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Nº 36 – Marque o 112 em caso de emergência

Quarta-feira, 27 de Maio de 2020

de Uwe Heitkamp

Tuut. Tuut. Tuut. Clac! Fala Costa, como posso ser-lhe útil? Aqui fala da Imprensa. Bom dia, Senhor Costa. Estamos com problemas. A crise fez desaparecer todos os nossos clientes publicitários. O que fazer? (…)

Li que a Imprensa, nos tempos que correm, está a vender publicidade ao Costa. E a si, caro leitor, está também a comprar-lhe algo? Será uma “fake”? Não, é verdade. Não, não, não fazia ideia de que a Imprensa em Portugal se deixa comprar. Não pode ser, certo? Ou será mesmo? O que se passa?

Nós, na ECO123, ainda não soubemos dessa superpromoção. Talvez não tenhamos estado atentos. Deve ser por estarmos aqui escondidos atrás das montanhas e de Lisboa não nos conseguirem ver. É que, na sexta-feira, a nossa caixa de correio transbordava de publicidade dos supermercados do costume mas não tinha nenhuma carta do Senhor Costa a dizer que nos pretende comprar.

Normalmente, há os que se deixam comprar e, depois, levar – enquanto outros analisam bem o produto (não tocar sff) para só comprar depois. Estou a falar de espaços publicitários, claro. Portanto, como querem que imagine isto? Virá o Costa a Monchique, com ou sem marcação, já que as pessoas importantes provavelmente não precisam de marcação, e bate à nossa porta para dizer à responsável do marketing: “Ouve lá, o que ainda tens disponível para vender?” Será que envia um email com a descrição do projeto, ou será que fará o contacto através de papel azul selado de 25 linhas? Aquele papel do tempo da outra senhora…

Hoje em dia, quem compra quer algo em troca. Mesmo em português, dizem: WIN- WIN. Mas o que poderá a Imprensa oferecer ao Costa e quando é que pretenderá ele ativar os seus anúncios? Antes das eleições é sempre melhor do que depois.
Mas depois, há sempre mais uma eleição a ganhar. Se estou a ver bem, todos os contratos têm letrinhas pequenas, normalmente no verso do contrato publicitário. E é ali que fica escrito que, em caso de força maior, ninguém pode ser responsabilizado. É o que safa as editoras e o que é, na Igreja, a extrema-unção, a absolvição. Portanto, se amanhã a emissora XPTO, suponhamos, apesar da crise, emitir as novelas com uma barra colorida, uma imagem teste ou com o ecrã todo preto – que Deus nos proteja – o Governo comprou “publicidade institucional” que a XPTO não precisa de emitir, tendo ensacado o dinheiro dos nossos impostos em troca de um aperto de mão e de um abraço – um método que já conhecemos do Novo Banco, da TAP, etc. Arrecadaram o dinheiro para o desperdiçar depois.

Compreendo perfeitamente que o dinheiro tenha que circular. Atualmente não faz sentido nenhum fazer poupanças, porque o dinheiro não rende. Os juros estão a zero. Por isso, inventa-se estas formas de o atirar ao vento.

Caro António, fique sabendo que as melhores páginas para publicidade na nossa revista são a 3, a contracapa, e depois ainda temos as páginas verdes. Não temos páginas amarelas nem vermelhas. A certa altura houve um criativo da Mercedes que teve uma ideia brilhante. Em tempos em que ainda era moda ler jornais diários, comprou a página 3 de um importante diário nacional para a deixar completamente vazia. Nem sequer tinha a estrela da marca. Loucura? Bem, havia uma frase na vertical, no canto inferior esquerdo, onde podia ler-se: “A Mercedes não precisa de publicidade.” Era tudo. Pensando bem, esta agência publicitária seria a indicada para inspirar o Governo. Posso passar-lhe o contacto – sem favores, claro.

Uwe Heitkamp (60)

jornalista de televisão formado, autor de livros e botânico por hobby, pai de dois filhos adultos, conhece Portugal há 30 anos, fundador da ECO123.

Fotos:dpa

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