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O futuro da energia solar em Portugal

Como investigador para a gestão da transição energética, em 2016, fiquei admirado com a lentidão do crescimento do setor da energia solar em Portugal apesar do enorme potencial que o país tem. Elaborei um projeto de pesquisa sobre este assunto, focado nas condicionantes financeiras, e obtive o apoio do Centro para a Mudança Climática e Energética da Noruega (Centre for Climate and Energy Transformation), onde tenho a sorte de poder investigar este e outros assuntos similares juntamente com colegas fantásticos. Entre 2017 e 2019, estive cerca de cinco meses em Portugal para investigar projetos na área da energia solar em vários locais e de várias dimensões, desde a capital Lisboa até pequenas localidades no Alentejo. Entrevistei mais do que uma centena de especialistas e outros players e estou muito grato pelos pontos de vista que partilharam comigo. Deram-me uma visão sobre a gestão da transição energética neste maravilhoso país, e não só.

Uma das maiores alterações em Portugal nos últimos anos tem sido o discurso público sobre as energias renováveis. Para leitores não familiarizados com a política portuguesa isto pode parecer surpreendente: afinal, Portugal tem sido um dos líderes europeus em energias renováveis. Mas aqueles que acompanharam avidamente os debates políticos do país durante a década de 2010 sabem da estreita relação entre o setor da energia e a política.

A instrumentalização das energias renováveis em Portugal

Durante a fase em que Portugal estava a sofrer mais os efeitos da recessão económica, entre 2009 e 2015, o setor energético foi uma das áreas em que se sentiu os seus efeitos. O país continua a ter dos preços mais altos para a energia na Europa, e também tem uma das mais elevadas taxas de “pobreza energética” – ou seja, de lares sem um acesso adequado aos serviços energéticos que necessitariam. Entre os muitos fatores que originam esta situação, destaca-se o elevado endividamento das empresas do setor, que em grande parte também é responsável pelo valor alto das taxas adicionais cobradas com a fatura da eletricidade.
A energia renovável foi “instrumentalizada”, conforme declarado por uma das minhas fontes (veja-se a caixa de texto sobre um artigo publicado em 2018 no fim), quando as tarifas para a energia eólica, propostas pelo governo da altura, foram atacadas durante a campanha eleitoral de 2015. Isso ignorou o facto de que para além dos subsídios para a energia eólica, que em parte beneficiavam muito algumas empresas, uma grande parte da dívida do setor tinha a sua origem na reestruturação financeira. Os acordos feitos com o Governo nessa área mostraram prejudicar significativamente o contribuinte, como mencionado durante as audiências parlamentares em 2018. Entretanto, todas as energias renováveis ficaram com uma má imagem, acabando rotuladas como sendo um fardo público.

Central solar junto a uma vinha/Solar plant near vineyard/Solaranlage in der Nähe von Weinbergen

A redução dos custos globais com a energia solar

Graças à inovação a nível global e à produção em massa, principalmente da China, os custos da energia renovável, em particular da tecnologia fotovoltaica (PV) têm vindo a descer continuamente durante esse mesmo período. Um dos factos mais relevantes para a transição energética durante a década de 2010, é que a energia PV atingiu aquilo a que chamamos de paridade com a rede, ou seja, passou a ser competitiva com os preços praticados na rede elétrica. Isto tem fortes implicações. Por exemplo a China instalou mais capacidade em painéis PV durante um único ano (53 giga Watts em 2017) do que havia em todo o mundo em 2010 (40 giga Watts)! Em Portugal, país com os maiores índices de radiação solar da Europa, esta notícia também deveria ter sido bem acolhida. Porém, a instrumentação política da energia renovável foi um problema, já que a opinião pública em meados da década de 2010 via as energias renováveis como algo dependente de subsídios, como mais uma carga para os contribuintes.Seguidor solar montado no solo/Ground-mounted solar tracker/Bodengestützter Solartracker
Isto é surpreendente, até porque Portugal já tinha na altura experiências de sucesso no campo da energia solar. A central de produção da Amareleja, em Moura (distrito de Beja), era a maior do mundo quando foi construída, e foi ligada à rede há mais de uma década com uma tarifa altamente subsidiada, numa altura em que a energia PV ainda tinha custos muito elevados. Mas ficou provado que a tecnologia funciona bem em Portugal. A microprodução foi impulsionada por uma tarifa de venda à rede bastante atraente no início da década de 2010, e tal como foi o caso dos painéis solar-térmicos nos telhados, teve muita aceitação. A tarifa de compra de eletricidade pela rede foi rapidamente reduzida, e a instalação de painéis solares sobre os telhados começou a ter menos interesse economicamente devido à nova regulamentação e apesar da descida global dos custos! Até 2019 o enquadramento legal só incentivava o auto-consumo – o que não é especialmente aliciante para casas de habitação , que não tem consumo durante o dia.

Alterações fundamentais no setor energético em Portugal

Quando comecei a analisar a implementação da energia solar em Portugal em 2017, muitas empresas de energia solar tinham interesse em instalar centrais PV e o secretário de estado para a energia da altura (Jorge Seguro Sanches, novembro de 2015 – outubro de 2018) fez questão em reforçar o aparecimento de centrais sem subsídios. Ao mesmo tempo a Direção Geral de Energia e Geologia (DGEG) fez várias alterações às condições de licenciamento que dificultaram a aprovação de projetos para a instalação de centrais solares PV. Os anos foram passando, e apesar de terem sido licenciadas algumas centrais, reinavam a confusão e os atrasos, havendo muitos investidores com queixas quanto à falta de transparência durante o processo. Muitas centrais tinham tarifas subsidiadas, e as empresas alertavam para a dificuldade em atrair investimento estrangeiro sem um retorno garantido, já que a tecnologia PV ainda era considerada um mercado emergente com um elevado investimento inicial.
Mas a situação alterou-se completamente em outubro de 2018 com a criação de um novo Ministério do Ambiente e da Transição Energética que juntava a energia com o ambiente. Em janeiro de 2019, Portugal, bem como todos os membros da União Europeia, publicou o novo Plano Nacional Energia e Clima 2030 (NECP). Também publicou as metas para a neutralidade carbónica 2015, traçando o caminho para tornar o país neutro a nível de emissões de carbono e enfrentar as alterações climáticas. Esse caminho depende da substituição das fontes de energia para a produção elétrica, e da eletrificação da energia, mas também dos transportes, do aquecimento, da refrigeração e das produções industriais em geral. Exige um crescimento rápido das energias renováveis, inclusive da energia solar. A vantagem de Portugal é que esta fonte de energia pode facilmente ser complementada com outras já existentes no território, como a energia hídrica e eólica. Porém, no mundo real, normalmente não é assim tão simples.
Um requisito fundamental para aumentar a produção de eletricidade e aumentar a penetração das energias renováveis no mix de abastecimento da rede elétrica é assegurar que esta alteração seja suportada pela rede. Ora, a rede é relativamente fraca nas regiões do Alentejo e do Algarve, regiões onde as taxas de irradiação solar são mais elevadas e a densidade populacional é baixa. Uma vez que se encontra geograficamente isolado, estando ligado ao continente europeu através de Espanha, Portugal depende das interconexões da rede com e através de Espanha. Graças a um acordo entre a Comissão Europeia, a França, a Espanha e Portugal em 2018 relativamente a um investimento de 578 milhões de euros em infraestruturas, a interconexão de Portugal aumentará em breve de 8% para 10% da sua capacidade instalada de produção de eletricidade. Para além destes grandes investimentos, pode ser útil o reforço da rede existente em Portugal, meta essa que faz parte do plano desenvolvido pelo operador do serviço de transporte, a REN.

O caso da microgeração solar

Outro aspeto dependente da capacidade da rede é a distribuição, que em Portugal é quase toda controlada pela EDP. Este facto pode ser benéfico ao aumento da implementação de capacidade de geração PV se os regulamentos forem adequadamente atualizados. Há nova legislação que foi publicada em meados de 2019, mas esta só pode ser considerada um sucesso se possibilitar rapidamente ao lares e às pequenas empresas, e também aos edifícios públicos, a instalação de painéis nos telhados com algum benefício económico permitindo a criação de produções de energia em comunidade nos edifícios ou entre vários edifícios. Na Europa já está a ser apoiada esta tendência da criação de blocos de energia positiva, entre outras, e são modelos de sucesso na Califórnia até na Alemanha. Este tipo de projetos são a chave para o futuro que desejamos para a energia solar em Portugal. A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) tem a responsabilidade de possibilitar o crescimento da distribuição de energia limpa em linha com a real potencialidade económica do setor, e este crescimento é essencial para a concretização das metas do NECP 2030. A produção distribuída de energia solar PV tem a vantagem de requerer pouco investimento na infraestrutura da rede, já que a energia é gerada próxima dos locais de consumo. Em locais onde há a necessidades energéticas já existe a rede, o que implica menos exigências para a capacidade da rede do que quando uma grande quantidade de energia tem que ser transportada por longas distâncias, como é o caso das centrais situadas no campo.Paisagem com central PV/Solar plant in landscape/In Landschaft eingebettete SolaranlageJá estão em curso projetos interessantes para a produção de energia solar PV à escala da rede. Durante 2019, o novo ministério anunciou leilões de energia solar e concluiu com sucesso o primeiro em julho de 2019, que até definiu uma nova tarifa recorde mundial neste processo, inferior em um terço do preço médio anual do mercado grossista de eletricidade, que normalmente é superior a 50 euros por Mega Watt/hora no Mercado Ibérico de eletricidade (MIBEL). A elegância deste mecanismo de leilão solar no mercado é que identifica uma valor de mercado competitivo e torna os projetos solares financiáveis para os investidores, dando uma base de cálculo para o retorno do investimento. Embora o resultado seja positivo para o governo português, tem perturbado vários promotores solares, que consideram as margens de lucro baixas e receiam que futuros leilões não atraiam o mesmo interesse, podendo os investidores se voltarem para mercados mais lucrativos. Mas podemos salientar que ter políticas e metas claras torna Portugal atraente para investimentos seguros em energia.
E enquanto aguardamos o próximo leilão solar no início de 2020, surge a preocupação que a expansão da energia solar faça baixar os preços durante as horas de maior produção no Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL). A baixa tornaria pouco atrativa a instalação de mais capacidade de produção de energia solar aos promotores solares sem tarifa negociada, a menos que Portugal crie ativamente um mercado flexível para aproveitar o custo decrescente do armazenamento de energia. Mais uma vez, a forma como os regulamentos são concebidos para o permitir irá determinar se os agregados familiares, empresas e comunidades energéticas que instalem capacidade solar fotovoltaica poderão ou não beneficiar economicamente da transição energética em Portugal. Por exemplo, se os fornecedores agregarem a energia solar distribuída com grandes baterias ou outras soluções inovadoras de armazenamento de energia ao nível da subestação, esses participantes podem ser recompensados com uma elevada percentagem dos benefícios desse armazenamento para que este armazenamento esteja disponível para o equilíbrio da rede.

O interior de uma bateria de grandes dimensões/Inside a large battery/Inneres einer großen Batterie Solaranlage

O futuro da energia solar em Portugal

Não há dúvida que mudou completamente a opinião pública em Portugal sobre a energia solar PV. Já não pode ser vista como uma carga para o contribuinte. Independentemente do resultado das eleições em outubro de 2019, o Governo de Portugal irá continuar o caminho de crescimento das renováveis e da descarbonização da sua economia. Isso também significa o fecho das centrais a combustíveis fósseis, começando pelas duas que ainda funcionam a carvão importado (Sines, 1.192 mega Watts em Setúbal e no Pego, e 628 mega Watts em Santarém) e depois possivelmente aquelas que funcionam a petróleo e a gás. E isso só será possível com um crescimento das energias solar, eólica e hídrica, bem como de soluções de armazenamento como a bombagem inversa nas barragens, a concentração de energia solar, e métodos novos, como o armazenamento por gravidade, para além das baterias, inclusive as baterias dos carros elétricos.Visões do futuro solar/Public visions of our solar future/Öffentliche Visionen unserer solaren Zukunft
O que não está esclarecido, é o que isto significa para o setor energético em Portugal. Se será democratizado para beneficiar os cidadãos, podendo estes contribuir com painéis PV sobre os telhados e tornar-se membros de comunidades energéticas para poder ser libertada toda a potencialidade desta tecnologia limpa e competitiva. Ou ficará o cidadão mero espetador da transição energética, testemunhando em silêncio as empresas a instalar grandes centrais solares, que produzem a um valor mais baixo do que as centrais a combustíveis fósseis, mas ficando esse mesmo cidadão a pagar as tarifas altas de sempre? Esta é uma questão que deveria ter uma só resposta correta, mas a responsabilização do Governo neste momento histórico depende dos cidadãos e dos média. As políticas e as metas estão traçadas, a intensão é boa, e o desafio para o próximo Governo é a criação de uma regulamentação centrada no cidadão que passe para a Lei uma forma de implementação da transição energética que beneficie todos. O destino dos microprodutores de energia solar PV em 2020 irá ser um bom indicador de que isto está ou não a acontecer.

Siddharth Sareen (31) é investigador no Departamento de Geografia da Universidade de Bergen, na Noruega, desde 2017. Dirige o projeto “Energia Solar: a criação de instituições responsáveis pela transição para a energia renovável”.

Durante o outono de 2019 irá ser Senior Research Fellow no Science Policy Research Unit da Universidade de Sussex no Reino Unido. Consulte o seu trabalho sobre a gestão de transições energérias em:

https://www.uib.no/en/persons/Siddharth.Sareen

Caixa 1 Sareen, S. and Haarstad, H. 2018. Bridging socio-technical and justice aspects of sustainable energy transitions. Applied Energy 228: 624-632 (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0306261918309747)
Este artigo relaciona as dinâmicas técnico-sociais e aspetos jurídicos que atuam durante as transições para energias sustentáveis. Analisa as mudanças nas estruturas institucionais, nas relações financeiras e nas infraestruturas materiais que caracterizam as transições energéticas. Aponta as iniciativas neste processo em diferentes projetos de energia solar de várias dimensões em Portugal.

 

Siddharth Sareen

traduções: Fernando Medronho & Kersten Funck-Knupfer | fotografias: Siddharth Sareen

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