Tomo o pequeno-almoço no café ao lado. Custa 2 euros e 40 cêntimos. São oito horas quando entrego a chave na receção e vou ter com o senhor Jorge. Um galão e uma sandes de queijo, por favor. Bom dia! Dois minutos depois o pedido surge no balcão e tomo o meu pequeno-almoço na esplanada. Messines já despertou para a vida e eu estudo no mapa o caminho a seguir. Pretendo passar por Vale Vinagre, iniciando assim a pequena subida. Primeiro, fora da cidade, passo por debaixo da autoestrada que liga o Algarve ao centro do país. São muitos os caminhos e cruzamentos. Viro à direita, depois à esquerda, e depois de algumas centenas de metros encontro a placa que diz: Vale Vinagre. A estrada alcatroada torna-se num caminho de terra batida e após caminhar por uma hora chego ao terreno dos holandeses. Tem um banco, uma placa, um caixote do lixo debaixo de uma alfarrobeira e um livro com uma caneta, onde pedem que se deixe uma mensagem. Também há dois tamancos pendurados. Sento-me, e à minha frente tenho um jardim emoldurado por palmeiras com as árvores típicas daqui: romãzeiras, alfarrobeiras, oliveiras, figueiras e amendoeiras. É dia 21 de outubro de 2021 e é a primeira vez que me sinto bem recebido como caminhante. Obrigado!Sigo o meu caminho. Passo por um casal idoso na tradicional apanha da azeitona. Pergunto-lhes se o seu terreno ainda pertence a Silves ou já pertence a Loulé. O senhor aproxima-se e, sem responder, pergunta-me de onde venho. Digo-lhe o nome da aldeia onde moro e trabalho. Ele fica desconfiado e alvitra que, com certeza, sou estrangeiro. Conta-me que também esteve muitos anos em França a trabalhar. Pergunta-me diretamente se quero comprar um terreno que pretende vender. Respondo que não, que já tenho um terreno e não preciso de mais uma casa. Ele não desiste e começa a contar que ainda tem mais outra casa num terreno de somente 1000 m², com um bom pomar. Agradeço a oferta e repito a minha pergunta. Responde que a sua quinta pertence a Silves, mas que a fronteira é mais acima. Aponta uma obra. É ali que começa Loulé, o maior concelho do Algarve.
As terras aqui são boas e há árvores antigas. Há surpresas botânicas pelo caminho. Três eólicas produzem energia limpa. Em Alcaria do João, o caminho passa da estrada de terra batida para um trilho de caminhada que serpenteia entre os campos, seguindo antigos acessos dos agricultores marcados por fortes raízes de alfarrobeiras e oliveiras. Socalcos antigos, nozes pelo chão, amêndoas e alfarrobas. Volto a fazer recolhas, escolhendo bem. A Via Algarviana, esta antiga rota dos peregrinos, tem um traçado interessante aqui e passa finalmente por casas habitadas. É uma terra com muita agricultura de subsistência, com galinhas, patos e gansos. Os cães ladram e vejo um poço no meio do terreno. As árvores, em parte com centenas de anos de idade, sobrevivem bem à seca.
O boletim meteorológico anuncia máximas de 30 graus Celsius, tempo seco e vento de Noroeste. Ao olhar para trás, para a Serra de Monchique, a 70 km, vejo o caminho que é possível percorrer a pé em três dias. A vista é magnífica neste dia de outono. Agora, tenho pela frente a subida para a Serra do Caldeirão, a outra serra do interior algarvio. É um pouco menos elevada e está orientada de Norte a Sul, separando o barrocal do litoral. É aqui que nascem todos os ribeiros e rios do Algarve, o rio Odeleite e o rio Foupana, que desaguam a Este no Guadiana, e o rio Arade, que corre primeiro para Oeste, mas depois vira para Sul para desaguar no Atlântico, junto a Portimão.
Agora, viajo praticamente sozinho todo o tempo. De um momento para o outro, junto a Alte, tenho a impressão de ter chegado ao centro do Algarve. São 150 km até ao Cabo de São Vicente, a Oeste, e outros 150 km até à fronteira espanhola, marcada pelo rio Guadiana, junto a Alcoutim. Alcancei um estado em que parece que os meus pés me podem levar até onde eu queira, não interessa quão longe ou a que distância fique. Antigamente, fazia este caminho todos os anos e conhecia cada casa e cada árvore. Faltam dois quilómetros até Alte, onde vou passar a noite. Vou ligar para o meu albergue. Reservei lá um quarto há uns dias atrás.
Uma refeição para quem não come carne?
Estou na receção e folheio o livro de registos da Via Algarviana que está em cima do balcão. O ano de 2020 não teve qualquer registo. É um ano para esquecer. Graças à Covid-19. O ano de 2020 foi catastrófico para todos os tipos de turismo, mas foi o primeiro e único ano bom para o clima porque houve um decréscimo de oito por cento de emissões. Nem um simples “olá” da parte de outros caminhantes no livro de hóspedes. Ainda bem que o Alte Hotel sobreviveu à pandemia. Tem cerca de 30 quartos e um restaurante para acolher os que caminham pelo interior do Algarve. Atualmente, existem regiões nas quais os caminhantes são obrigados a levar uma tenda porque os hotéis não conseguiram sobreviver à pandemia. Dão-me a chave para o quarto 106. Mudo de roupa e lavo a minha roupa interior, a t-shirt, a camisa e as meias com o meu sabão de azeite no lavatório do quarto. Quero aproveitar a tarde solarenga e a varanda com vista para a entrada de serviço e a cozinha para pendurar a roupa lavada e pedir ao sol e ao vento que a seque o mais depressa possível. Existem hotéis que não permitem que se lave pequenas peças de roupa no quarto por razões estéticas. Oferecem esse serviço aos seus hóspedes, a determinado custo, mas muitas vezes também é mais moroso ou simplesmente não funciona. Lavo sempre eu próprio a minha roupa porque preciso dela seca na manhã seguinte. Gostos não se discutem. Menos roupa na mochila é menos peso às costas. Pretendo partir amanhã, logo de manhã cedo.
A vida de quem caminha é condicionada pelo pensamento prático e pela experiência. Levo muito pouca bagagem. Nas lojas especializadas não há vendedor que me possa impingir vestuário e calçado para a caminhada só por ser bonito ou estar na moda sem que tenha utilidade prática. Já não compro produtos estrangeiros que vêm de longe, da Ásia por exemplo (China, Vietname, Birmânia…). O vestuário especial para caminhantes não é propriamente barato. Por vezes, só se está a pagar pela marca do calçado, da roupa interior ou da t-shirt, e até umas calças para caminhada “Made in PRC” numa loja francesa de artigos de desporto poderão estar a custar a liberdade, senão mesmo, a vida de habitantes uigures. Já nem as meias compro a marcas internacionais. Em vez disso, encomendo-as a um particular que as faz à mão. São feitas de linho natural, segundo uma antiga técnica que usa cinco agulhas e que podia comprar-se numa cooperativa em Cachopo (concelho de Tavira). Infelizmente, uma das quatro sócias faleceu recentemente e a cooperativa teve que fechar. É lamentável, porque essas meias feitas à mão em Cachopo, na Serra do Caldeirão, são as melhores que jamais tive. Foram muito boas para os meus pés em grandes caminhadas. É que o linho é obtido da respetiva planta, e depois fiado para obter as meadas. O linho é dos produtos mais autênticos para vestuário natural. Antigamente, fazia-se roupa interior, meias, calças, casacos e até vestidos de linho em Alte, Salir e Cachopo. Prefiro este tecido ao algodão, à lã de ovelha e, como é óbvio, também aos tecidos acrílicos feitos de petróleo. Nenhum tecido tem características tão apropriadas para ser usado em longas caminhadas como o linho natural. O linho respira, e é um tecido natural que não absorve o suor. São necessários sete passos para obter um fio feito de linho: cardar, alagar, maçar, gramar, secar, assear e fiar. É este o vocabulário de uma arte antiga que está quase esquecida porque a confeção de vestuário se transformou numa indústria e agora até levaram as máquinas para o Extremo Oriente.
Mas as artesãs daqui, quando fiam o fio de linho, entrançam as fibras paralelas continuamente e estas formam um fio muito resistente. Pode-se fiar manualmente com roca e fuso ou no sarilho. O linho cresce sempre perto de zonas húmidas. A indústria do vestuário é responsável por mais emissões de CO2 do que o transporte aéreo e marítimo juntos. Isso faz-me pensar, e agir. Será que as pessoas também perderam a conexão com a natureza no que toca ao vestuário? Quando essa opção ainda existe, certamente prefiro vestuário produzido localmente e de fibras naturais.
Por que razão inauguraram agora um museu em Cachopo, em vez de revitalizar ou dar continuidade a essa arte antiga? Quem deve saber a resposta é a Dona Otília Cardoso, que dirige o museu em Cachopo, um local que, com certeza, vale a pena visitar. Se ainda estivessem disponíveis, compraria uma dúzia de meias desse material natural, produzidas localmente. Tenho a certeza que praticamente todos os caminhantes da Via Algarviana, que passa por Cachopo, fariam o mesmo se lá encontrassem essas meias disponíveis para venda. O facto de agora quase todas as marcas internacionais de vestuário quererem combater as alterações climáticas comprova a importância que é dada à produção de vestuário amigo do ambiente. Mais um caso de greenwashing. Querem combater as alterações climáticas? Então teriam que voltar a retirar as produções da Ásia e a fazê-las localmente na Europa, em Portugal, em Cachopo ou em Alte. E depois, há a questão dos tecidos e dos materiais usados na indústria do vestuário. Três passos importantes no sentido da neutralidade climática seriam a aplicação de tecidos naturais, a reciclagem dos mesmos e distâncias curtas nos transportes. O greenwashing da marca de calçado Nike não tem nada a ver com isto.
Para além do vestuário, a produção alimentar representa outra das importantes fontes de emissões de CO2. A gastronomia no Algarve ainda oferece muito poucas opções interessantes para quem é vegetariano ou vegan. Os vegetarianos são praticamente ignorados no interior do Algarve. Mas as coisas estão a mudar e o Algarve que se prepare para receber pessoas que não comem carne. Em 2020, a nível global, os produtos vegan representaram um mercado de 17 bilhões de dólares, o que corresponde a 13 mil milhões de euros. Os analistas preveem um forte crescimento: A Boston Consulting Group admite que as vendas anuais em 2035 cheguem aos 290 mil milhões de dólares, e o Credit Suisse Research Institute estima que possam chegar aos 1.400 mil milhões de dólares em 2050. Consequentemente, há muito investimento a ser feito nessa área.
Na ementa, o prato vegetariano são legumes salteados. Não sei bem o que me espera neste restaurante. Um dos objetivos desta caminhada também é esclarecer isso. Quero saber se já há alguma oferta de pratos vegetarianos para além dos pratos tradicionais disponíveis ao longo da rota da minha caminhada. Por isso, peço ao chefe de cozinha do restaurante do hotel que venha falar comigo antes do jantar. É que, na carta, só têm pratos de carne e peixe e os tais legumes salteados. O cozinheiro vem ter à minha mesa e ouve pacientemente o que tenho para dizer. Diz que sim com a cabeça e, sem mais nada dizer, volta para a cozinha. Vou me deixar surpreender. Após meia hora, serve-me um prato de tagliatelle com legumes. Cenoura, ervilhas e brócolos gratinados com queijo. Sento-me de forma a poder admirar o pôr-do-sol pelo vidro panorâmico para, em silêncio, poder apreciar melhor o jantar. Hoje, andei 20 km a pé. O Alte Hotel fica numa colina a Oeste da localidade de Alte e tem vista sobre todo o Barlavento algarvio até ao mar. É este o ambiente em que o caminhante se sente de férias.
Quem é vegetariano e anda a pé pelo país precisa de uma alimentação rica, variada e de produtos integrais. Quando vou fazer uma caminhada longa, na mochila trago sempre fruta fresca bem madura e frutos secos: nozes, amêndoas, passas de uva. As questões de saúde e ambientais ligadas à alimentação da humanidade originam discussões controversas em quase todos os lares. Não se trata apenas dos aspetos ligados ao consumo de carne, trata-se especificamente da atual situação alimentar da humanidade. Atualmente, a alimentação é responsável por 20 por cento das emissões e 90 por cento do consumo de água. A agricultura industrial e as monoculturas, a rega artificial intensiva e o transporte de legumes e fruta por distâncias de vários milhares de quilómetros e, claro, a carne e os animais, são temas centrais nesta discussão controversa. A prática corrente poderia ser bem diferente se os pequenos agricultores se organizassem localmente em cooperativas e comercializassem diretamente a diversidade que produzem a nível local. O que precisamos não é de concorrência, mas sim de cooperação, e de uma modéstia, que a maior parte das pessoas já não parece querer aceitar.
Um exemplo concreto: Hotéis, pensões e restaurantes poderiam comprar os ovos de galinhas criadas em liberdade, a nível local. Os hotéis no campo até poderiam criar as suas próprias galinhas, já que têm muito espaço desaproveitado, e assim teriam uma mais-valia. É preciso criatividade e coragem no trabalho, mas também por parte da Autoridade Tributária e da ASAE. Os funcionários costumam ter pouca visão quando o tema é a produção alimentar amiga do clima. Normalmente, só veem as Leis antiquadas, aprovadas por deputados que não têm noção da realidade no campo. A maior parte dos nossos representantes são juristas, funcionários e professores, e vêm da cidade. Quando aprovam novos regulamentos agrícolas, só pensam nos subsídios que vêm de Bruxelas, sem avaliar as necessidades dos pequenos agricultores locais. Quase sempre, têm apenas em consideração os grandes lobbies da indústria agrícola. As verdadeiras necessidades são outras. Trata-se de conseguir uma alimentação saudável e equilibrada com produtos alimentares produzidos localmente em pequenas empresas familiares ou grupos de produtores.
Portugal é, ao lado da Grécia, o país mais burocrático da Europa. Os seus políticos e funcionários precisam de mais formação. Precisam de abraçar uma visão mais sustentável para que a sua economia e agricultura passem a ser mais amigas do ambiente. Porque é que um restaurante não há de ter uma horta própria e criar as suas galinhas e cabras para encurtar a distância de transporte dos produtos alimentares vegetarianos? Em todo o mundo, a repartição das tarefas e a ambição de produzir cada vez mais, de ter cada vez mais crescimento, desperdiçando cada vez mais alimentos, são fatores determinantes para as alterações climáticas e impedem inovações amigas do ambiente para conseguir a neutralidade climática da economia. No ano de 2022, a neutralidade climática tem que estar no foco das empresas e dos municípios. Como podemos atingir essa meta? Conseguindo alcançar as zero emissões a nível particular e profissional: na mobilidade, energia e alimentação.
Claro que se deve dar prioridade a uma agricultura natural sem adubos químicos, herbicidas, pesticidas e fungicidas, que respeite as diferentes estações do ano e épocas de colheita – e seja de proximidade. O caminhante é um dos possíveis clientes diretos, amante da natureza. Observa as terras pelas quais passa e questiona esta ou aquela atitude.
Ao lado do Alte Hotel há um terreno vedado e abandonado com pasto a crescer bem alto. Porquê, para quê e para quem? Três ou quatro cabras e duas ovelhas limpariam o terreno sem custos. Uma dúzia de galinhas poderiam revolver a terra e aumentar ainda mais a sua fertilidade. Algumas árvores de fruto, por exemplo pessegueiros, alperces, laranjeiras e outros citrinos dariam fruta aos clientes e protegeriam o terreno com a sua sombra. Por que razão não plantam árvores? Poderia ser implementada aqui a compostagem do lixo orgânico da cozinha do restaurante do hotel. Transformar-se-ia em terra e adubo orgânico que poderia ser reutilizado na horta, na qual alguns canteiros dariam morangos na primavera, tomate saboroso no verão, e pepino, cebola, ervas aromáticas como o manjericão, alface, tudo produzido em pequena escala de forma amiga do clima, biológica e criativa. E que tal uma garrafa de água no quarto para os hóspedes?
A inovação sustentável normalmente exige um formador qualificado para dar formação aos empregados. É possível alargar a visão de rececionistas, cozinheiros, empregados de mesa e de andares com uma formação profissional contínua para um pensamento e uma atitude ecológicos. Muitos deles nunca ouviram falar em permacultura. Até na escola profissional de hotelaria poder-se-ia, em conjunto, aprender-se como implementar um jardim em diversidade capaz de trazer vantagens para o hotel, o restaurante e os próprios. Trata-se de decidir como pretendem os gestores conceber a formação profissional dos seus empregados, qual a valorização da ecologia e se pretendem proporcionar alimentos saudáveis aos hóspedes, dando importância ao tema, ou não. Desta forma, um terreno abandonado transformar-se-ia numa paisagem florida. Simultaneamente, seria uma situação em que todos ficariam a ganhar e seria rentável. Empregados com boa formação profissional valem ouro e podem fazer com que um hotel vazio passe a estar lotado.
Observo o hotel, mas não vejo painéis solares no telhado. Por que não os tem? O tema da “neutralidade climática” está ligado à mitigação das emissões de CO2 e à produção da própria energia limpa. A água para dos duches deveria ser aquecida por painéis solares térmicos que aproveitam a radiação solar. A Lei de Bases do Clima de António Costa ainda não teve repercussões no interior. O que é ecológico e sustentável também consegue ser economicamente viável. Quem produzir a sua própria eletricidade já não terá que se preocupar quando os preços da eletricidade subirem de uma semana para a outra. Deviam ser investimentos a que se dá prioridade, especialmente numa região em que o Sol brilha em mais de 300 dias do ano sem cobrar nada – e onde a água começa a escassear.
Moisés, livro 1, capítulo 1, versículo 28:
“E Deus abençoo-os e disse-lhes: Sejam férteis e multiplicai-vos, e encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra.”
Será possível?
Pronto. A minha roupa está lavada e secou durante a noite. Retiro o estendal e arrumo a mochila. Depois, vou para a sala dos pequenos-almoços. Enquanto espero, como se estivesse na fila da loja do cidadão, começo a pensar. Estou aqui em pé com o meu diário na mão, junto ao balcão dos pequenos-almoços, à espera que me entreguem o meu prato. Será isto uma pousada da juventude? Observo a vista panorâmica pela janela, de onde se vê todo o Barlavento algarvio, e pergunto-me quantos quilos de lixo por dia e toneladas por ano saem de um hotel, se considerarmos todas as pequenas embalagens para a manteiga, o doce e o mel que servem aos pequenos-almoços e no restaurante, e que depois de usadas são deitadas fora. Tomo nota deste “desperdício de recursos” e escrevo também “longe da vista, longe do coração?” Quantas toneladas de CO2 serão emitidas para a produção e transporte desses alimentos até chegarem ao “hóspede”, o consumidor final, no caso de se comprar esses produtos num “cash & carry”? E quantas seriam, no caso dos alimentos serem produzidos localmente, ficando o dinheiro na economia local da aldeia, impulsionando o desenvolvimento local? E, por outro lado, quanto CO2 seria evitado se um país, um estabelecimento, um hotel, se integrassem na atividade económica local, participando da mesma? Como em todas as economias e empresas, é preciso alguém que tome a iniciativa de iniciar a transição ecológica, motivando outros a participar. E claro que deve ser um passo que seja rentável. A conta da eletricidade é um importante indicador para a sustentabilidade. Quem produz a sua própria energia é mais independente dessa fatura e da energia produzida com combustíveis poluentes.
Reparo em cada vez mais detalhes enquanto percorro a pé os 120 km pelos caminhos do centro do Algarve. Escolho, cada vez mais, pequenas pensões para passar a noite, onde posso apreciar produtos locais ao pequeno-almoço: mel do apicultor, azeite do lagar local e doce de fabrico caseiro, queijo fresco de cabra, manteiga de amendoim caseira, pasta de sardinha e pão da padaria ao virar da esquina. Até têm sabonete produzido localmente na casa de banho. É por isso que estranho o pequeno-almoço no Alte Hotel. Devolvo o “fiambre”, que é uma massa sintética, e até mesmo o queijo, não é um bom cartão de visita para Portugal ou para o Algarve. Para tomar café, o hóspede tem que carregar um botão numa máquina. Depois, a máquina mói o café, que sai conforme o programa escolhido. E qual é a origem do leite? O leite vem de uma embalagem tetra-pack. Quando estiver vazia, vai para o lixo e acaba no aterro em Cortelha, a 30 km. A Via Algarviana passa perto do aterro e talvez volte a encontrar esta embalagem lá. Ainda tenho uma máscara FFP2 na mochila, por causa da pandemia, que ainda não acabou completamente. Mas vou continuar a usá-la, de qualquer forma, por causa do aterro e da poluição dos carros a gasóleo e a gasolina. Também vou ter de caminhar ao lado das estradas de alcatrão e passar por debaixo da autoestrada do Algarve. E por bombas de gasolina. No caminho de Alte para Salir pergunto ao dono de uma bomba de gasolina, em Benafim, por que razão, para além de disponibilizar gasolina e gasóleo, não dispõe também de um carregador para carros elétricos? Qual terá sido a resposta? “Por mim, proibia os carros elétricos e tudo ficava como sempre esteve.” Está na hora de partir. O país irá evoluir. Ou não.