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Nº 117 – Um autista de nome homo sapiens

Foto: Henk Hin

Sábado, dia 4 de dezembro de 2021.

Atenção! Esta história é aconselhada apenas a animais da espécie homo sapiens que consigam ler de forma autónoma, pensar livremente e interessar-se minimamente pela diversidade das espécies, e com desejo de descobrir que importantes valores este termo implica. Quem já tiver uma relação de amizade com um animal doméstico, uma verdadeira amizade, com certeza estará pronto para dar um primeiro passo na direção certa, ao encontro do mundo natural deste planeta Terra e da sua, ainda bem diversa, flora e fauna. Diversidade que, no entanto, se está a reduzir continuamente. Porquê? Porque o homo sapiens, no decurso de muitas gerações, se tornou carnívoro, e porque a larga maioria continua a pensar apenas em esgotar os recursos da Terra. Sempre cada vez mais? Sim. Explorar cada vez mais os recursos naturais da Terra significa também subjugar cada vez mais a Terra. O Clube de Roma, recentemente, apelidou esta atitude de “saque ao planeta”. É assim que está a agir o homo sapiens.

Fotos: Henk Hin

Claro que o estranho homo sapiens, essa espécie animal dominante no planeta Terra pode, ainda em 2022, fazer uma viagem até às paisagens geladas da Gronelândia, para ver os últimos glaciares, antes que estes derretam de vez (mas por que motivo o haveriam de fazer?) ou ir até La Palma, para admirar bem de perto um vulcão muito ativo e muito quente. O planeta Terra permite todo o género de aventuras. Há quem voe até São Tomé, para ir fazer caminhadas ou vá passar um fim de semana a Nova Iorque: o homo sapiens adora as aventuras e vive no seu planeta como se não houvesse amanhã, como se amanhã já não houvesse nada para ver, como se não existissem gerações vindouras, como se não se importasse se outras espécies de animais e plantas continuam a conseguir habitar o mesmo planeta…

Querer tudo só para si. A filosofia do infinito, leviana, a filosofia do eterno crescimento económico, colide frontalmente com os recursos limitados do planeta. O homo sapiens faz safaris, abate leões, rinocerontes e elefantes. E os insetos, que o incomodam, mata-os com o mata-moscas. Os escaravelhos e as pequenas plantas na floresta são simplesmente pisados. Subjuga a Terra em grande escala: com grandes máquinas e alta tecnologia, constrói casas e estradas, abatendo a floresta, árvore por árvore. Constrói aviões para voar de A para B e depois para C, e, talvez um dia, regressar a casa. Voa até à Lua e até Marte. Qualquer dia irá lá de férias, só para lá ter estado ou para ter um objetivo na vida, metendo o seu nariz em tudo.

Será melhor ficar em casa? Ficar consigo próprio e com os seus? Vamos ver se há alternativas. Portanto, esta história poderia começar AQUI e AGORA. Agora, somos oito bilhões. Alguns são de opinião que são demais para ter espaço suficiente nesta Terra. Mas quantos são “demais” e o que significa “espaço”? Dos oito bilhões, quase todos os indivíduos da espécie homo sapiens comem carne. Entretanto, já são apenas 13% os animais que vivem em estado selvagem; 87% residem em estábulos ou em jardins zoológicos. Pertencem principalmente às espécies de animais que o homo sapiens come diariamente, ou talvez devesse escrever “devora”. Para além das galinhas e dos porcos, fazem igualmente parte do menu lavagantes de viveiro e peixes. Será que a vontade desmesurada de comer carne não tem limites?

O que podemos fazer para travar a extinção das espécies e preservar a biodiversidade? E como podemos comunicá-lo? Qual a narrativa a adotar? Praticamente ninguém aceita deixar de comer carne, nem que seja por apenas um dia por semana. Começamos pelos valores éticos? Morais? Ou falamos diretamente de hipocrisia? Por que motivo é permitido matar pessoas quando estamos em tempo de guerra, mas já não o é em tempos de paz? Por que é que o homo sapiens come porcos e galinhas, mas não come indivíduos da mesma espécie? Como explicar isto a uma criança?

Virar a chave na ignição do carro ou carregar no botão para ligar o motor a gasóleo para depois criticar a Exxon Mobile ou o Governo é hipocrisia. Ou a compra de um bilhete de avião, devido à falta de tempo, e porque a viagem de comboio é insuportavelmente longa. Porque não existem bilhetes de comboio como recompensa a quem deixa de emitir CO2 para a atmosfera?

Que tal abordarmos a biodiversidade pela perspetiva das alterações climáticas? Se o homo sapiens abandonar a atitude que tem assumido até agora, irá descobrir que todas as crises são parte do mesmo grande problema. Todo o mundo animal, e a espécie homo sapiens também lhe pertence, toda a fauna e flora, estão severamente ameaçadas porque todas as crises estão interligadas. Como já referiu o cientista Alexander von Humboldt: tudo está interligado. Quando o compreendermos, passaremos a ser mais humildes enquanto andamos por este mundo. https://eco123.info/eco-tv/franz-hohler-o-fim-do-mundo/?doing_wp_cron=1638278023.7188920974731445312500

Um quarto de todas as espécies animais e vegetais conhecidas encontram-se em vias de extinção. A perda de biodiversidade progride atualmente dez a cem vezes mais rápido do que nos últimos dez milhões de anos. Estamos a testemunhar a maior perda de diversidade desde o desaparecimento dos dinossauros. E o responsável por tudo isto é o homo sapiens, o Homem moderno com a sua aspiração a cada vez mais e mais: mais móveis e papel, e com um modo de vida que destrói as restantes formas de vida com glifosato e outros venenos para o ambiente. Um processo lento, de início, mas que vai acelerando, até que, um dia, ficará sozinho no meio do lixo que criou…

A tragédia não se encerra na extinção do urso-polar, do pangolim, na perda de habitat do panda ou no abate do último rinoceronte-negro. O que é mais grave é que a mera extinção de uma só espécie pode iniciar uma reação em cadeia por todo o ecossistema. Animais e plantas, entre a diversidade biológica, fazem parte de uma rede – fornecendo alimento e condições de sobrevivência a outras espécies. A falta de uma das partes implica consequências. E hoje, essas consequências estão a afetar o homo sapiens.

As abelhas são disso o melhor exemplo. Fazem parte dos insetos polinizadores que possibilitam que árvores de fruto e outras plantas, floresçam todos os anos e deem fruto. A sua morte teria consequências diretas na dieta do homo sapiens: Sem as abelhas não haverá laranjas, maçãs, medronho, entre outras culturas. Em Portugal, 25 por cento da safra agrícola depende dos polinizadores. A quantidade destes insetos, que formam a maior família do reino animal, sofreu um acentuado declínio nos últimos 30 anos. Há peritos que falam de uma redução de até 80 por cento.

A alteração dos hábitos alimentares do homo sapiens pode salvar espécies e proteger o clima. Suponhamos que nos alimentávamos de forma vegetariana ou até vegan. Também a agricultura e a silvicultura poderiam seguir esta dinâmica, sofrendo alterações. Em vez de se ter de produzir em monocultura, ao concretizar muitas das ideias sustentáveis introduzidas pela permacultura em rotação de culturas, a alimentação poderia tornar-se mais colorida. E seria cíclica, seguindo as estações do ano no cultivo de frutas e legumes. Dar-se-ia um sentido mais profundo à vida, reduzindo o lixo, dispensando o plástico, mantendo distâncias de transporte curtas e impulsionando a economia local. Que tal propor um incentivo fiscal aos vegetarianos e vegan?

O que é bom para a saúde, também é bom para o meio ambiente, no qual o homo sapiens não é mais do que um pequeno elemento. Apenas renunciando a algumas coisas se conseguirá manter a biodiversidade e proteger o clima. Falta apenas encontrar o caminho que nos levará a essa meta.

 

 

Uwe Heitkamp (60)

jornalista de televisão formado, autor de livros e botânico por hobby, pai de dois filhos adultos, conhece Portugal há 30 anos, fundador da ECO123.
Traduções: Dina Adão,  João Medronho, Kathleen Becker
Fotos: Henk Hin

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