Sábado, dia 19 de junho de 2021
Não importa que atividade profissional eu escolho. Em todas vinga um só principio: travar a queima de combustíveis fósseis e passar a usar energias limpas. Para o agricultor, tudo se resume ao seu trator, à debulhadora e restantes ferramentas a gasóleo. E isto também se prende com tratar os animais com respeito; e pondero a possibilidade de mudar para um sistema de produção biológico em vez de continuar a envenenar o meio ambiente com glifosato. E claro, há que ter em conta o tipo de adubação e tantos outros fatores. No caso dos pilotos de aviões o foco está no querosene. Nos motoristas de longo curso e de táxi, do diesel. Há muitas profissões em que não parece haver uma alternativa à queima de hidrocarbonetos. Mas essas vão ter um fim. O discurso das zero emissões só tem uma solução concreta se a mobilidade passar a ser feita por via-férrea ou os transportes passarem a ser completamente evitados. Os comboios são movidos a eletricidade. Pessoalmente, encontrei uma solução para o meu caso – e que começa por olhar para a filosofia de “onde existe uma estrada, existe um caminho. Nada é fácil na vida, mas tudo começa com uma ideia clara, que acabo sempre por encontrar deitado na minha rede.
Desde que a tenho já não preciso de relógio. Confesso que, por vezes, me deito nela depois de almoço para uma sesta. Está-se muito bem. É uma rede larga que até dá para duas pessoas. Foi uma prenda, nem me lembro bem quando, mas penso que foi num aniversário. Esses detalhes já não importam quando me deito nela. Ali, parece que estou noutro mundo. Num mundo em que se vive em neutralidade climática. Olho o céu azul e uma pequena nuvem branca passa, empurrada pelo vento de Noroeste para Sudeste em direção ao mar. Fecho os olhos. Faz bem e alarga o horizonte. Estou à sombra de uma pimenteira e o meu cão brinca com um limão já quase todo espremido. Agora, tenta trazer-me o limão para a rede. Parece dizer: anda brincar! Quando era criança, pensava que trabalhar era para os adultos como o brincar para as crianças.
… Viro-me para o outro lado para me desviar do focinho frio do cão. Sussurro-lhe: Deixa-me ‘passar mais um pouco pelas brasas’. Preciso de sonhar mais um pouco. Mas ele não me ouve, ri-se de mim e muda de lado também. Eu deitei-me na rede para descontrair. Nela esqueço o mundo à minha volta. Por vezes fico em transe, sem saber se estou acordado ou a dormir, se estou a sonhar ou a fantasiar. Numa rede confortável, o tempo corre de outra forma, parece-se o tempo quando estamos de férias. Uma viagem sem custos e em neutralidade climática. A nuvem já desapareceu. Hoje não se veem aviões no céu. É domingo. Há menos turistas a caminho. Penso nos milhares de pilotos e na sua pegada ambiental. Fico zonzo. Oiço os motores a ronronar no autódromo ao longe, em Portimão. Cada vez mais longe. Começo a imaginar o que vou escrever e tenho as primeiras ideias.
Recentemente, um estudante perguntou-me como seria capaz de concretizar a frase “fazer mais com menos”, na prática. Vivendo mais devagar e sem relógio, respondi espontaneamente. Assim, os anos e os dias passam mais devagar. Esta rede tornou-se muito importante na minha filosofia em relação ao tempo. Está suspensa no espaço e balança como um pêndulo. Tenho uma corda presa no teto, que puxo para dar balanço. O meu telefone está em silêncio e o relógio está guardado há muito tempo. Balanço como um recém-nascido. Deitado na rede, decido o meu dia de trabalho como jornalista, sem imposições. São prioridades. É uma espécie de meditação. Esqueço as preocupações, tudo fica mais lento e os problemas resolvem-se por si só – sei que não é bem assim, claro. Na rede, estou no meu próprio mundo, apesar de viajarmos a mais de 107.000 quilómetros/hora pelo espaço-tempo do universo – perante isso sou muito lento e pequeno. Frequentemente, consigo tomar decisões importantes deitado na rede. Como iniciar e terminar uma história? Como me tornar um jornalista climaticamente neutro? O estudante ainda está a olhar para mim, inquisitivo. Abrandar está correlacionado com cuidar. Ao balançar na rede não emito CO2, não queimo combustíveis fósseis, afetando o clima, e não insisto em ser eficiente ou moderno. Esse género de competições são tão estranhas para mim quando estou na rede que até as acho ridículas. Queremos alcançar a neutralidade climática e não sabemos como? Na minha rede estou em condições de decidir por mim próprio. Sinto-me equilibrado. Há muito tempo que não me desloco de avião. Nem sequer em trabalho ou para ir de férias. Quando fico com saudades, deito-me na rede.
Sair da cidade e ir viver para o campo. Explico ao estudante que, caso tenha a coragem de trocar o relógio de pulso por uma rede não irá perder a noção das horas. O relógio não nos salvou da emergência climática. Durante o dia, o Sol faz o seu caminho de Este a Oeste e acaba sempre por haver tempo para acordar e regar as batatas e os legumes na horta e ter alimento suficiente. O estudante olha para mim à espera da receita para uma vida em harmonia com a Natureza. Recomendo abrandar o passo e ter menos objetivos. Apenas um agendado para a manhã e outro para a tarde. Abrir bem os olhos e observar. Não há ninguém que nos obrigue a cumprir horário. Eu próprio, por vezes trabalho por muito tempo e outras vezes não faço nada. Não há ninguém que me obrigue a trabalhar 40 horas por semana repartidas por cinco ou seis dias da semana. O meu domingo pode ser à 4ª-feira. Sou eu que decido. Todos podem escolher a sua profissão, da mesma forma que o meu cão escolhe um limão para brincar. Por hoje, chega de estar na rede. O meu cão quer brincadeira. Quem é capaz de lhe dizer que não?