica que vê o mercado como apoio mútuo e vantagem mútua, e não como manifestação de egoísmo ou de formas várias de interesses pessoais. É uma linha muito antiga que vê como típico do mercado um encontro de necessidades e de reciprocidade, e é uma linha de pensamento muito próxima da de economia de comunhão, em que o mercado é bom em si mesmo porque é um encontro de pessoas. Porém nem todos os mercados são iguais, alguns estão a fazer surgir problemas no ambiente social, porque valorizam demasiado os interesses económicos em detrimento do bem comum e põem de lado o valor do dom, da gratuidade e da reciprocidade que o mercado deve desenvolver.
O que mais o impressionou quando ouviu falar na ideia de economia de comunhão?
António Faria: Quando Chiara Lubich surgiu com a economia de comunhão em 1991, eu pensei que era aquilo que eu queria. Encontrei alguma afinidade com a forma como pensava e me esforçava por viver. O facto de partilhar as minhas coisas, de ouvir o outro, de praticar aquele amor recíproco que se deve ter com todos, já me tinha levado a pensar “porque não fazê-lo na empresa”? Aquilo que era importante na família, na escola, com os amigos, não podia ficar à porta da empresa. Obviamente que tem que se ajustar, porque a empresa tem uma realidade específica e não se pode fazer uma permuta pura e simples. A ideia foi arriscar, ensaiar. Claro que surgiram coisas menos bem feitas, às vezes um voluntarismo mal sucedido, mas que o tempo foi refinando. Depois, para mim, é também uma experiência muito interessante porque a partilho com o meu irmão (que também é sócio na empresa) e com outros empresários, embora sendo ainda poucos, e podemos partilhar o que corre melhor e o que não corre. E é esta partilha que nos vai ajudando, e numa empresa, quer seja de economia de comunhão, quer não, há sempre muitas dúvidas, muitos momentos dolorosos e se se tem esta escapatória e esta fé e se se está num caminho que foi pensado por Deus, isso dá alguma tranquilidade e a possibilidade de muitas vezes correr riscos que não se correriam noutras circunstâncias.
Consegue explicar, com um exemplo simples, como a economia e a ecologia podem funcionar em harmonia?
AF: Nós trabalhamos com materiais plásticos, que são as formas para calçado, e em 1987, quando entrámos nesta actividade que já vinha dos nossos pais, o material recuperado era quase irrelevante. Mais tarde, aguçados por esta nova sensibilidade, pensámos em recuperar as formas usadas. Porque até ali muitas delas eram enterradas, eram postas em alicerces de casas, nas lixeiras e era um material não biodegradável, porque é polietileno. Mas achámos que esse material podia ser reciclado e incorporado de novo. Fomos pioneiros em Portugal, comprámos equipamento em Itália e começámos a recuperar estas formas. Só há dez anos, com as dificuldades em encontrar materiais novos e o estímulo na recuperação de materiais, é que o método se começou a espalhar, e isso deu à empresa uma grande capacidade e experiência na recuperação de formas, de tal modo que nós hoje somos capazes de recuperar, por dia, 4 toneladas de formas. Uma coisa que no início parecia descabida, veio a revelar-se muito compensatória, mesmo em termos económicos.
A economia de comunhão pode criar mais postos de trabalho e, ao mesmo momento, riqueza sustentável em Portugal?
AF: Com esta experiência de economia de comunhão pusemos o enfoque nas pessoas e, nesta altura, criar postos de trabalho pode passar por não os destruir. Outras vezes pode passar até por pessoas que trabalham connosco e estão numa fase difícil e a sua prestação não ser compensadora e nós continuarmos a apostar, e dar espaço a que essas pessoas se regenerem. Temos connosco muitos casos de empregados que, por circunstâncias várias, atravessam momentos difíceis e nós ponderamos sempre a situação concreta da pessoa. Uma vez tivemos um funcionário que fomos obrigados a despedir por comportamento menos correcto, mas não o fizemos sem que antes disso ele pudesse encontrar um outro trabalho, que até foi conseguido por nós numa empresa concorrente.