Home | Portugal | Vida | Culinária | A minha viagem pelo mundo
Dez passos para entrar noutro mundo

A minha viagem pelo mundo
Dez passos para entrar noutro mundo

Primeiro passo: aprender cozinha vegetariana…

Estou sentado à mesa do pequeno almoço – pão, manteiga, queijo, um ovo – servidos como se costuma fazer nos hotéis: a chávena de café, o sumo de laranja e os cereais. Penso no dia anterior e imagino ser uma pessoa que costuma comer carne, a quem dizem que, a partir de hoje, terá de erradicar carne e enchidos da sua alimentação. Por razões morais ou para proteger o clima. Está muito em jogo. Se eu fosse alguém habituado a comer carne ficaria zangado e indisposto, mal-humorado, e acabaria por culpar o resto do mundo desta miséria. Que clima? O que tenho eu a haver com isso? Vivo conscientemente e opto … – não interessa. É um assunto particular. Para além disso, nem permitia que me impusessem a exclusão da carne da minha alimentação. Não faz sentido. Quem o impõe não tem juízo e dá-me vontade de rir. Não pode ser a sério. Onde é que eu vim parar? Como é que me podem impor regras para a minha alimentação? Vivemos numa democracia!

Mudemos de cena. Vou começar este filme desde o início. Deve haver uma possibilidade. O filme poderia começar assim: Uma amiga minha passa cá em casa e convida-me para jantar. É mais interessante e diferente, uma mulher a convidar um homem. Por que não? E ela não diz mais nada. O destino desta viagem é segredo. É estranho e ela ainda nunca o tinha feito. Provavelmente quer surpreender-me, ir jantar comigo. Pergunta se estou curioso. Sim, estou, e começo a ficar com apetite, confesso. Fica combinado para amanhã à noite. Nunca lá tínhamos ido e temos curiosidade em conhecer melhor o trabalho desse cozinheiro. Quinta-feira. Combinado. Só mais um dia e a nossa viagem para um novo mundo vai começar.

 

Sou convidado e não tenho que pagar nada. Só tenho que aceitar o convite, sentar-me na cadeira junto a uma mesa, e ter tempo. Dinheiro, não – diz ela. A cavalo dado não se olha ao dente. E, depois, pergunta-me inesperadamente se se pode matar animais só por causa do sabor. Teremos o direito de provocar dor aos animais? Serão os porcos inteligentes demais para ser criados em produção intensiva? Perguntas sobre perguntas. Tens pena dos animais que te vão parar ao prato? Dizem que no momento da morte toda a vida é relembrada. O que achas que relembra um animal da sua vida no momento em que é abatido, numa caçada, em estado de choque durante o transporte para o matadouro, pressentindo algo horrível, antes de adormecer, no silêncio entre 30.000 galinhas?

E é chegada a quinta-feira. Como entrada, vou pedir uma sopa de legumes -, penso. Mas não. No restaurante, servem um “fogo de artifício” de saladas e legumes. O restaurante tem uma horta própria. Rúcula e alface frisada, alfaces de todas as cores e flores vermelhas e amarelas de agrião. Beterraba, cenoura, ervilha, abacate, cebola branca e roxa; morangos e feijão, galinhas a esgravatar livremente, cabras e ovelhas que são levadas a pastar todos os dias. Este cozinheiro parece vindo de outro mundo. Um mundo de que nos conta histórias com o seu puré da batata doce com Espetada com cogumelos e tofu, e com produtos da sua horta, produzidos em neutralidade climática, sem transporte, com denominação de origem. Será que ele acredita em tudo o que nos conta? Venham ver então. Vamos ver a horta. Bananeiras, alperces, pessegueiros e muitas mais. Frutas e legumes durante todo o ano. Será verdade, o que estou aqui a comer? Para sobremesa, posso escolher um sorbet de frutos vermelhos e bananas. As épocas determinam o cardápio. Pretendo aprender mais e aceito o convite para participar num dos workshops do cozinheiro Marek Horvath e da professora da permacultura Lesley Martin. Com um grupo selecionado de clientes, irei aprender a cozinhar de forma vegetariana na cozinha do restaurante, usando os ingredientes da horta. A transparência é um passo importante para chegar à autenticidade de uma vida saudável.

Por vezes, depois de muito refletir, tomamos uma decisão bem ponderada. Por vezes é uma visão que vem do fundo da alma, mas que já lá estava há muito, sem se ter imposto. Há três anos que não como animais mortos. Começo a ver-me de forma bem clara ao espelho, agora. Se quisermos ficar com saúde até a uma idade avançada, temos que estar sempre a aprender. Só assim é que nos encontramos a nós próprios.

https://www.valedalama.net/contactos/

Quinta Vale da Lama, em Odiáxere, perto de Lagos (restaurante aberto até fim  setembro de 2021, fechado para obras de outubro de 2021 até finais de 2022) almoço: 12-14h30, jantar 18-21h30, reserva 913 485 568

 

Na semana que vem damos o segundo passo. Dez passos para uma vida em neutralidade climática. Sempre aos sábados a partir das oito da manhã em www.eco123.info e também na nossa edição impressa, disponível duas vezes por ano nos quiosques. A próxima edição será no início do verão, a 21 de junho.

Uwe Heitkamp (60)

jornalista de televisão formado, autor de livros e botânico por hobby, pai de dois filhos adultos, conhece Portugal há 30 anos, fundador da ECO123.
Traduções: Dina Adão, Tim Coombs, João Medronho, Kathleen Becker
Fotos: Stefanie Kreutzer

Check Also

Boas notícias

Sábado, dia 21 de dezembro de 2024. Esta história encerra o ano de 2024 e …

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.