Deixar o mundo melhor do que o encontrámos
Um dia destes, uma mulher de um grupo de visitantes perguntou-me porque é que eu fazia tudo isto. Eu respondi-lhe que, durante o meu tempo de vida, teria de retribuir alguma coisa. Sou jornalista e, nos muitos anos da minha vida profissional, vi tantas árvores transformadas em papel e apercebi-me de que cada folha de papel já tinha sido uma árvore, na maioria das vezes um eucalipto. Que eu agora plante árvores até ao final da minha vida tem toda a lógica, não é verdade? Para contextualizar, isto aconteceu num sábado de manhã, durante um passeio pelo emergente jardim botânico florestal das Caldas de Monchique (Portugal), no Esgravatadouro – palavra muito difícil de pronunciar, quanto mais de escrever! – um jardim botânico, um jardim florestal que está lentamente a tomar forma. Dez horas da manhã, sábado, é a hora da visita. Estava um destes lindos dias de sol de inverno, após uma semana de chuva. Hoje em dia, em vez de chover durante 57 dias seguidos, ficamos já felizes quando chove, nem que seja só uma semana, com alguns intervalos pelo meio. A chuva tornou-se tão importante que, sem ela, tudo é nada. Alegramo-nos com cada gota de água…
Passámos por uma pequena magnólia, sempre ao longo do ribeiro por onde a água corre para o vale, e assim é que deve ser. Porque no verão acontece, por vezes, que não corre mesmo nada ou, com sorte, apenas muito pouca água. Eu tinha comigo um cajado para me poder apoiar e me dar segurança, e expliquei a este pequeno grupo que, muito em breve, quando conseguíssemos juntar dinheiro, instalaríamos um corrimão, tal como numa escada, para ninguém ter que se preocupar com a eventualidade de poder cair ou escorregar. Porque o jardim botânico no Esgravatadouro situa-se num barranco por onde os antigos proprietários desciam todos os dias com os seus burros e onde praticavam agricultura tradicional. À tardinha, depois do trabalho, subiam até às suas casas, vale acima, nos seus burros, carregados de alimentos frescos.
Agricultura tradicional? O que é isso? Por exemplo, alguém quer comer boas batatas ou legumes frescos? Então, planta uma batata num sulco e deixa a planta crescer. Quem tiver tempo livre, pode observar o processo. Eu não tenho ainda essa paciência. Deixo-me surpreender. Mais tarde, aquando da colheita, estou sempre curioso por saber o que terá acontecido a esta batata no solo. Cinco batatas ou apenas três, ou mesmo seis ou sete, ou talvez até nenhuma. Isto é como um investimento. Tu apostas dinheiro num cavalo e o cavalo começa a galopar. Se ele chegar à meta em primeiro lugar, tu ganhaste, caso contrário, perdeste a aposta. Ou então depositas o dinheiro no banco e o banco enriquece à tua custa. Quem tiver sorte, investiu na ação certa. Assim é na agricultura tradicional. Investir no que é bom, para melhorar a qualidade do solo. De preferência, começar com a plantação de árvores autóctones: um proveitoso investimento na natureza.
Eu queria ver o que tinha acontecido ao meu pequenino maravilhoso pinheiro- guarda-chuva que plantei aqui, há três anos. Agora já me chega à cintura, tem bom aspeto e está a crescer regularmente, rodeado de plantas silvestres. As plantas silvestres são a alfazema de crista, a esteva e, dentro de um mês, também a orquídea selvagem que, a partir do final de março, florescerá. Mas antes disso, agora no inverno, a maioria das plantas mais pequenas ainda estão em hibernação. Assim como as primeiras árvores pequeninas, que ficam igualmente em estado de adormecimento. O jardim florestal botânico está numa fase de desenvolvimento e precisa ainda de um par de anos para que as arvorezinhas se convertam em árvores. Isso precisa de tempo, paciência e mão verde. Tudo isto está agora protegido por um sistema de aspersão. Para quê um sistema de aspersão? Para proteger um jardim botânico, uma floresta? E, acima de tudo, por que é necessário um jardim botânico em Monchique? É o que as pessoas me perguntam – e não só os grupos de visitantes.
Eu saberia responder prontamente a isso. Nós precisamos de um museu vivo para documentar as destruições da natureza. Sou pouco conservador e ainda menos socialista. Porquê? Porque no meu país (e não só aqui) não existe qualquer diferença de atuação entre a política socialista e a conservadora. Ambos os partidos no Governo destroem igualmente este mundo, no seio do qual nascemos e onde temos que viver. O resultado é a destruição, que assume a forma de incêndios florestais. A cada par de anos, há um incêndio em Monchique. Numa grande área à volta do futuro jardim botânico existe uma plantação industrial de eucaliptos, que facilitam os incêndios florestais, e eu pensei que seria bom mostrar às pessoas que
floresta também pode significar diversidade. Um sobreiro, uma alfarrobeira, um carvalho de Monchique, um salgueiro e um ulmeiro que eu plantei aqui crescem todos bem e, quando completarem cinco anos, receberão uma pequena placa onde constará o seu nome e quem a plantou. Pois também é possível apadrinhar uma árvore. Um cônsul honorário de Lagos plantou um carvalho a 30 de dezembro de 2018, e este carvalho tem medrado paulatinamente. Os medronheiros com mais de cem anos são um bom exemplo que os meus vizinhos gostam de referir. Dado que se pode fazer aguardente com as suas bagas, isso, para eles, faz todo o sentido. Mas como eu não posso beber aguardente, prefiro concentrar-me nas outras árvores.
Eu tinha um daqueles caramanchões arborizados a partir do qual esperava poder escrever histórias como esta. A água do ribeiro corria junto a uma lindíssima romãzeira em direção ao vale – mas a árvore ardeu no incêndio de 8 de agosto de 2018. Não me foi possível salvá-la, porque ainda não tinha instalado o sistema de aspersão. Arderam duzentos anos de história e o meu caramanchão desfez-se em fumo. Mas, no subsolo, as raízes começaram a comunicar e a romãzeira brotou uma segunda vida sob a forma de rebentos. Todos os anos, em fevereiro, podo, com uma tesoura, os inúmeros rebentos dos arbustos da romãzeira, para que um dia o arbusto volte a transformar-se numa árvore…
Não sou caçador, mas sim um recolector. Por vezes, recoleto cogumelos, mas sempre que chove, recoleto bastante água, água da chuva. E, com esta água da chuva, evitarei futuros incêndios. Vivo em Monchique desde 1990 (35 anos) e, de lá para cá, já sobrevivi a cinco incêndios florestais. Tirei daí os meus ensinamentos. Se tiveres água recolhida, consegues extinguir incêndios. Há muitas pessoas que viraram as costas a Monchique e fugiram, porque simplesmente estão fartos dos incêndios florestais. Porque os incêndios florestais retiram aos jovens a possibilidade de evoluir: desenvolvimento profissional – porque os incêndios florestais roubam o futuro às pessoas e transformam cada sonho de prosperidade num pesadelo. Eu também estive muito perto de me ir embora. E perguntei-me, o que estava eu ainda a fazer, aqui, em Monchique? A ver tudo a arder a cada par de
anos? Como isso destrói a natureza e intensifica as alterações climáticas? Quero fazer parte disto? NÃO! Então, é vender a casa e ir embora.
Mas, para onde? Vivemos num mundo de múltiplas devastações. Mesmo em Hollywood há incêndios frequentemente. Em Valência, Espanha, os carros andam a flutuar e as alterações climáticas provocadas pelo homem destroem aldeias e cidades. Não só em Espanha, mas também no vale do Ahr, na Alemanha, flutuam carros em cursos de água, consequência de fortes chuvadas. Não é mudando de sítio que se lida com a crise climática. E, depois de muito refletir, decidi plantar um jardim botânico florestal diversificado, como réplica às plantações de eucaliptos e incêndios florestais, e protegê-lo com um poderoso sistema de aspersão. Construí uma parede corta-fogo à volta da minha casa e na construção da casa tive a preocupação de não utilizar materiais inflamáveis…
Nós, os humanos (e, naturalmente, os animais, também) temos a capacidade de nos desenvolvermos, de nos adaptarmos, de nos tornarmos resilientes e, eventualmente, até conseguir fazê-lo bem. Decidi deixar o meu pequeno mundo num estado melhor do que o encontrei, e não pior. Foi com este objetivo que vivi os meus últimos anos. Tem que ser possível tornar o meu mundo um pouco melhor. E para isso, faz sentido fazer uma plantação equilibrada de árvores para criar novas florestas.
As árvores fornecem sombra, transformam CO2 em oxigénio, as florestas são uma importante componente da natureza, do equilíbrio hídrico da terra – da nossa saúde. A floresta é cromatizada e em cada estação do ano há uma cor que domina o meu pequeno mundo, no Esgravatadouro…
A floresta não é apenas verde, nem é apenas escura. Na minha floresta, eu encontro flores com as mais lindas cores e, mais tarde no ano, ela também me oferece frutos. Tenho um loureiro que torna a minha comida mais saborosa com as suas folhas, uma tília que me oferece chá, uma árvore com a florescência toda branca, que me dará, mais tarde, amêndoas – e uma nogueira que me oferece nozes, uma pimenteira e uma alfarrobeira, cujas vagens moo para fazer farinha para um cacau. E quando chega novamente o mês de junho, vou ao meu damasqueiro verificar se e quando poderei colher esses maravilhosos frutos. E ainda nem me comecei a babar com os limões, as laranjas, as toranjas e as tangerinas… O meu mundo é um mundo de reciprocidade: um contínuo ciclo de dar e receber.
A este propósito, a cooperativa Esgravatadouro organiza um seminário sobre permacultura, no final de março, para as pessoas que desejem aprender mais sobre alimentação saudável. Visitem o Esgravatadouro e participem neste seminário único.