Os dinossauros que já não existem
Já não estão connosco, é verdade, mas têm acompanhado grande parte da minha vida. Refiro-me aos dinossauros, extintos há milhões de anos e que podem ser um exemplo para todos nós. Quando olhamos para o passado feito com eles, podemos também olhar, de certa forma, para o futuro. Que deve ser feito por nós.
Lembro-me de que quando era criança, pelos tempos do cubo mágico apareceu também uma pequena maravilha com um nome para mim esquisito: Kalkitos. Os Kalkitos eram tiras de papelão com um cenário num dos lados. Aí podia-se colar diversos elementos que vinham numa folha à parte, transparente. Calcando na folha depois de colocada sobre o cenário, obtinha-se coisas surpreendentes para a altura e, sobretudo, para a minha idade. Lembro-me, por exemplo, de como distribuí soldados mexicanos e texanos no cenário da Batalha de Forte Álamo, no Texas, travada no ano de 1836. Mas lembro-me sobretudo do espanto com que numa outra tira de papelão, com campos de pasto e zonas de floresta, pude colocar animais que nunca tinha visto. Lembro-me de como lá deixei os mais variados e alguns até capazes de voar.
Foi com os Kalkitos que surgiu o meu fascínio pelos dinossauros. E muitos anos depois, décadas, com os meus quatros filhos, acabei por perceber que essa espécie extinta afinal estava na moda. E que os meus próprios filhos ficavam fascinados com ela. A nossa casa encheu-se de dinossauros, alguns até com nomes que eu, meio especialista no tema, nunca tinha escutado, como um a que passei a achar muita piada: o parassaurolofo.
Nessa altura, fui procurar num caixote de coisas de outros tempos algo que no velho colégio de Monchique, entretanto destruído, me tinha valido subir no último período a nota de quatro para cinco na disciplina de Trabalhos Oficinais. Um bicho verde de dorso alto e cheio de bicos, cabeça pequena e cauda comprida: era o dinossauro que eu mais admirava na adolescência, depois de alguns anos antes o ter descoberto nos Kalkitos: o estegossauro.
Os meus filhos nunca ligaram àquele tosco dinossauro que tanto significava para mim. Tinham outros mais bem feitos, comprados numa loja que ao lado da porta normal apresentava uma porta mais pequena para eles entrarem e por onde eles faziam questão de passar. Tinham inclusive estegossauros, perfeitos, bem mais atraentes do que aquele meu feito em contraplacado e pintado de verde.
O fascínio dos meus filhos teve mais impacto em mim do que alguns anos antes a passagem dos dinossauros ao cinema por Steven Spielberg. Nem se pode comparar. Tanto que uma tarde, conduzindo sozinho pela Via do Infante, bem ao largo da minha terra, tive uma certeza. A imagem que eu via ao olhar para a direita. Eu já a tinha contemplado tantas vezes, mas de repente tudo fez sentido para mim. As duas montanhas de Monchique, uma um pouco mais alta do que a outra, mas ambas as maiores de todo o sul de Portugal, essas duas montanhas que além de altas são bem compridas, nas suas formas eu vi dois dinossauros. Tranquilos, sem um movimento que se notasse a partir da auto-estrada, a uns vinte quilómetros de distância. E tive a certeza. A serra de duas montanhas tranquilas, para mim, passou a ser a Serra dos Dois Dinossauros Adormecidos. Creio mesmo que a partir daí tive sempre uma enorme dificuldade em referir-me a ela como Serra de Monchique, à semelhança do que fazem as outras pessoas e do que se pode ler nos livros. A imagem ficou-me. As duas montanhas são dois gigantes que sobreviveram dos tempos jurássicos. É por cima deles que eu ando quando estou em casa, quando subo ao alto da Fóia, quando procuro o castelo do Alferce, quando no bico da Picota tento ver o mar todo do Algarve. E se estou ao longe, até mesmo a norte, por exemplo a conduzir na zona de Ourique num regresso de Lisboa, o que vejo são os dois dinossauros. Adormecidos (neste caso, para mim, não desaparecidos). A Serra dos Dois Dinossauros Adormecidos, como um dia eu gostaria que muita gente dissesse.
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Nota: texto escrito sem seguir o novo acordo ortográfico para a língua portuguesa