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Dez passos para a neutralidade climática

Sábado, dia 21 de setembro de 2024.

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Pensar na pegada individual pode ser uma parte importante da solução. É claro que também precisamos de falar sobre os grandes criminosos do clima e, finalmente, encontrar uma estratégia de saída transnacional para eles: para a BP, a Shell e a Exxon, para a Gazprom, a Aramco, a China-Coal e a Rio Tinto e para as outras 93 multinacionais que fazem o seu negócio com combustíveis fósseis e extração de minerais à custa da humanidade, à custa da habitabilidade do nosso planeta azul. 100 multinacionais são responsáveis pela emissão de 80% do CO2 mundial. E devemos também olhar com muita atenção para o Estado e para as suas políticas de subsídios e de impostos, e examiná-las. Por que motivo, por exemplo, uma única empresa pode plantar dez por cento do território nacional com eucaliptos altamente inflamáveis? Só porque é um bom contribuinte? A floresta como fonte de recursos? Tudo deve ser analisado. Incluindo a minha própria pegada individual de CO2, claro. Afinal de contas, começo por limpar o meu próprio quintal. Onde posso e onde tenho a minha responsabilidade, individual. Não estou a dizer que deixemos que os outros comecem a reduzir as emissões de CO2. Isto também inclui ser transparente.

Comprei um terreno do tamanho de um hectare (10 000 m²) „a preço de amigos“ a um velho amigo que me disse, na altura, que eu precisava absolutamente de um terreno se quisesse ficar em Portugal. Isto foi na década de 90 do século passado. Com este pedaço de terra que hoje possuo, a ideia das minhas emissões líquidas zero é um pouco mais fácil para mim. Mas, caso não seja proprietário de um terreno assim, pode utilizar o telhado da sua casa ou a varanda do seu apartamento para produzir energia solar limpa. Seria um espaço mais pequeno, mas, como sabe, começa-se sempre com um primeiro passo. Vivo em Portugal e sou o diretor desta revista. Sou originário da Alemanha, onde estudei e aprendi a profissão de jornalista. Depois, realizei um sonho que tinha desde muito cedo. Comprei um barco à vela com os meus primeiros honorários de realizador de filmes na televisão e fiz-me ao mar e ao mundo.

Foi assim que cheguei a Portugal: com o vento. Foi o mais longe que consegui chegar. Naquela altura, há mais de 30 anos, o clima já estava a mudar e, com ele, os ventos, o tempo, o mar. Desde então, andamos a fazer rodeios e não fazemos o suficiente: porque estava cada vez mais quente, parecia-me, os verões eram cada vez mais longos, os invernos cada vez mais curtos, chovia mais irregularmente, às vezes muito mais e depois menos, e o vento também mudava mais frequentemente e trazia – nada – em vez de chuva. Quem nasceu nos últimos 25 anos não tem meio de comparação com o clima de antigamente, sobretudo no mar. Estava a viver neste barco à vela, e a minha mulher estava grávida. Descemos a terra para nos prepararmos para o nascimento do nosso filho. Fomos muito bem recebidos pelo nosso vizinho mais próximo, na serra de Monchique. Uma manhã, ele fez-nos chegar um presente para a nossa nova casa: num balde, batatas, tomates, pimentos; no outro, cebolas. Em que mundo de amizade nos tínhamos metido? Portugal! Vivíamos longe da civilização, na natureza das montanhas, sem eletricidade e com água corrente de uma nascente. Tudo parecia bem com o mundo, o nosso mundo, o nosso novo Jardim do Éden.

Mas logo fomos trazidos de volta à Terra. Atingidos por uma forte chuva e pela e pelo transbordar de um ribeiro após uma forte trovoada, não deixando nada como antes. O jardim de laranjeiras com 60 árvores…? Foi levado pela água. Em seis horas, tinha chovido o equivalente a trés meses: 270 mm. O ribeiro da montanha, que normalmente tinha menos de 30 cm de profundidade, rebentou as suas margens e cresceu até aos seis metros. Os vizinhos salvaram-se no telhado da sua casa. Ficámos profundamente chocados. Os prenúncios das alterações climáticas estavam a anunciar-se. Quando começámos a concentrar-nos intensamente nas causas, vimos no próximo verão arder toda a floresta à nossa volta. Isso mudou a nossa perspetiva do mundo em que vivíamos. O que podia eu fazer?

O efeito de estufa

Desde o dia do primeiro incêndio florestal, começou a amadurecer em mim a ideia de me libertar dos combustíveis fósseis – e de deixar de emitir CO2 para a minha atmosfera, libertando-me dos males das nossas sociedades de energia intensiva. E esta ideia ganhou corpo. O meu objetivo foi definido de forma muito clara: quero tornar-me neutro em termos climáticos, combinado com a pergunta „como posso entregar o meu mundo aos meus filhos, que será muito pior do que o herdei dos meus antepassados?“ Não me preocupo com mais nada para além das condições para uma vida boa e sustentável no nosso planeta. E será que posso mudar alguma coisa? Comecei, por isso, com um primeiro passo, cauteloso, porque acredito no poder dos pequenos passos bem ponderados e no facto de termos de nos questionar, todos os dias, de novo.

Passo 1: Como tornar-me independente em termos energéticos?

Deixo de comprar qualquer coisa da China ou do Extremo Oriente que não possa comprar a produtores locais, regionais ou nacionais. As distâncias curtas reduzem as emissões de CO2.

Instale, pelo menos, um sistema de monitorização com 20 módulos solares de 430 watts cada (a partir de 2024) na sua propriedade. Compre-os, por exemplo, à empresa Meyerburger (Alemanha de Leste), ou diretamente na Suíça, na sede da https://www.meyerburger.com, em Gwatt (Thun) ou ao fabricante solar espanhol Eurener, em Valência: https://eurener.com.  Ainda existem estes últimos fabricantes europeus de painéis solares. E então? Descubra se quer libertar-se, como eu fiz. Não desista e faça perguntas ao seu consultor bancário. Porque pretende encontrar uma solução, por exemplo, o financiamento do sistema solar.

Para começar, bastam cerca de oito quilowatts de potência, que podem ser alimentados na rede elétrica, pelo que não é necessário comprar uma bateria de iões de lítio para armazenar a eletricidade. Ao mesmo tempo, poderá celebrar um contrato de fornecimento mútuo com um produtor de eletricidade verde. Por exemplo, em Portugal, com a https://coopernico.org ou, na Alemanha, com BürgerEnergieGenossenschaft Losheim am See (https://beg-hochwald.de) e sujeitar a eletricidade produzida com os painéis solares a um processo de venda. Poderá tornar-se membro (cooperante) ou procurar outra cooperativa de energia na sua área. Torne-se livre. Torne-se independente. Perceberá que vai crescer com este primeiro passo…

Na Europa, apenas em Espanha existem mais de 1.500 cooperativas de energia. Vai aperceber-se de que produz mais eletricidade limpa do que a que consome com 20 painéis solares e poderá ganhar, simultaneamente, um bom dinheiro. Essa verba poderá servir para pagar o possível empréstimo ao banco verde GLS, em Bochum (Alemanha), que opera através de um sistema de seguimento.

A propósito, pode deduzir este investimento através de empréstimo nos seus impostos. Estou a falar de um investimento gerível de cerca de 15.000 euros. Fique atento e mantenha-se informado: https:www.gabv.org .

Quando adquiri os meus sistemas, em 2010, há quase 15 anos, pagava ainda 22.000 euros por sistema. Comprei dois sistemas de seguimento e fiz um investimento sustentável à minha maneira. Isto mostra como os preços dos módulos solares baixaram em 15 anos. Um sistema destes paga-se a si próprio ao fim de quatro anos e seis meses. Em seguida, é pago com o dinheiro da alimentação de eletricidade. O restante prazo de dez anos de alimentação resulta no lucro. Pude aproveitar bem o rendimento da venda de eletricidade na altura, bem como agora. Em Portugal, como jornalista, ganha-se uma ninharia (e eu não queria ser corrompido) e acabei de ter mais um incêndio florestal para “reparar”. Nós, na cooperativa Esgravatadouro, em Monchique, construímos e instalámos um potencial sistema de aspersão para a nova floresta que estamos a plantar. Porque este não seria o único incêndio florestal na altura. Com muita sorte e ainda mais experiência, sobrevivi a cinco incêndios florestais. Mas falaremos disso mais tarde.

Passo 2: Voar foi ontem – viajar de comboio é amanhã

A proteção da natureza é importante para mim, um assunto que me é caro, porque quem a vê dissolver-se sempre em fumo e cinzas fica sensibilizado. Quando se trata de mobilidade, a libertação começa, realmente. Foi há alguns anos que deixei, claro, de viajar de avião nas férias ou para uma entrevista que era para ontem. E, nos anos seguintes, decidi simplesmente conhecer ainda melhor a Europa – o nosso velho continente. Menos é mais, sobretudo mais devagar é mais saudável. Desde então, tenho evitado sempre que possível, viajar de avião. E começar a pensar como ir de Portugal à Noruega sem gasolina, gasóleo ou parafina. Queria deslocar-me à Noruega para uma entrevista. Conto-vos esta história porque é um bom exemplo de uma abordagem crítica à questão das emissões zero.

No dia 1 de agosto de 2018, quis falar com o famoso economista e psicólogo Per Espen Stoknes, do Clube de Roma, sobre o seu livro, ainda extremamente importante, intitulado “Em que pensamos quando tentamos não pensar no aquecimento global” (ou seja, nas alterações climáticas). Entrei no comboio expresso da TVE, em Huelva, a primeira estação ferroviária espanhola depois do Algarve, e parti a uma velocidade de 320 km/h, cruzando Madrid e Barcelona, até Girona – elétrico e praticamente sem emissões, claro. Aí, fiz uma pausa e passei a noite. Pouco antes das oito horas da manhã seguinte, embarquei no TGV, que me levou de Lyon a Paris e da Gare de Lest ao ICE, passando por Saarbrücken, Frankfurt e Fulda – tudo num único dia – no comboio do norte de Espanha para o centro da Alemanha. Por que preciso de um avião, perguntei a mim próprio, quando posso viajar de comboio quase sem CO2?

Depois, admito-o livremente, tornou-se um pouco difícil. Entretanto, estamos bem cientes dos problemas da Deutsche Bahn, companhia de comboios na Alemanha. Ainda cheguei a tempo de Fulda, via Hanôver, para Hamburgo. Mas ir de Fulda para Gotemburgo, via Copenhaga, foi difícil, porque o comboio de Hamburgo não queria continuar. Estava avariado. Esperei durante horas por um comboio de substituição. Se se vive em Portugal há tantos anos como eu, esperar já não é um problema. O novo comboio chegou ao fim da tarde, mas em vez de chegar à Suécia às 17 horas, cheguei a Gotemburgo às duas da manhã. No quarto dia, viajei de Gotemburgo para Oslo, ao meio-dia, e demorei apenas quatro horas. Apesar de todo este tempo no comboio, nunca me aborreci. Ou a paisagem era fantástica – por exemplo, depois do comboio, apanhar um ferry e atravessar o Mar Báltico – ou encontrava companheiros de viagem no compartimento, com quem podia trocar histórias emocionantes. Sou jornalista, falo três línguas e agora arranjo mais tempo na minha vida para mim e para os outros, em conversas, porque tenho a certeza de que quero evitar as emissões de CO2 e também porque consigo. A questão de deixar de queimar combustíveis fósseis tornou-se a principal prioridade da minha vida. Tudo o resto passou a ser secundário. O meu relógio interno abrandou. Deixei de girar como um hamster numa roda. Tornei-me mais lento e, portanto, mais atento, imagino eu.

Durante toda a viagem de comboio, de quase 4500 km, apenas emiti 160 kg de CO2. Fiz as contas com as várias calculadoras de CO2. De avião, teria emitido mais de dez vezes essa quantidade. Viajei para a Noruega durante três dias e meio. E depois? Depois tirei um dia para a entrevista e um dia mais tarde regressei a casa. A viagem de ida e volta custou-me 220 euros com um bilhete Interrail, mais 80 euros para a reserva de lugar. Poucas vezes me senti tão confortável como nesta viagem de comboio – viajando com o tempo e não contra o relógio. No regresso, recebi na estação de Copenhaga a notícia de que a floresta em Portugal, em Monchique, estava novamente a arder. Um eucalipto tinha tocado numa linha de alta tensão e as faíscas incendiaram a floresta a norte de Monchique, com temperaturas de 44 graus Celsius. As alterações climáticas provocadas pelo homem voltaram a atacar e a negligência humana fez o resto…

Hoje em dia, quando tenho de conduzir de Monchique, no Sul de Portugal, onde vivo, até Lisboa ou Porto, porque quero fazer uma entrevista, ou quando viajo de Colónia para Minden, na Vestefália, de comboio, conheço bem os valores das minhas emissões. Para destinos locais e regionais, utilizo um carro elétrico desde 2016, que posso carregar com eletricidade do meu próprio sistema solar, e que até é gratuito. Mobilidade de graça! Nem os xeques, nem Vladimir Putin recebem mais um cêntimo de mim.

Em Portugal, um jornalista local ganha muito pouco dinheiro. É preciso virar o euro duas vezes antes de o gastar. Mas em Portugal, o sol brilha 300 dias por ano – de borla. E desde que, em 2010, me propus o objetivo de me tornar neutro para o clima até 2025, pensei muito bem como o iria fazer, por onde iria começar e onde iria acabar. A meio do período – ou seja, no final de 2015 – desfaço-me do meu carro a gasolina e, finalmente, poupo dinheiro suficiente para comprar um carro elétrico com apoio governamental no início de 2016. Em pouco menos de dez anos, percorri 125.000 quilómetros sem emissões de CO2 e poupei mais de 20.000 euros em custos de gasolina. Porque a questão da ecologia é sempre também uma questão de economia.

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Uwe Heitkamp (64)

jornalista de televisão formado, autor de livros e botânico por hobby, pai de dois filhos adultos, conhece Portugal há 30 anos, fundador da ECO123.
Traduções: Dina Adão, John Elliot, Patrícia Lara
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