Conheço o mestre Figueiras desde a minha juventude, já lá vão 50 anos, numa oficina minúscula. Adorava vê-lo construir ou consertar peças, com paciência e sem pressas. Ainda hoje, quando passo à sua porta, na Rua Nova, em Portimão, paro para ‘dois dedos de conversa’.
Fez restauros para gente rica e famosa e cimentou amizades entre artistas e intelectuais. Mas, na sua simplicidade, apenas diz: “Fiz amizades com muitas pessoas, ao longo da minha vida”.
ECO123 – Mestre Figueiras, como é que entrou nesta profissão?
Mestre Figueiras – Comecei a aprender a arte de marceneiro há 65 anos, com a idade de 13, na oficina do mestre José Pedro Martins. E não ganhava nada. Só ao fim de 4 anos de aprendizagem é que comecei a receber 50 escudos por dia. Mais tarde, fui para Lisboa e, como adoro arte, comecei a dedicar-me à talha e à pintura, o trabalho que mais gosto de fazer.
Foi nessa altura que teve contacto com as madeiras e peças valiosas?
Foi. Comecei a fazer cópias de contadores, peças do século XVII, a trabalhar o marfim, a restaurar peças antigas…
Sou mais conhecido lá fora do que aqui.
Mas também restaura peças que lhe chegam do estrangeiro. Como aparecem esses contactos?
Sou mais conhecido lá fora do que aqui. Fiz muito trabalho para a Alemanha e Holanda, para muitas partes do mundo, nos bons tempos. E as pessoas foram passando a palavra. Desloquei-me à Alemanha, há muitos anos, e fiz lá uns restauros. Também fui a Paris, onde não fiquei porque tinha um compromisso para restaurar umas peças na Suíça…
Dedica-se à recuperação de arte Sacra?
Sim. Há mais de 50 anos que faço trabalhos, entre outros clientes, para a Quinta da Donalda. Fui eu quem restaurou a capela. E sou requisitado por outras igrejas, de vários pontos do País.
Sabemos que o mestre se dedica à escultura e tivemos o privilégio de ver, há muitos anos, a sua bela colecção de Cristos.
Já não a tenho. Há anos, fiz duas exposições nos hotéis de luxo locais e as peças foram adquiridas. Restam são as fotos que o meu amigo Augusto Cabrita(1) tirou, na exposição.
Também sabemos que fabricou um violino em madeira de amoreira, cravejado a madrepérola. Ainda tem essa peça?
Ainda. Fi-lo com 19 anos. O meu avô tocava e gostava de se entreter com os violinos e eu, desde miúdo, também gostava. Então, decidi fazer um e ainda aí está.
Era o momento para terminar a entrevista e partilhar uma chávena de chá verde (um suposto restaurador do corpo humano), com ele e o filho Miguel, que fez uma pausa na obra em mãos. Para eliminar um risco num móvel, tinha passado horas a retirar cuidadosamente todo o verniz do tampo e a torná-lo homogéneo. Felizmente, existe um descendente para continuar a obra e o nome portimonense que se impôs no mundo restrito da restauração de antiguidades.
78 anos, tem um filho, o Miguel, que está a aperfeiçoar a sua arte com o progenitor.