Fritjof Capra v. René Descartes
A visão mecânica do mundo impõe um pensamento linear e matemático, como numa aula de Matemática de terceira classe: partindo do exemplo de uma área de cem vezes cem metros, que faz 10.000 metros quadrados, ou um hectare, em agricultura intensiva e industrial um agricultor produz aproximadamente dez toneladas de frutos. Este valor serve de medida para todos os restantes valores num plano de negócios. Permite calcular previamente os proveitos e permite mais facilmente aceder a subsídios da UE ou a créditos bancários. Portanto, a expetativa de rentabilidade dos investidores perante uma plantação de frutos em monocultura segue a bitola dos 10.000 kg de fruta por hectare e por ano, que estes pretendem ver convertidos em dinheiro. Um abacate comercializável, por exemplo, pesa em média 250 gr. É uma conta que segue a regra dos três simples. Mas faltam-nos três variáveis. Qual é o preço alcançado no mercado? Para onde e como será transportada a fruta? E, last but not least, resta saber se o agricultor fez bem os seus cálculos, e está a contar com a importante variável desconhecida, que é a Natureza. Não haverá razões para preocupação?
Se o fruto for uma laranja, o resultado são 25 cêntimos por quilograma. Se for um limão, é quase o dobro. Mas o ser humano é ganancioso e esperto. Tenta sempre conseguir mais alguns cêntimos. Porque, cêntimo a cêntimo, chegamos a um euro. E talvez o fruto de que vamos falar até consiga chegar ao valor de um euro e meio. Trata-se de um fruto verde e escasso, que vale ouro na dieta vegana e vegetariana, o abacate. É produzido em Portugal e Espanha para exportação, sobretudo para o Norte da Europa. Uma colheita em 76 hectares, a um preço de um euro e meio, significam impressionantes 1.08 milhões de euros/ano. Partindo de um investimento de 1,3 milhões, podemos contar com um rendimento de quase cem por cento ao fim de três anos. E com amigos que têm amigos em comissões, que conseguem 600.000 euros em apoios da UE, a história torna-se quase perfeita. Uma boa ideia de negócio, com certeza. Já só nos falta o terreno. Dito e feito! E cá estamos nós, em Barão de São João, no concelho de Lagos, na bela costa do Algarve.
E dos problemas de Matemática da escola primária, passemos diretamente para as aulas do 12º ano de Biologia, Química e Física, juntando também aulas de Filosofia, Psicologia e Ética, para mergulharmos num processo de pensamento circular. Porque, ao observar, convém vermos mais do que apenas o próprio nariz. Todas as disciplinas em conjunto completam a visão global, mais acurada. Esta visão global, com um ponto de vista circular, é que permite analisar vários dos possíveis cenários.
Os riscos: qual o impacto sobre toda a colheita se houver uma praga de gafanhotos que destrua toda a folhagem dos abacateiros; se tempestades com trovoadas, ciclones, granizo, chuvas fortes e cheias destruírem toda a produção; ou se houver falta de água de rega, devido à seca?
Resiliência
São três possíveis cenários que ameaçam a plantação com 21.000 abacateiros distribuídos por 76 hectares. O agricultor diz aos autores desta reportagem que não há problema. Está tudo segurado. Diz ter encontrado um seguro que cobre os prejuízos em caso de sinistro. Será mesmo? Será que as seguradoras, em tempos de alterações climáticas, ainda têm tanta confiança em projetos de larga escala em monocultura? A Münchener Allianz parece ter outra opinião.
Os autores desta história afirmam que o agricultor, a que poderíamos chamar CITAGO, não está a contar “com todas as cartas do baralho”. Como poderá ele ter hoje a certeza de que os veganos e vegetarianos do Norte da Europa, nos mercados de França, Alemanha, Paises Baixos, Bélgica e Luxemburgo, irão consumir os seus frutos agroindustriais, oriundos da terreola de Barão de São João, sabendo que são colhidos sem estarem maduros, para amadurecerem durante o transporte, e que a plantação, durante a produção, foi tratada com o veneno glifosato? Atenção, perigo!
A cada viagem que fazemos, o mundo de hoje em dia torna-se um pouco mais pequeno. Quem atualmente voa para o Algarve não deixa só uma grande pegada ambiental, também traz o seu smartphone no bolso e, pela internet, mais cedo ou mais tarde, irá obter essa informação. As monoculturas, em geral, e esta monocultura de abacate, em especial, que o semanário Barlavento divulga, pela voz dos irmãos Gonçalves, como a maior da Europa, são cada vez mais questionáveis e trazem consigo cada vez mais riscos, nestes tempos de alterações climáticas, no ano de 2018 depois de Cristo. O campo da monocultura está fortemente minado com riscos, não percetíveis pelo plano de negócios e pelo agroindustrial que faz os seus cálculos de rentabilidade. Estará garantido o crédito para os investimentos necessários à plantação de mais 50 hectares pela CITAGO? Mas por que razão não investem em culturas mistas? Há tantos mais frutos saborosos que crescem no Algarve… mangas, figos, alperces, bananas. Se nós, os autores deste texto, fossemos banqueiros em vez de jornalistas, estaríamos reticentes em atribuir crédito à realização de monoculturas. O risco é, simplesmente, alto demais. E se mediassem seguros, deixariam que a concorrência assumisse a cobertura desse risco.
Monoculturas
Voltemos ao ponto de vista do consumidor. Um consumidor que, possivelmente, nem irá querer comprar os abacates da CITAGO por saber que com a sua compra está a apoiar a destruição de florestas antigas… Só vai querer comprar frutos com um certificado ambiental, mesmo que esse abacate seja de Málaga e o certificado de origem for falso. Atualmente já há muitos consumidores a fazer as suas compras localmente, regionalmente, ou a preferir produtos nacionais, e de preferência BIO. Um exemplo: os morangos das monoculturas de Lepe (Andaluzia, Espanha) vendem-se cada vez menos na Europa. Quem, nestes tempos, abate centenas de sobreiros centenários para plantar abacateiros; quem abate pinheiros mansos centenários com a sua motosserra, e destrói um biótopo de flora e fauna, saudável e antiquíssimo, com alfarrobeiras, oliveiras milenares, as tradicionais amendoeiras e figueiras, entrando na terra com as suas escavadoras, terá que, um dia, pagar a merecida fatura por essa destruição. É mais difícil vender uma colheita quando a produção não é irrepreensível. Os tempos estão a mudar, e o Youtube faz parte dessa mudança. O que acham dos resíduos de adubos químicos na fruta, e do glifosato, e do sabor sempre aguado dos frutos colhidos verdes para amadurecerem durante o transporte? Ao comprar, é o aspeto que conta. Mas será que o sabor nos é indiferente? E a nossa saúde? Esses tempos já lá vão. Hoje, o cliente é rei. Os tempos são de mudança.
Como não lhes chega uma monocultura de abacateiros com 76 hectares, há algumas semanas os donos da CITAGO entregaram vários requerimentos em diversas instituições para poderem plantar mais 50 hectares. A ECO123 perguntou aos dois agroindustriais e donos da CITAGO, os irmãos Paulo e Luís Gonçalves (de 33 e 47 anos), se estariam disponíveis para divulgar o seu ponto de vista numa entrevista. Depois de duas semanas responderam que já não se encontram disponíveis para mais entrevistas. A visita planeada à exploração foi cancelada. Por isso, a colega Petra Pantera, aproveitando uma ida a Lagos, fez uma caminhada de duas horas ao longo da vedação da plantação. Leia mais sobre este tema nas quatro páginas seguintes.
Um novo olhar realista sobre os elementos água, terra, ar e fogo.
René Descartes (1596 – 1650), filósofo e cientista francês, tinha uma visão linear da Natureza, vendo-a como uma criação de Deus que tem que ser dominada pelo Homem. O dualismo cartesiano (Principia Philosophiae) de espírito e matéria – ou o assim chamado reducionismo (de Isaac Newton), que define um sistema pelas suas unidades (…para mim, o corpo humano é uma máquina)… … estão diametralmente opostos ao pensamento cíclico e sistémico do físico e filósofo austríaco-americano da atualidade, Fritjof Capra (1939), que tem uma visão da Natureza e da cultura holística e sistémica. No seu livro, “O Ponto de Mutação”, de 1982, Capra descreve a alteração do paradigma e a vida na Natureza como um biótopo. O ser humano age entre muitos outros seres, em interdependência e num sistema cíclico, em que cada ser vivo do biótopo cumpre as suas funções muito específicas. O pensamento cíclico opõe-se à ação e ao pensamento linear – da mesma forma que a diversidade colorida de um biótopo interdependente se opõe ao monocromatismo da monocultura.