O que perdeu – ganhou – com o fogo?
O Centro de Retiros Karuna foi totalmente devastado. Basicamente, todas as estruturas que lá existiam desapareceram. A floresta desapareceu. Eu sinto que um fogo, quando vem de uma forma natural, não pode devastar tanto. Se olharmos a 360 graus, Karuna está rodeada de eucaliptos por todo o lado. Nós temos mais ou menos três hectares. Tínhamos limpo tudo, não havia eucaliptos. E todos os medronheiros tinham sido podados, tinha-se limpo o mato à volta dos medronheiros. Então não havia motivo para o fogo devastar quatro casas bastante grandes, que constituíam o Centro Karuna, desde o templo até refeitório, desde os dormitórios e até a casa onde as pessoas ficavam.
No fogo de 2003 vi helicópteros a tentar trabalhar, vi pessoas responsáveis dentro desses helicópteros a comandar as coisas, pessoas de Monchique. A 5 e 6 de agosto deste ano não vi um único helicóptero. Eu não vi um único carro de bombeiros em toda a Picota. Isso não é natural. Deveríamos ver um helicóptero a passar de vez em quando, não é? Deveríamos vê-los passar para irem buscar água. Eu não vi nada.
Temos de tomar medidas um bocadinho excecionais, protegermos futuramente as casas e as florestas com um sistema de emergência. Temos de cuidar das coisas. O que ganhamos com este fogo foi a consciência de que as coisas estão extremamente desequilibradas e que é necessário armazenar água e protegermo-nos melhor, porque isto vai continuar a acontecer.
Vim no domingo, 5 de Agosto, para baixo e quando cheguei ao Pé da Cruz, com a barreira policial existente, decidi subir a pé. E o que vi à tarde, depois do almoço, foi claramente uma desorganização total, uma falta de comando. Estive dentro de carros de bombeiros, carros do GIPS. Quem esteve a comandar esta parte da Picota não teve qualquer tipo de ação concreta naquela altura.
Havia autotanques na estrada a largar água para a estrada, vi um cerco mais acima. Não havia comando, não havia direcionamento. Parece que foi feito de propósito para gerar confusão e descoordenação. Há coisas de que não falarei aqui, deixarei para o futuro, se calhar no Tribunal, coisas muito graves. É a minha intenção agora conectar-me com outras pessoas e perceber o que se pode fazer para mudar, por exemplo, a mentalidade do eucalipto.
Quem defende esta política são pessoas, se calhar mais idosas, se calhar nem vivem na zona, veem-no como uma forma de rendimento. É preciso tentar explicar ou demonstrar que é possível haver rendimento sem recorrer necessariamente à produção de eucalipto, um rendimento que seja cuidado.
Como não temos muitos hectares, não perdemos muitos. Tínhamos sete, portanto, seis arderam. Foi a primeira vez que o fogo chegou tão perto da vila – nunca em geração alguma isso tinha acontecido. Quando o fogo chega àquele cerro, muito rapidamente chega ao centro de saúde, à rua, chegou a arder um bocadinho da sebe da rua da Nossa Senhora da Conceição e entrou na vila.
Nós, responsáveis pelo território, não estamos a saber guardar nada do que as anteriores gerações conseguiram manter: árvores centenárias e, acima de tudo, a água, a água profunda dos lençóis de água, que é propriedade coletiva. Este incêndio fez-me perceber que anos antes fontes que nunca tinham secado, agora não tinham água, fontes onde encontrávamos um cocharro de cortiça que lá estava há gerações e por onde toda a gente que lá passasse bebia.
Se precisarmos fazer um furo temos que preencher muitos papéis na câmara, pedir uma autorização… e, provavelmente, teremos um não por resposta porque no lençol de água não se pode fazer um furo, só um poço previamente existente o pode legalizar. E embora não
se possa fazer um novo furo, porque a água é um bem coletivo, autorizam-se milhões de furos, de “palhinhas” chamadas eucaliptos, que estão legalmente a chupar água do lençol freático
(e cada eucalipto chupa provavelmente mais água da toalha freática do que um furo individual para o abastecimento de uma casa). E é isso que rodeia Monchique.
Portanto, as fontes que existiam no terreno e onde corria água há gerações, no verão e no inverno, perderam-na, a esta água que deveria estar a alimentar castanheiros, sobreiros, choupos, amieiros, toda esta humidade que tradicionalmente caracterizava a serra… Alguma coisa está a sorvê-la.
A Proteção Civil assume a responsabilidade?
Rui Lopes, 48 anos, é casado e tem dois filhos. A ECO123 falou com ele no Quartel dos Bombeiros de Monchique acerca dos incêndios, causas e responsabilidades.
Quem estava responsável pelo combate do incêndio de Monchique?
Estive no comando no dia 3 (sexta-feira) até ao final da tarde. O incêndio teve início nesse dia, por volta das 13h34. Nos primeiros 14 minutos existiam 204 operacionais no terreno, à noite, 639 elementos. No sábado de manha foram servidos 763 pequenos-almoços para todos os elementos: bombeiros, GIPS, GNR, entre outros.
Quem estava responsável? O presidente da Câmara Municipal ou o Comando da Proteção Civil?
Sempre a Proteção Civil e, no início, com o comandante Vítor Vaz Pinto*. O posto de comando foi inicialmente instalado na Altura das Corchas. Depois, no sábado, quando o incêndio tomou uma dimensão maior, o posto de comando foi instalado no Heliporto de Monchique. A segunda comandante nacional, Patrícia Gaspar, esteve cá desde domingo.
O novo vereador da autarquia, José Chaparro, criticou na televisão e no fim do dia 5 (domingo) a imensa confusão no combate ao incêndio, entre os comandantes da Proteção Civil Distrital e Nacional e os bombeiros. Cidadãos criticaram os bombeiros, que aguardavam ordens para apagar os incêndios durante pelo menos cinco horas, e não fizeram nada.
No dia 5, quando o incêndio chegou a vila? Não é verdade.
Investigámos. Os nossos testemunhos referiram que o incêndio estava dominado no sábado, dia 4.
Os Bombeiros estavam de volta ao quartel de Monchique quando o vento mudou a direção e reacendeu o fogo com muita mais força.
Não haviam Bombeiros nas Caldas de Monchique, nem no Alferce ou Fornalha no dia 5, domingo, à noite. Todas as aldeias na área da Picota foram abandonadas sem qualquer apoio. Um erro gravíssimo na avaliação do fogo e na escolha da estratégia para combater as chamas?
Não pode ser. No sábado às 13h40 a vigia aérea com o helicóptero terminou com o Presidente da Câmara Municipal, Rui André, e com o comandante da Proteção Civil, Vítor Vaz Pinto. O fogo não estava completamente apagado, mas quase. Depois, mudou o vento. O fogo reacendeu novamente na direção da Perna da Negra e, uma outra vez, para a Foz de Carvalhoso. Mas o incêndio estava praticamente apagado na noite de sábado para domingo. Quando o fogo, no domingo, entrou numa zona de Ribeira de Seixe, havia vento muito forte e o incêndio ganhou uma dimensão enorme.
O incêndio entrou numa zona com muita matéria incendiável…
Sim, eucalipto e muito mato mal ordenado e com muito vento. As matas de eucalipto no local não estavam limpas. O incêndio ganhou também força e velocidade porque havia muito combustível para arder.
É a confusão entre Vítor Vaz Pinto e Patrícia Gaspar?
Não sei, estive doente e sai no fim do dia 3, sexta-feira. Sei que Vítor Vaz Pinto esteve ao serviço dias 3, 4 e 5 e que Patrícia Gaspar entrou no dia 5 e ficou até 7 de agosto.
O centro Karuna ardeu e não havia um único bombeiro! O Corte Grande ardeu. Não havia bombeiros também para proteger uma floresta com árvores de 2.000 anos; a mesma coisa no Alferce. Podemos continuar e contar os deficits por cada hora.
É verdade. Na minha opinião, continuamos muito presos nos aspetos do combate, quando tudo o resto falha. E o ordenamento florestal? Vamos acabar o ano e, em quatro meses, entraremos novamente na altura de alerta. O que foi feito dentro deste prazo? Nada!
E quem é responsável por esta situação?
O Governo. Quando a prevenção falha… a Câmara Municipal?
A Câmara Municipal, o Estado Português, todos.
Ou seja, Rui André e António Costa?
Então, vamos ver. Quando o Estado falha, existe um Chefe de Estado e um Primeiro-Ministro, não é? Sou Bombeiro desde 1991. Vivi incêndios em 1991, em 1995, 2001, 2003, 2004, 2016 e, agora, em 2018. O que foi feito no ordenamento do território e no ordenamento florestal (o primeiro pilar)? O que foi feito ao nível da criação de zonas de não eucaliptal, da plantação de árvores folhosas, carvalho, por exemplo, de espécies autóctones? Nada! E no segundo pilar: a prevenção e a vigilância? Na zona por cima da Perna da Negra, mais ou menos na zona do Sol Branco, encontrámos uma pilha enorme de madeira que acabou por condicionar a estrada. A carga térmica não nos permitiu passar com os veículos. Precisámos de arranjar um bulldozer para abrir um caminho. Isto é um comportamento de risco! Porque cortam os madeireiros o eucalipto e não levam os restos da madeira? Vender a madeira significa vender a árvore na totalidade. Ninguém os autoriza a deixar o lixo no terreno, isso representa um grande risco. Em três ou quatro anos vamos ter os mesmos problemas.
Os Bombeiros perdem a batalha de quase cada grande incêndio. Como se sentem? Perdem combates, perdem equipamento, perdem vidas… Sentem-se perdedores?
Não conseguimos cumprir a nossa missão. É isso que sentimos.
Posso escrever e publicar estas palavras, Sr. Comandante?
Sim, não conseguimos cumprir a nossa missão com 22 homens a contrato de trabalho e com 40 voluntários (Monchique tem uma área de 397 km2 e 76% da floresta é monocultura de eucalipto, nota do autor) que não conseguem trabalhar quando ajudam a apagar fogos. Se a comunidade tiver muito mais interesse e vontade em participar na prevenção, será mais forte. Não procuramos culpados.
Não, e responsáveis?
Sim.
Como é viver com estes desastres na memória?
Ganhamos 68 incêndios em 2018 mas perdemos esta grande batalha. Como apagamos incêndios com temperaturas de 45 graus Celsius, com 10 a 14% de humidade e com ventos de 60 a 80 km/hora e as forças aéreas não conseguiram apagar os fogos na segunda-feira, dia 6, devido ao fumo? Precisamos ser realistas. Um bombeiro também precisa de descansar depois um determinado tempo de trabalho. Um operacional não consegue recuperar 100% da energia depois de algumas horas de descanso. Ou seja, com tantos dias de incêndio, a guerra é sempre muito grande.
Obrigado.
Um processo judicial contra o Estado?
A tragédia do incêndio da Serra de Monchique de Agosto de 2018 gerou danos cuja gravidade é em grande medida incalculável. Tanto ao nível material – pela floresta ardida, pelos bens destruídos, pelas culturas desaparecidas, pelas casas inteiras carbonizadas, pelas próprias infraestruturas de serviço à população, tais como rede eléctrica e de telecomunicações, que ficaram em grande parte danificadas, com consequências até ao presente – como ao nível moral, para toda a população local e nacional.
Em termos colectivos, os danos ao nível ambiental assumem proporções verdadeiramente catastróficas, com destruição de uma vastíssima área de floresta, queima e desequilíbrio de ecossistemas, e aniquilamento de património ambiental e cultural de enorme relevância a nível nacional e até mundial – nomeadamente com destruição de locais privilegiados, bosques de árvores autóctones com centenas e até milhares de anos de antiguidade – e produção de fumo e dióxido de carbono poluente em alta escala.
Ao nível a actuação jurídica e judicial, coloca-se a questão da reacção por parte dos cidadãos afectados, e de toda a comunidade, numa busca de tutela contra aquilo que foi uma verdadeira tragédia patrimonial e ambiental, mediante a implementação de acções com vista à obtenção de ressarcimento de danos, e à imposição de medidas de fiscalização e cumprimento da lei em vigor, a fim de se prevenir a ocorrência de novos desastres semelhantes.
Face à exiguidade dos meios de resposta – nomeadamente ressarcitórios – anunciados pelo Governo, e tendo em conta a enorme burocratização e dificuldade de acesso mesmo aos escassos meios disponibilizados à generalidade da população, a actuação judicial apresenta-se como a única forma eficiente para obtenção de tutela e defesa de direitos fundamentais dos cidadãos, e do património ambiental destruído.
Vem sendo verificado com cada vez maior clareza que o gigantesco incêndio foi determinado por um composto de factores imputáveis à conduta humana, situadas quer ao nível da falha de prevenção e fiscalização da legalidade na gestão ambiental e florestal, quer ao nível da própria reacção e actuação dos serviços competentes de protecção civil. E que ele não teria existido com esta dimensão e consequências não fora a negligência e ineficácia dos serviços públicos responsáveis, e não fora a ganância pela maximização de lucro a todo o custo.
Tendo em conta os objectivos distintos a prosseguir, afigura-se que a actuação judicial deveria desenvolver-se em dois âmbitos e dois processos ou complexos processuais principais distintos:
a) o da obtenção de ressarcimento justo para o conjunto de cidadãos e empresas afectados pela tragédia – incluindo proprietários, empresários, agricultores – de forma a compensá-los pelas perdas patrimoniais e morais sofridas na sua esfera privada, e na possibilidade de desenvolvimento das respectivas actividades económicas;
b) o da imposição de fiscalização e reposição da legalidade ao nível das práticas de gestão florestal e ambiental no Concelho e em toda a Serra de Monchique, mediante uma actuação colectiva ou popular capaz, também, de obter um adequado ressarcimento de danos ambientais, para aplicação na recuperação da Serra.
O primeiro objectivo implica um levantamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais provocados aos cidadãos e empresas afectados (incluindo lucros cessantes em virtude do impedimento à prossecução das actividades económicas e produtivas), e, bem assim, pela concretização e demonstração das falhas, actuações e omissões que determinaram o incêndio e as suas trágicas proporções.
Imprescindível será a seriação, de forma objectiva, de omissões ou actos concretos integradores de uma ou mais formas de conduta ilícita – contrária às normas e princípios aplicáveis – e da sua relação causal com o incêndio, com as proporções que ele assumiu, e por conseguinte com os danos que dele decorreram. Com efeito, o desiderato ressarcitório implica a demonstração, perante o Tribunal, da verificação cumulativa dos pressupostos da responsabilidade civil.
A preparação do processo implicará, assim, uma actividade de recolha de elementos probatórios para apresentação em juízo, incluindo prova testemunhal, prova documental, e relatórios técnico-periciais com análise das causas e consequências da tragédia.
O processo judicial em causa poderá ser instaurado por todo o conjunto de cidadãos e empresas afectados, quer mediante simples actuação conjunta (em litisconsórcio ou coligação activa) quer mediante a constituição prévia de uma associação de lesados, entidade sem fins lucrativos, capaz de actuar em representação dos lesados – para o efeito deverá incluir essa finalidade no seu objecto.
A actuação por meio da associação teria a possível vantagem de beneficiar de uma isenção de custas, o que, dependendo do valor indemnizatório a peticionar, poderia revelar-se como uma medida de significativa importância económica. A questão da legitimidade activa da associação a criar, para este tipo concreto de pedido, aproximaria o processo de uma espécie de “class action” – não se tratará propriamente de uma acção popular, por visar ainda uma tutela de interesses individuais agrupados ou homogéneos – ainda sendo necessário clarificar os termos e concreto alcance da recepção desta figura no nosso ordenamento jurídico, a fim de se confirmar a sua eficácia como instrumento válido para este objectivo em particular.
O segundo objectivo constituirá já uma actuação em sede de verdadeira e própria acção popular – à qual a lei reconhece benefícios ao nível das custas judiciais independentemente de se actuar como associação ou não – em defesa do ambiente e do ordenamento do território, pela qual se pode impor o cumprimento das normas aplicáveis e, também aqui, peticionar uma indemnização pelos danos ambientais verificados, correspondentes ao referidos interesses difusos, que não são apropriáveis individualmente.
Esta organização dos meios de actuação em duas fases ou dois complexos processuais, parece ser a que mais claramente traduz as diferentes formas de tutela pretendidas, e os objectivos específicos a prosseguir com uma e outra.
A actuação judicial ao nível ressarcitório e reintegratório não exclui a instauração de processos de natureza criminal, ou intervenção como assistente(s) em processos-crime existentes, caso a investigação em curso o justifique.
E nenhuma delas exclui as formas de tutela negociais, administrativas e políticas pelas quais os cidadãos interventores possam complementar a suas actuação em prol dos lesados, da defesa da Serra de Monchique e da salvaguarda da floresta e do meio ambiente.
Reflexões soltas num contexto fogo-direitos
Após momentos de plena angústia e desalento sobreveio a preocupação da reflexão… sem uma “fita do tempo”, como agora é comum dizer-se, nem uma depressão fatalista, mas com serenidade, pois que o luto ir-se-á esbatendo na memória, conduzindo a uma fase mais objetiva e ativa das nossas vidas.
Qual a necessidade de recorrer aos Tribunais no caso do incêndio em Monchique? Várias situações nos tornaram mais pobres, mais deprimidos, e de um dia para o outro. Vale a pena debruçarmo-nos um pouco sobre isto.
Como nos comportámos perante o fogo? Agimos na defesa dos nossos bens? Fomos impedidos de algum modo de o fazer? Delegámos noutros essa função? Sem sofismas, romances ou críticas, merece a pena pensar, objetivamente, identificar a realidade do que vivemos.
Devemos refletir também sobre o comportamento dos outros. Nós, os outros, as entidades responsáveis, como nos preparámos para um previsível fogo? Todos conhecíamos a estratégia equacionada pelo plano de prevenção dos fogos? Que práticas se desenvolveram em tempo anterior ao fogo? E como se atuou no tempo da calamidade em que o fogo vagueou pelo concelho? Que benefícios trouxe aos lesados a declaração de Calamidade Pública? Os lesados foram reconhecidos pela autoridade da Proteção Civil, ou outra, como vítimas? A maioria dos cidadãos não tem, individualmente, meios para combater os problemas nas estruturas do poder (o seu poder não cabe numa gota de água) mas, a força do ‘povo’, em conjunto, pode ‘mover montanhas’!
O fenómeno do medo que varreu a sociedade de Monchique, e a angústia que a este se associou, fê-la adormecer… Sabemos que a não reflexão leva à desinformação, à frustração e à criação de fantasmas que nada acrescentam de bom. É necessário, por isso, agir! Acabar com a falta de informação generalizada e de critérios desajustados às características deste território e pôr fim às mordomias a que um nicho se foi aproveitando.
Esta reflexão não é dirigida a alguém, mas é possível posicionar cada um no conjunto e estabelecer relações na teia dos acontecimentos. Houve falhas! Não é um drama, é sim uma necessidade para clarificar os comportamentos de cada um.
Moralizar comportamentos de quem faz de conta, para que depois nada aconteça… semear verbas para que nada se faça… é reprovável em todos os sentidos quando há cidadãos que ficaram sem nada, a quem urgem apoios efetivos como um simples documento…
Pensar que o que aconteceu foi um acidente fortuito, sem responsabilizar nenhuma parte pelo ocorrido é uma deriva inqualificável que não respeita ninguém, desde o simples cidadão ao ser humano que existe em cada um de nós: Município, técnicos, Proteção Civil e Estado Português.
Observar o Plano Municipal de Defesa da Floresta contra incêndios, elaborado pela Comissão Municipal de Monchique 2016-2020, é estar diante de uma manta de retalhos técnicos que pouco diz ao comum dos cidadãos, que fala dum Monchique algures implantado no território, pouco pessoal e dinâmico, no entanto cheio de lugares comuns.
• Se as ribeiras correm desenfreadas a caminho das bacias hidrográficas de Portimão, porque não existem ações de limpeza dessas ribeiras e construção de pequenos açudes, ou outras estruturas, para reter a água e assim aumentar a humidade dos terrenos nos períodos de estio, evitando esta total sazonalidade?
• Se as exposições a sul são mais secas e têm menos combustível, conduzindo a teores de humidade mais baixos, o que aumenta fortemente a probabilidade de propagação de grandes incêndios, por que não fazer incidir mais a prevenção, a vigilância e os meios de combate nestas áreas? Por que não agir concertadamente numa perspetiva de partilha de saber, informando sobre o comportamento das várias espécies vegetais em confronto; explicitando os fatores essenciais de desenvolvimento, como o consumo de água necessário à sua sobrevivência, os nutrientes, a propagação, a produção de combustíveis…
• Neste e noutros concelhos questiona-se sobre o facto de “acidentes ocorridos nas redes de linhas de transporte de energia elétrica” originarem ignições. Que medidas de prevenção se tomaram? A fiscalização dos comportamentos de risco foram equacionados? Que testes se fizeram para evitar tais ocorrências? Foi feita a manutenção das linhas de distribuição de energia? No incêndio de agosto último, no terreno junto ao Centro de Saúde, um posto de iluminação ‘vomitava’ matéria incandescente, mas como o terreno estava húmido e a população interveio, este não se propagou…
• O Município deveria adotar estratégias que decorrem de outras instâncias no reajustamento da organização e proteção das instituições públicas ou privadas que constituem o seu território, na prevenção, na vigilância, na detecção e fiscalização, numa eficaz planificação, direção e comando das operações de socorro e, num primeiro momento, da proteção das populações.
• É na figura do Presidente da Câmara que recai este reforço de prevenção e proteção da floresta (não só do eucalipto) na dinamização das operações, no enquadramento de defesa das populações, e na coordenação, enquanto responsável político. Se o objetivo do plano era, para 2018, reduzir ignições, reduzir a área ardida para 0,8% da superfície florestal está francamente desajustada da realidade, pois arderam 16.766,52 hectares no concelho de Monchique. Foram destruídas 32 habitações (das quais 12 na totalidade); arderam 37% de matos, 34% de eucaliptal, 10% de sobreiro, 7% de pinheiro manso e igual valor de folhosas, 4% de terreno agrícola e 1% de pinheiro bravo. Um estoiro!
• Isto para não falar do PDM criado em 1993, alterado em 2008, naturalmente desajustado e motivador de múltiplos problemas aos cidadãos.
A população está cada vez mais pequena e envelhecida. Como incentivar eficazmente o seu crescimento?! Por que não desenvolver meios significativos para a retenção de turistas no concelho? Estes, para apreciarem o património natural e único de Monchique, necessitam da identidade da região, e não de palavras vindas de uma realidade virtual. Se “a Floresta é um património essencial ao desenvolvimento sustentável de um país”, por que motivo se continua a confundir floresta com monocultura de eucaliptos? O que leva ao branqueamento de uma associação com constantes benesses, ficando a outra “floresta” sem apoio algum?
87% do território de Monchique pertence à Rede Natura 2000, 46% é composto por eucaliptal. Porém, esta rede tem como objetivo “contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados-membros”. Onde está a coerência?! Não serão os técnicos responsáveis por tais incongruências?!
Estas e outras reflexões deveriam estar presentes no nosso espírito. É urgente debater hoje para preparar o futuro, antes que chegue o próximo incêndio, que pode ser já amanhã! É necessário criar estruturas que nos possam defender neste Estado de direito, em Portugal, criar mecanismos para a salvaguarda dos nossos direitos e dos nossos bens. Porquê associarmo-nos numa estrutura legal de defesa? Num primeiro momento, para conhecermos histórias de quem foi lesado, para sentirmos o nosso lado solidário; noutro, para deixarmos que os nossos direitos exerçam poder, pressão, junto dos poderes constituídos.
Todos usufruiríamos da constituição de uma associação sem fins lucrativos para defesa dos nossos direitos ou, a fim de minimizar os recursos humanos, agregar a uma estrutura existente a vertente dos lesados pelos incêndios.
Porque juntos seremos mais fortes e solidários.