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Nº 33 – Sobre a insuportável leveza do ser

Sábado, 16 de Maio de 2020

Hoje recebi uma carta de um leitor de Tavira. Incluia a seguinte frase: Saia do facebook e vá para o jardim. Obrigado! É isso que estou a fazer desde o dia 17 de março: estou a trabalhar no jardim a plantar batata, alface, tomate, curgete, cebola, ervas-aromáticas. Alimento-me da minha horta. Poder aceitar essa oferta da Natureza é uma bela experiência. Tenho que confessar que faço parte daqueles dois terços da população – uma maioria silenciosa -, que não tem conta no facebook. Como jornalista seria quase uma obrigação fazê-lo. Mas, para mim, é ponto assente que prefiro outros luxos. Prefiro ler um bom livro, para o poder aconselhar na próxima edição impressa da ECO123. Também leio livros que acabo por não gostar tanto, mas sobre esses não escrevo. O texto impresso em papel tornou- se algo valioso e caro. Por isso, continuamos a imprimir em papel reciclado, apesar da existência do online e de propostas aliciantes ao nível do custo da indústria do papel a partir do eucalipto. Em vez de entrar no facebook, prefiro entrar na floresta cheia de diversidade, com carvalhos, castanheiros, pinheiros mansos e ginkgos, e deixar que a chuva me prove que eu existo. A chuva faz crescer o tomate. De manhã, desperto com o cantar dos pássaros e o ladrar do meu cão.

Um leitor de Monchique escreve: Definitivamente, falta algo essencial, falta tornarse vegetariano e deixar de comer as pobres criaturas da floresta virgem. Também este leitor tem toda a razão. A indústria suína já mostrou muitas situações de coronavírus nos seus matadouros, não podemos fechar os olhos a isso. Os animais são transformados em carne e as florestas em papel. Compactuei tempo demais com isso, separando o sabor dos enchidos e da carne do sofrimento dos animais. Não pode ser. Quem somos nós para estar a engordar, a torturar e a matar animais, só para comer carne barata? E o que não precisamos, vai para ao lixo? Espero bem que esta crise faça subir muito o preço da carne e do peixe, e também o preço dos bilhetes de avião. Um quilo de tomate não deveria custar o mesmo que um quilo de carne. Mas, por outro lado: porque não recompensar finalmente as boas práticas amigas do ambiente? Que tal ressarcir vegetarianos e veganos, recompensar quem viaja lentamente, originando poucas emissões, premiar quem consegue uma pegada ambiental pequena. Isso sim, seria um passo na direção certa.

Também recebi um comentário de um leitor de Aljezur: Meu Deus, quanta estupidez existe na net. Diz muito sobre o sistema que rege as pessoas, mais do que sobre o mundo em si… Certo, e é importante. Quem consegue ter a liberdade de viver como quer, sem ferir os direitos das outras pessoas, vive cuidando, em autenticidade, e liberta-se dos queixumes e das teorias da conspiração, dando mais atenção a si próprio. Uma pessoa, dessa forma, acaba também por questionar-se a si mesma. As respostas a essas questões permitem o crescimento interior, um crescimento que nos torna mais felizes. Não o alcançamos ambicionando mais dinheiro ou uma evolução na carreira, alcançamo-lo no equilíbrio entre o ser e o ter. Mais uma razão para exigir um rendimento incondicional do Estado, para a Humanidade se libertar dos seus medos existenciais. Só o medo nos leva a agir estupidamente. Porque todos os dias recebo algo de volta, daquilo que dou – destes pensamentos passados para palavras. Este espaço serve para a troca de pensamentos. Participe e escreva-me para: info@eco123.info.

Caro leitor e cara leitora, partilhe o que quiser, mas deixe na gaveta as teorias da conspiração. Essas perderam a graça e as mensagens que as mencionam serão apagadas. Quanto menos me ocupar com elas, mais fica achatada a curva da estupidificação. Há muita gente que parece não ter aprendido nada com esta pandemia. Só quem evoluir com o silêncio da quarentena, e ficar consciente de que todos temos o nosso tempo, chegará à conclusão que, quer com ou sem vírus, nada levará consigo na sua última viagem.

Uwe Heitkamp (60)

jornalista de televisão formado, autor de livros e botânico por hobby, pai de dois filhos adultos, conhece Portugal há 30 anos, fundador da ECO123.

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