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Nº 58 – Comportamento aditivo

Sábado, 24 de Outubro de 2020

Se analisarmos as estatísticas da OECD sobre o consumo de antidepressivos e compararmos os valores dos 26 Estados Membros da UE, descobrimos que Portugal está em primeiro lugar na lista do consumo dessa “droga” prescrita pelos médicos. Em França, na Alemanha e em Itália registou-se metade desse valor, e até na Dinamarca e em Espanha – onde o consumo é de 77 e 75 doses/dia por mil habitantes -, o valor está bem longe das 103,6 doses/dia registadas em Portugal. São valores que nos deixam estupefactos mas que, por outro lado, explicam a vida dos portugueses no dia-a-dia.

Ao invés de se procurarem soluções para os problemas (materiais e espirituais) por via estratégias, atenuam-se os sintomas e ignoram-se as causas. O valor de 103,6 doses/dia/1000 habitantes revela que as farmácias vendem perto de 9 milhões de embalagens de antidepressivos por ano.

É esta a triste realidade. Os antidepressivos são prescritos a pacientes com um quadro de ansiedade e tendências suicidas. E também a doentes com dores de cabeça permanentes. Os médicos encontram assim uma forma rápida e fácil de tratar o assunto; em vez de um tratamento psicológico, com terapia, opta-se por comprimidos. São mais baratos. Mas não se deveria diferenciar entre a depressão, o esgotamento e as enxaquecas, especialmente em tempos de pandemia? Quem passa noites sem dormir ou, durante o verão, sofre de ansiedade pelo medo dos incêndios não deveria simplesmente tomar medicamentos sem consultar uma segunda opinião médica.

Em primeiro lugar, os antidepressivos não são a solução para todos os problemas: são sedativos, e não curativos; e em segundo, geram habituação. Uma vez iniciada a toma, são altamente viciantes e obrigam mesmo a um “desmame”.

Num artigo publicado em outubro de 2019, na revista Sciencedirect*, James Davis e John Read revelam que mais de metade das pessoas (56%) que tentam deixar de tomar antidepressivos sofrem de sintomas de abstinência. Quase metade das pessoas (46%) consideram esses sintomas graves. E é comum que perdurarem durante várias semanas, ou até meses.

As diretivas atuais subestimam a gravidade e a persistência das dificuldades posteriores à suspensão de antidepressivos, bem como as suas profundas consequências clínicas.

“Em princípio, a estratégia de passos pequenos e lentos segue a lógica certa”, explicam-nos os cientistas. A suspensão da droga leva a uma deficiência de certas substâncias, como a serotonina no sistema nervoso central – e o corpo tem de se ajustar lentamente. Os cientistas analisaram por que motivos, mesmo aplicando uma lenta suspensão da medicação, os sintomas se mantêm. Até agora, a dose era normalmente reduzida em passos constantes de, por exemplo, cinco miligramas. No entanto, quanto mais baixo for o nível da respetiva substância, mais eficazes são os antidepressivos. “Uma redução de cinco para zero miligramas é, portanto, muito mais drástica do que uma redução de 20 para 15 miligramas”, explicam.

Em última análise, os médicos e os doentes devem decidir cuidadosamente em cada caso como pode proceder-se à redução da dose de modo a que a suspensão seja tolerada. E isto depende de muitos fatores, como por exemplo a duração do tratamento e a rapidez com que o medicamento é absorvido pelo corpo, mas também da predisposição genética que influencia o metabolismo.

O estudo recomenda, portanto, que após uma pequena redução da dose inicial, os pacientes verifiquem que sintomas ocorrem, quão graves e permanentes são, e depois decidam sobre que medidas tomar.

Uwe Heitkamp (60)

jornalista de televisão formado, autor de livros e botânico por hobby, pai de dois filhos adultos, conhece Portugal há 30 anos, fundador da ECO123.
Traduções: Dina Adão, John Elliot, Kathleen Becker

Fotos:dpa

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