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Porque não sabem o que fazem

As imagens não deixam dúvidas. Dois funcionários da Câmara Municipal de Monchique estão a aplicar herbicida nos passeios públicos. Os dois homens devem saber que estão a fazer algo de perigoso, porque estão a usar um fato protetor integral, máscara e luvas. Protegem-se a si mesmos, mas quem é que protege as pessoas, as plantas e os animais?

Quando lhes perguntei se sabiam o que estavam a fazer, começaram a gesticular para eu me afastar. – Vá-se embora! Diziam. Mas eu fiquei. Alguns minutos a seguir, uma mãe passa com um carrinho de bebé, exatamente no mesmo local. Há gatos, cães, pássaros, e muitos insetos que são contaminados com o veneno. E se chover, ele irá infiltrar-se mais no solo, até chegar ao lençol freático. Supostamente este veneno era para destruir somente as ervas e o musgo entre as pedras.

A maior parte dos habitantes que passam, olham, mas desviam logo o olhar. Longe da vista, longe do coração. Ignorar é o método mais comum para viver descansado. Na certeza de que nada é feito que não deva ser feito. Mas com as próximas chuvas, o veneno contamina as águas, segue pelas canalizações e infiltra-se no solo. Todos os anos, um pouco mais. E acumula-se nas reservas de água subterrânea da aldeia. As crianças que aqui nascem recebem uma dose desse veneno, em conjunto com o prémio dos 500 euros. Será esta a água que iremos beber?

Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), em Portugal Continental existem 62 aquíferos subterrâneos. Os resultados de um estudo a longo prazo, de cinco anos, publicado em 2016, mostram que 55 desses aquíferos estão contaminados por, entre outros, uma agricultura industrial (azoto amoniacal e nitratos) e, principalmente, uma pecuária intensiva (adubos e produtos fitossanitários).¹ Tudo o que é aplicado, sejam sementes geneticamente modificadas, adubos sintéticos, pesticidas, herbicidas ou fungicidas, por fim irá parar à água que consumimos.

Respeito pela natureza? Agem como alguém que sobe a uma árvore para serrar o galho em que está sentado. E já foste. Quem sabe ler que leia o folheto informativo e as contra indicações de um herbicida. Uns até o leem, mas não querem compreender o conteúdo. Não vale a pena aprender a ler na escola para depois não conseguir ver que o diabo se esconde atrás de empresas como a MonSanto & Co.

1 Fonte LUSA “Em plena época de seca, a associação ambientalista Zero foi analisar a qualidade das águas subterrâneas do país e chegou à triste conclusão de que a poluição está generalizada nos aquíferos nacionais.  Mais, informa a Zero, a má qualidade dessas águas deve-se sobretudo à produção agrícola e à atividade pecuária intensiva, que podem estar a impedir a utilização da água para consumo humano. A Zero analisou os dados disponibilizados pela Agência Portuguesa do Ambiente relativos à presença de azoto amoniacal e de nitratos nas águas subterrâneas, ao longo do período compreendido entre 2011 e 2015, e descobriu que 55 dos 62 sistemas aquíferos que possuem dados disponíveis estavam poluídos.” (…)  
eucaliptos monchique

Muita sede

Um viajante de Lisboa vem visitar Monchique pela primeira vez na sua vida. Desloca-se de comboio e sai na estação de Santa Clara/Saboia. A Estrada Nacional 266 segue do Alentejo em direção a Sul, serpenteando 20 km pela montanha adentro. De ambos os lados – a perder de vista – o viajante só encontra plantações de eucalipto cujo destino é a indústria do papel. Muitos milhões de árvores, híbridos plantados recentemente em socalcos e nas encostas, esgotam a água e os nutrientes do solo. E a escassez de água que se sentia já antes do verão em muitos municípios do sul de Portugal está sintomaticamente relacionada com esta paisagem. A situação é crítica, se não dramática. Ninguém se recorda de uma seca tão severa, porque até hoje sempre houve fortes chuvadas durante o inverno. Ninguém pensou que a chuva alguma vez fosse falhar, e ninguém jamais se preparou para esta situação.

Monchique é o único município no Algarve cujas escolas se baldam às aulas de sensibilização sobre o “Uso eficiente de água” proporcionadas pela “Águas do Algarve SA”. Senão, saberiam que o eucalipto, com as suas raízes profundas e de crescimento rápido, retira toda a água do solo para a transformar em óleo que, por sua vez, tem um efeito acelerador nos incêndios florestais. Mas em vez de se cortar os eucaliptos, traz-se água das Caldas de Monchique até Marmelete e Alferce num camião cisterna da Proteção Civil. Eles ficaram sem água, dizem os condutores dos camiões. 76 por cento da floresta do concelho (396 km2, 6.045 habitantes, 2011) são plantações de eucalipto. É uma polémica com muitos anos. E há mais uma questão que preocupa o viajante: se este verão aqui voltar a haver fogo, onde é que irão buscar a água para o apagar, se até para beber nos falta, já em fevereiro? Não será este um tema a trazer para o debate público, pela oposição socialista do município? O Presidente da Câmara, Rui André, vogal do Conselho de Administração da Águas do Algarve SA, com certeza que tem argumentos para apresentar.

sowamo semear agua

sowamo
Semear água?

Os habitantes de Monchique orgulham-se da sua ótima água, há séculos guardada nesta serra do sul de Portugal. Em vários pontos, ela aparece em nascentes e por entre as rochas, água guardada durante muitos séculos nesta montanha de alto valor geológico e ecológico. A água é uma dádiva maravilhosa da Natureza. Porém, nos últimos anos, o mundo mudou um pouco: o clima, a atmosfera, a meteorologia instável, as temperaturas e os incêndios florestais. Tudo isto não é bom num mundo que poderia ser perfeito. Contam-nos os mais idosos que antigamente, no inverno, chovia muito durante semanas. Escassez de água? Isso não existia nesse tempo! Agora, a pouca chuva dos últimos invernos mal chega para garantir o fornecimento de água local. Isto porque Monchique é um dos poucos municípios de Portugal que ainda é autónomo, a 95 %, no fornecimento de água canalizada. Mas em agosto de 2017 pôs-se fim a essa história centenária de sucesso. Em duas das três freguesias, primeiro em Marmelete, e depois também em Alferce, foi necessário o transporte de água potável por um camião cisterna da Proteção Civil, com uma capacidade para 16 000 litros – várias vezes ao dia. E agora, qual é a situação, Senhor Presidente da Câmara?

O que se temia há muitos anos acabou por acontecer. É necessário o transporte de água, até mesmo em fevereiro. Não pretendemos discutir aqui se se deve culpar a falta de chuva ou a plantação excessiva de eucalipto, uma árvore que seca os solos. E mesmo se o Presidente da Câmara, Rui André, na reunião de vereadores e perante a imprensa ainda o nega, é um facto que Monchique tem um problema de água, até mesmo se entretanto voltar a chover. Todos na Câmara Municipal têm consciência disso. Há que fazer algo, senão irá haver dificuldades este verão. E um problema desta natureza exige uma solução de longo prazo. Felizmente, há uns anos, um grupo de cientistas apresentou ao Presidente da Câmara, pessoalmente e por escrito num estudo científico, as suas ideias sobre como “semear água”. O projeto que daí nasceu ainda levou alguns anos a ser concretizado. Em 2015, finalmente, havia financiamento e o projeto pôde arrancar.

Pretendíamos que Rui André se pronunciasse sobre este tema. Porém, cancelou a conversa e indicou-nos uma colaboradora para falar sobre o assunto. Sónia Gil, técnica ambiental, conta à ECO123, que SOWAMO é um projeto multidisciplinar para superar os problemas ambientais que são agravados pelas alterações climáticas, e, na quinta-feira, dia 25 de janeiro, proporciona-nos uma curta visita guiada ao terreno em questão. SOWAMO conseguiu juntar sete parceiros à mesma mesa. A Câmara Municipal de Monchique adjudicou o planeamento do projeto à empresa Terra, Ambiente e Recursos Hídricos Lda., de Sacavém. O acompanhamento científico é garantido pela Universidade do Algarve (CCMAR), em Faro, e pelo NIBIO, o Instituto Norueguês de Economia Ambiental, de As, 30 km a sul de Oslo. A Noruega financia o projeto a 85% pelo seu fundo “eea-grants” (Islandia, Liechtenstein e Noruega). São 168.941,39 euros. E o “Fundo Português do Carbono”, da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), participa com 29.813,19 euros. Os custos totais foram de 198.754,58 euros.¹

O município de Monchique, proprietário do terreno Relva do Carrapateiro, que é zona de proteção de água, e sob o qual está localizado o aquífero com as reservas de água, adjudicou as obras a 17 de novembro de 2016. A empresa escolhida, a TECNOVIA, inicia os movimentos de terras a 9 de março de 2017. A resposta à pergunta se das obras terminadas a 26 de abril de 2017, e que custaram 88.261,49 euros, fez parte um canal semi-aberto de 330 metros de comprimento (veja a carta) – já mostrou ser positiva, mas é cautelosa: tudo depende muito da quantidade de precipitação que tivermos esta primavera.

A serra de Monchique é uma das regiões semi-áridas do sul da Europa, com microclimas próprios, fontes, minas, furos e aquíferos. E tem uma rede de distribuição de água canalizada, gerida pelo município, com 126,6 km, que abastece 2.373 casas. Estas consomem 300.000m3 de água por ano. E claro que o Presidente pretende mais prosperidade para o concelho, através do aumento do turismo de natureza. O que faz com que o município, na seca, já gaste mais água do que teria disponível, apesar de haver cada vez mais jovens a sair do concelho. Com SOWAMO pretende-se melhorar, ou pelo menos estabilizar, o abastecimento de água durante os meses quentes de verão. Os prognósticos dos vários estudos científicos dizem que SOWAMO poderá – caso realmente haja mais água – aumentar o caudal durante o verão em um litro por segundo (aproximadamente 80 m3 por dia). É esta a teoria.

É no alto da Fóia (902m), onde durante muitos dias durante o inverno se acumulam as nuvens, e trazendo chuva, que se pretende “semear água”. O semear faz parte desta região, que ainda é predominantemente agrícola. O terreno em que se instalou SOWAMO fica a 800 metros de altitude. É aqui que o tempo pode mudar de um momento para o outro, e um nevoeiro pode trazer chuva. Observamos o longo canal semi aberto que serpenteia pela encosta e deve transferir a água da chuva das colinas mais altas até à zona de proteção de água da Relva do Carrapateiro e para o Penedo do Buraco. Pretende-se melhorar a capacidade de armazenamento de água das minas e dos aquíferos com esse canal e as bacias de retenção e infiltração para a água da chuva. O objetivo é tornar mais resiliente o abastecimento de água ao município de Monchique em tempos de alterações climáticas. Até aqui tudo bem.

Relva do Carrepateiro

Conservação da água e Biodiversidade

A “Relva do Carrepateiro” é uma zona de proteção de água importante na serra de Monchique que tem sido fustigada pelos incêndios. Segundo os cientistas Francisco Leitão e Alexandre Teodósio, da Universidade do Algarve (CCMAR), um plano para a reflorestação de um terreno deste tipo deve prever pelo menos 12 espécies de árvores e arbustos:

• amieiro negro (Alnus glutinosa);

• nogueira (juglans comun);

• freixo (Fraxinus excelsior);

• azinheira (Quercus rotundifolia) e sobreiro
(Quercus suber);

• oliveira (Olea europaea);

• castanheiro (Castanea sativa);

• sabugueiro (Sambucus nigra);

• amora (Rubus spec);

• hera (hedera helix);

• videira (vitis spec) e junco agudo (Juncus acutus).

Mas antes de se poder plantar a primeira árvore, tem que ser apresentado um projeto à câmara municipal. A técnica ambiental Sónia Gil sublinha perante a ECO123 que imediatamente junto às minas não podem ser plantadas árvores. A zona pertence à “Rede Natura 2000” e é um biótopo com um regime de proteção especial.

Diante da ECO123, os autores noruegueses do projeto SOWAMO salientam que a capacidade de retenção a longo prazo dos grandes aquíferos naturais é uma solução para os problemas atuais e futuros causados pelas alterações climáticas em Monchique, e não só. Trata-se de recarregar continuamente as grandes reservas subterrâneas de água. Sublinham que a importância das águas subterrâneas, para garantir a nível global o fornecimento de água e a produção alimentar, muito provavelmente irá aumentar devido às alterações climáticas, porque a maior frequência de situações climatéricas extremas (secas e cheias) provoca variações mais acentuadas na pluviosidade, no teor de humidade dos solos e na disponibilidade de água superficial. As expetativas no projeto SOWAMO são grandes. É um projeto piloto que se pretende replicar noutros locais caso se verifique o seu sucesso. Mas mesmo que o projeto singre, os problemas de água das freguesias de Marmelete e Alferce continuam por resolver. Este ano, a água é um tema central.

¹ = TARH – Terra, Ambiente e Recursos Hídricos Lda. (Project promotor) www.tarh.pt
Câmara Municipal de Monchique (CMM) www.cm-monchique.pt
Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMAR) www.ccmar.ualg.pt/
sNorsk Institutt for Bioøkonomi (NIBIO) www.nibio.no/ und www.sowamo.eu
² = … “Para além da recarga de aquíferos, está prevista a substituição dos eucaliptais por castanheiros na área imediatamente a jusante das estruturas de recarga, já que esta é uma espécie nativa e típica da Serra de Monchique. A substituição do tipo de vegetação vai reduzir a utilização de água no subsolo, melhorando, portanto, a eficácia do uso da água do projeto…”
Fonte: ADaPT, April 2017

 

Resumo da pesquisa no terreno:

Infelizmente, um ano após o final das obras, o terreno continua a parecer um estaleiro. Arrancaram árvores e arbustos para a construção do canal, para os deixar caídos no local. Há duas questões em aberto:

• Por que razão temos vários milhares de metros quadrados de eucaliptal no terreno da Relva do Carrapateiro, e porque não cortaram o eucalipto e arrancaram as raízes, conforme previsto no programa ADaPT? O eucalipto não se coaduna com o cuidar das águas subterrâneas.²
Como o terreno está abandonado há muitos anos, as silvas criaram um matagal que, entretanto, barra acessos importantes. Um problema em caso de incêndio. E…

• Uma zona de proteção de água deveria ser regularmente mantida e protegida com uma vedação, para que a água, o recurso mais importante do planeta, se mantenha limpa. A ECO123 apurou também que a zona de proteção é usada para pastoreio. O gado espalha chorume e bosta por todo o lado. Junto a uma das minas acumula-se água acastanhada, provocando um cheiro nauseabundo. Também há javalis a visitar o local. Não é este o aspeto que deve ter uma zona de águas protegidas. A água é um bem público escasso. Aqueles que estão a implementar aqui um projeto que é de louvar poderiam ter mais atenção para com a terra, a plantação e a água.

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